O procurador-geral da República, Augusto Aras, posicionou-se contra o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. O posicionamento é favorável não só aos indígenas, mas também à natureza e aos animais silvestres, já que a demarcação de terras garante que essas áreas permanecerão sob a posse dos indígenas, que historicamente a protegem ao invés de desmatá-las e destruí-las, como fazem os grupos interessados no marco temporal – como madeireiros, pecuaristas e mineradores.
“Este procurador-geral manifesta concordância com o afastamento do marco temporal, quando se verifica, de maneira evidente, que já houve apossamento ilícito da terra dos índios”, disse Aras durante sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) realizada para analisar o caso.
O posicionamento de Aras demonstra discordância da tese defendida pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido), que é favorável ao marco temporal, que determina que os indígenas só podem reivindicar terras nas quais já viviam até a data da promulgação da Constituição de 1988.
Segundo o procurador-geral da República, “o artigo 231 do texto constitucional, impõe o dever estatal de proteção dos direitos das comunidades indígenas, antes mesmo da conclusão do processo demarcatório, dada a sua natureza declaratória. Por razões de segurança jurídica, a identificação e delimitação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios há de ser feita no caso concreto, com a regra do tempus regit actum, aplicando-se a cada fato a norma constitucional vigente ao seu tempo”. Durante a votação, que acabou sendo suspensa, o ministro e relator Edson Fachin também se opôs ao marco temporal.
Em sua fala, Augusto Aras também denunciou a prática tradicional de expulsão de indígenas de suas terras após conflitos com ruralistas e outros setores interessados em se apossarem das áreas. “A Assembleia Constituinte registrou a importância do reconhecimento de que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil. O Brasil não foi descoberto. Não tem 521 anos. Não se pode inviabilizar os nossos ancestrais, que nos legaram esse país”, afirmou. “A nossa Constituição Federal reconheceu direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam os índios. Demarcar consiste em atestar a ocupação dos índios como circunstância anterior à demarcação. Por razões de segurança jurídica, a identificação e delimitação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios há de ser feita no caso concreto, aplicando-se a cada fato a norma constitucional vigente ao seu tempo”, disse Aras ao se referir a uma disputa por terras em Santa Catarina examinada pelo STF no momento.
Conforme pontuado pelo PGR, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos reafirmou que aplicar o marco temporal contraria as normas internacionais e interamericanas de direitos humanos, em particular a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, já que essa tese “não leva em consideração os casos em que os povos indígenas foram deslocados à força de seus territórios, muitas vezes com violência, razão pela qual não estariam ocupando seus territórios em 1988. Daí a importância de se admitir o renitente esbulho como exceção ao marco temporal, como tem feito este Supremo Tribunal em jurisprudência que há de ser mantida”.
Julgamento suspenso
Sob a justificativa de evitar o fracionamento do voto do relator do caso, o ministro Edson Fachin, o julgamento do marco temporal foi suspenso sob determinação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux.
A suspensão, realizada pela terceira vez, fará com que o julgamento seja reiniciado apenas no dia 8 de setembro.
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