Junichi Sato, para o The Guardian
Em 2008, eu e um colega interceptamos uma caixa de carne de baleia destinada a servir de “souvenir” para a tripulação da frota baleeira japonesa. Impulsionadas por delatores dentro da indústria, as investigações do Greenpeace sobre corrupção no programa japonês de caça às baleias (que é subvencionado por impostos) revelou que desviar, presentear e até vender cortes valorizados de carne de baleia era uma prática comum.
Nós entregamos a caixa para as autoridades japonesas e pedimos uma investigação. Mas ao invés de investigar nossas reclamações, as autoridades japonesas decidiram processar a mim e a meu colega por roubo e transgressão. Fomos condenados em setembro de 2010 e sentenciados a uma pena de doze meses na prisão, uma sentença da qual estamos apelando atualmente. Nosso caso não ajudou apenas a chamar a atenção da opinião pública para questão da caça às baleias no Japão, mas também catalisou uma pressão internacional acerca da condenação de dois ativistas.
Por conta do nosso caso, muitas pessoas no Japão estão agora cientes das práticas de peculato e da oferta de propina pela indústria baleeira japonesa. A maré da opinião pública no Japão finalmente começou a virar contra os baleeiros, que eventualmente acabará por cravar uma estaca no coração da indústria baleeira do meu país. Os fatos são claros: a demanda pela carne de baleia está encolhendo e cerca de 6 mil toneladas estão estocadas em frigoríficos. Pela primeira vez, as pessoas no Japão estão começando a pensar por que uma frota de barcos japoneses viaja milhares de milhas para trazer de volta uma carne que ninguém quer.
Em dezembro passado, um dos órgãos governamentais encarregados do programa de caça às baleias japonês, a Agência de Pesca Japonesa (FAJ na sigla em inglês) afirmou em rede nacional de TV que a carne de baleia estava sendo desviada; cinco oficiais que receberam carne de baleia de “presente” estão encarando processos disciplinares. Em 2008, nós fomos detidos por 26 dias, levados a julgamento e condenados por uma delação similar – delação esta pela qual os cinco funcionários enfretaram, apenas, uma “ação disciplinar”.
E veio à tona que dois gerentes da indústria baleeira – entre eles Jun Yamashita, o número dois da FAJ e um importante negociador do Japão na Comissão Internacional da Baleia, o organismo que regulamenta a caça, também foram repreendidos por suas ações. Todos esses escândalos, aliados aos relatórios de metas de redução de captura de baleias no Oceano Antártico, à queda das vendas e aumento dos estoques de carne de baleia, levam a crer que o programa de caça às baleias no Japão está à beira do colapso.
Estou orgulhoso por ter ajudado a delatar a indústria baleeira japonesa e mais orgulhoso ainda porque o movimento dentro do Japão para por um fim a esta vergonhosa prática continua crescendo.
Contudo, nosso caso é emblemático não apenas para acabar de vez com a caça, mas também para assegurar espaço na sociedade japonesa para o discenso e para expor a verdade – que às vezes é difícil e inconveniente. Sim, eu interceptei uma caixa de carne de baleia. Mas eu o fiz para revelar o desperdício de somas altíssimas de dinheiro que os contribuintes do país estavam dando – se saber – para perpetuar uma caça que traz embaraço e vergonha ao Japão. Minha interceptação dessa carne já mudou a minha vida para sempre mas eu espero que o o processo que está em andamento ajude a criar mais espaço para a justiça e o ativismo no Japão.
Fonte: Estadão