Todos os que têm sensibilidade para com os direitos animais já notaram, quando tiveram as primeiras aulas do idioma inglês, que há algo estranho. Se evoluem no aprendizado e no contato com a língua, esse estranhamento só tende a aumentar.
Essa característica tão elementar da língua inglesa e que causa desconforto a quem considera os direitos animais e não tem uma visão especista está na regra sobre pronomes.
Em inglês, entre os pronomes pessoais que cumprem função de sujeito, a regra estabelece que “he” é o pronome utilizado para se dizer “ele”; “she”, para “ela”, e “it”, “para coisas ou animais”. E isso se estende a todos os tipos de pronomes (oblíquos, de posse, relativos) – o uso de pronomes para se referir a animais é sempre baseado nesta diferenciação.
” I – eu
You – tu, você
He – ele
She – ela
It – ele, ela (usado para coisas e animais)
We – nós
You – vós, vocês
They – eles, elas ”
O assunto já foi pauta de uma discussão levantada pelo PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) há alguns anos, e a Care2 relembrou e retomou o assunto, em momento pertinente.
Em 2007, Anna West, diretora de Comunicação do PETA, escreveu a Norm Goldstein, editor da Associated Press, pedindo que o jornal mudasse as regras gramaticais de seu Manual de Redação e Estilo de modo a considerar que animais não-humanos são seres vivos e não objetos inanimados.
Segundo informações em seu site, o PETA direcionou este apelo à Associated Press devido à representatividade da instituição como grande rede global de notícias, e por considerar este canal um grande formador de opinião.
A resposta da AP foi que o Manual já refletia esta mudança. No entanto, as diretrizes do jornal contidas no Manual diziam: “Não aplicar um pronome pessoal a um animal a menos que seu gênero tenha sido estabelecido ou que o animal tenha um nome”. Caso contrário, “it” seria o padrão.
Extrapolando esta regra, isso significa que um cão chamado Harry é “ele” (“he”), uma égua (fêmea de cavalo) é “ela” (“she”), e um peru selvagem é “it” (coisa).
Seres humanos são criaturas sencientes que pensam, sentem dor e alegria, e interagem com seu meio. Já está mais do que provado que os animais não-humanos não são diferentes de nós nessas características. Mas se nós também somos animais, então por que há animais que devem ser tratados como “it”?
Historicamente, animais não-humanos não têm valor sob a visão humana. Nós comemos estes animais, usamo-los, exploramos os mesmos para carregar fardos pesados, expulsamo-los de seus habitats sem consideração por seu bem-estar e usamos a sua reprodução em nome do dinheiro. Alguns conseguem se tornar animais domésticos, mas nem mesmo estes escapam de abuso e tortura nas mãos dos humanos. A atitude geral parece ser: se você não é humano, então você existe para servir às necessidades humanas. A reportagem da Care2 pergunta: “Será que alguém mais vê algo terrivelmente errado nesta concepção?”.Nota-se que a atitude predominante ainda é a de que animais não-humanos são menos importantes, têm menos valor para a sociedade e menos direito à vida e à felicidade, em comparação com os humanos. Isso precisa mudar, e a linguagem tem um papel importante na impulsão desta mudança.A reportagem lembra que não é somente o manual de estilo da Associated Press que confirma este viés. Quando se usa a correção gramatical comumente utilizada em programas de processamento de texto de computadores, a sentença “The dog who fell down hurt her paw” (Tradução: “A cachorra que machucou sua pata”), é corrigida para “The dog that fell down hurt its paw”. Ou seja, se quem escreve o texto se aventurar a escrever “who” e “her” como pronomes para se referir à cachorra, o corretor ortográfico lança os pronomes que designam animais como coisas: “that” e “its”.
Mas nós não somos – ou pelo menos não devemos ser – seres subordinados a programas de computador, e podemos “ignorar” esta correção sugerida.
Há um livro de Dave Pelzer que consta na lista do New York Times de livros mais vendidos e se chama: “Uma criança chamada ‘it’: coragem para sobreviver”. O livro conta um caso impensável de abuso infantil experenciado pelo autor quando criança por sua mãe sádica. O título por si só assustou os falantes e leitores da língua inglesa, recurso utilizado pelo autor com esse objetivo, pois chamar uma criança pelo pronome destinado a descrever um objeto inanimado pareceu inadequado. A razão é que uma criança é um humano jovem e não uma coisa. Uma mesa é uma coisa (“it”), assim como uma garrafa de café e um martelo. Mas usar o pronome “it” para criança é um contrassenso.
Assim também já deveria estar na hora de parecer inadequado, com toda a evolução de consciência que as sociedades humanas atuais têm dos animais não-humanos, o uso de “it” para eles (o trocadilho desta última sentença em que se escreve “eles” para os animais não é sem propósito; uma das coisas boas da Língua Portuguesa é que nós não temos este problema, e felizmente não existe um pronome equivalente a “it” em nosso idioma para se referir aos animais não-humanos).
