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Atitudes contraproducentes

13 de junho de 2011
4 min. de leitura
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Por Silvia Lakatos
Em colaboração para a ANDA

Combater a hipocrisia é importante. Se a sociedade em que vivemos escandaliza-se com o consumo de carne canina em países com a China e a Coreia, mas fecha os olhos para o que acontece em nossos próprios matadouros e granjas, é legítimo chamar a atenção para o caráter embusteiro dessa postura.

Mas precisamos fazer isso de maneira produtiva, e não de modo a gerar uma indisposição da opinião pública contra os defensores dos direitos animais.

Para melhor explicar o que pretendo dizer, recorrerei a alguns exemplos. Mas, antes, quero contextualizar: sempre que surge uma notícia relevante sobre alguma coisa envolvendo animais, costumo ler; e, se a notícia tiver sido postada na Internet, e for acompanhada de algum fórum de discussão dos leitores, faço questão de entrar para “farejar” a reação do público, além de, eventualmente, tomar parte ativa nos debates.

Recentemente – e agora já começo a elencar exemplos –, uma dessas notícias referia-se a uma cadelinha que, depois de ter sido alvejada inúmeras vezes, e de ter resistido aos tiros, foi enterrada viva. A foto de seu focinho fora da terra, símbolo de sua comovente fome de viver, mexeu com as emoções de muitos leitores da ANDA, do Portal UOL, que ali se posicionaram contra tamanha crueldade.

A notícia era sobre um fato específico: o crime contra um animal indefeso, que resistiu durante vários dias antes de sucumbir à morte inevitável.

Pois bem: alguns leitores veganos, provavelmente  imbuídos do desejo de alertar para a hipocrisia e de colocar o vegetarianismo em pauta, postaram mensagens irônicas, e de certa forma grosseiras, nas quais ridicularizavam os leitores que estavam condoídos.

Em outra ocasião, um autointitulado “veganguy” postou comentários antipáticos em uma matéria sobre a matança de gatos por envenenamento em cidades do interior paulista.

Não vejo de que forma posturas desse tipo podem ser úteis à causa do vegetarianismo/veganismo. Por que confrontar aqueles que demonstram alguma sensibilidade em relação ao sofrimento animal? Não seria mais inteligente, em vez disso, cultivar a empatia demonstrada, e procurar estendê-la também aos chamados “animais de consumo”?

Também tenho observado, em muitos militantes veganos, uma espécie de indiferença em relação a leis ou projetos de lei que propõem tornar ilegal inúmeras práticas condenáveis, como a utilização de animais pela indústria do entretenimento e a comercialização de filhotes de cães e gatos em espaços públicos. Quando questionados, esses militantes respondem que tais leis são hipócritas, porque milhões de animais são mortos todos os dias pela indústria da carne etc.

Talvez eu esteja ficando velha, mas ainda acredito que conquistas são gradativas. Parece-me que é melhor ter uma lei que proíba a exploração dos animais em certas circunstâncias do que não dispor de lei alguma. Do ponto de vista histórico, o conceito de igualdade entre todos os seres humanos é extremamente recente – teve início no Século XVIII, com a Revolução Francesa, avançou muito no século XIX, graças sobretudo aos movimentos abolicionistas liderados a partir da Inglaterra, e em pleno século XXI ainda não se consolidou por inteiro. Pretender que a libertação dos animais ocorra de repente, sem considerar os mecanismos históricos e sociológicos que necessariamente cercam as transformações sociais mais profundas, é uma enorme ingenuidade.

Sou partidária de que se mantenha uma atitude realista enquanto se trilha o caminho da utopia. Por mim, todos os animais estariam livres agora mesmo. Já, imediatamente, neste exato instante! Porém, não existem passes de mágica capazes de apagar milhares de anos de evolução e de uma construção cultural que, em todas as eras e lugares, ora tendeu ao teocentrismo, ora ao antropocentrismo, mas jamais colocou os animais na condição de sujeitos de direito.

Acredito, portanto, que devemos ter a humildade que inspirou Thomas Clarkson (recomendo que se leia sobre ele), o grande responsável pelo Slavery Abolition Act (ato legal datado de 1834,o qual libertou todos os escravos das colônias britânicas). Clarkson jamais ignorou a necessidade de agir de forma ponderada e de negociar soluções dentro do contexto em que vivia – em outras palavras, ele mudou a sociedade porque a conhecia e respeitava, e não porque se arrogava o título de dono da verdade.

Sinto que muitas vezes tendemos a uma certa arrogância. Somos intolerantes, menosprezamos o que outros grupos e ativistas realizaram em diferentes cenários e diferentes momentos. Mas, eu insisto: se hoje temos um movimento vegano no Brasil, isso se deve ao trabalho dos protetores de animais que um dia trouxeram a essas plagas os debates acerca de bem-estar animal. Isso mesmo: se hoje pleiteamos gaiolas vazias, só o fazemos porque, um dia, alguém mostrou que era possível conseguir gaiolas maiores…

Nosso país tem se posicionado como grande potência mundial. Tudo bobagem. Esta ainda é a terra do analfabetismo funcional, dos serviços públicos precários, das rinhas de galo e de canário, da farra do boi… Neste contexto, cada vitória obtida, em prol de um único animal que seja!, pode e deve ser comemorada.  E as ações libertárias, mesmo as mais modestas, merecem ser apoiadas.

Não quero polemizar. Meu texto é simplesmente um convite à reflexão.

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