Os animais não-humanos têm tantas habilidades, tanta complexidade de sentidos, que se torna cada vez mais gritante o ultraje cometido ao tratá-los por “it”, na mesma categoria de “coisas”. É tempo de se fazer esta mudança.
A linguagem é fluida e está sempre em evolução. É válido se fazer mudanças quando atitudes e tempos mudam. A Care2 lança a questão: “o que nós estamos esperando?”.
Há alguns anos, a Defense of Animal (IDA) fez uma campanha para mudar o termo “proprietário de animal” (“pet owner” / “dono”) para “guardião” (“pet guardian” / “tutor”). Isso não significa só mudar algumas regras, mas elevar a consciência sobre como a linguagem pode moldar atitudes. Uma vez que a consciência é desperta, a mudança ocorre.
O PETA tem uma divisão de educação chamada “Teach Kind”, cujo site ( http://www.teachkind.org/ ) contém um guia para escrever e falar, e que sugere esta mudança.
A ANDA adota esta linguagem desde a sua formação: em suas notícias e artigos, não se fala ou escreve “dono”, e sim “tutor”. Ao invés de “animais de estimação”, utiliza-se a expressão “animais domésticos”. Nas matérias publicadas na ANDA, a redação apresenta uma firme postura editorial em que a linguagem se refere aos animais sempre como seres de direito.
A Care2 resgatou o anterior pleito do PETA e criou uma petição para ser direcionada à Associated Press, pedindo que o seu Manual de Redação e Estilo mude as regras e deixe de usar o pronome “it” para se referir aos animais não-humanos sob quaisquer circunstâncias.
O Inglês é a língua mais falada no mundo, sendo o idioma oficial em 54 países, e o segunda idioma em aproximadamente 60 países, somando bilhões de falantes. Certamente esta linguagem que reserva o uso do pronome “it” aos animais deve ter contribuído muito para a perpetuação do comportamento especista que perdura no mundo até os dias de hoje, pois a língua influencia a cultura. Até hoje, tratar os animais não-humanos por “it” no idioma mais falado no mundo foi uma prática que pode ter reforçado muitos comportamentos negativos com relação a eles, comportamentos estes em que eles foram tratados como “coisas” pelos humanos. E a mudança dessa realidade, dado o dinamismo da língua que está sob o controle de quem a utiliza, depende somente de nós.
Ajude a espalhar ao mundo a importância das palavras, para que a substituição de “it” por “he” ou “she” se torne a norma. Nenhum animal não-humano deve ser mais tratado por “it”.
Petição: http://www.thepetitionsite.com/247/662/079/stop-calling-animals-it
Tradução da carta enviada pelo PETA a Norm Goldstein, editor-chefe da Associated Press em 26 de Abril de 2007:
” Prezado Sr. Goldstein:
Em nome dos mais de 1,6 milhões de membros e apoiadores do PETA em todo o mundo, estou escrevendo para pedir que o Sr. revise o Manual de Redação e Estilo do The Associated Press, de modo que suas regras gramaticais reflitam o fato de que os animais são seres vivos e não objetos inanimados. Em artigos de revistas, literatura popular, e campanhas publicitárias, redatores já estão usando ‘ele’, ‘ela’ e ‘quem’ para se referir aos animais não-humanos, ao invés do ultrapassado e inadequado ‘it’ e ‘isto’. O Sr. não considera fazer também esta transição?
Enquanto essencial rede global de notícias que é, a Associated Press deveria adotar um passo à frente e dar aos animais o respeito que eles merecem ao revisar as diretrizes a fim de que se usem pronomes pessoais para todos os animais. Enquanto o mundo acelera pelo Século XXI, ideias progressivas estão desafiando e mudando as perspectivas. Recentemente, o sistema legislativo americano reconheceu que animais não-humanos merecem status legal ao invés de serem considerados meras ‘propriedades’, e que o tratamento abusivo a estes animais é crime. O público agora reconhece que as baleias que cantam ao longo dos oceanos, os grandes macacos que compartilham mais de 98% do nosso DNA, as ovelhas que podem reconhecer aproximadamente 50 rostos após não tê-los visto por dois anos, e porcos e galinhas que aprendem a operar interruptores de modo a controlar o calor e a luz em ambientes de confinamento de fazendas e matadouros, são seres sencientes, inteligentes, e não objetos. A nossa linguagem deve refletir isso. Eu apreciaria muito ouvir sua decisão sobre este assunto. Segue em anexo uma cópia do Manual de Redação do PETA, que explica como evitar a linguagem que retrata animais sob ponto de vista negativo. Muito obrigada pelo seu tempo.Grata,
Anna West – Diretora de Comunicação “
Fonte: Peta