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Até que um gatinho simplesmente apareceu em suas vidas

12 de junho de 2010
6 min. de leitura
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Veterinário Wilson Grassi
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Foto: wilsonveterinario.com.br


Vera e Renato estavam casados há quase oito anos. Durante a maior parte deste tempo moraram em um pequeno apartamento, bem pequeno mesmo, a ponto de nunca terem considerado ter um animal em casa.

Com muito trabalho, conseguiram comprar um apartamento bem maior, mas que ainda estava em construção e demoraria mais dois anos para ser entregue e para que pudessem se mudar.

Como o contrato de aluguel do pequeno apartamento estava terminando, resolveram esperar o novo apartamento ficar pronto morando em uma casa.

Renato, traumatizado com o pouco espaço em que viviam, rapidamente alugou uma casa com um quintal bem grande e cheio de árvores. A casa não era lá muito boa, mas o quintal era grande, cheio de plantas e flores. Parecia uma chacarazinha.

Vera aceitou a casa contrariada. Gostava mesmo era de morar em apartamento. Segurança e praticidade. Em poucos minutos deixava tudo arrumado.

Mas na casa não era bem assim. Começou a reclamar do tamanho do quintal. O vento derrubava as folhas das árvores e para varrer tudo dava um trabalhão. Não tinha segurança. Não batia muito sol. A casa era fria. Qualquer um poderia pular o muro.

De noite ficava tudo escuro, dava até medo de chegar em casa. Ficava longe de tudo etc. O que de certa forma amenizava seu descontentamento era que em dois anos se mudariam definitivamente para um bom apartamento.

Renato gostava da casa, mas, como passava a maior parte do dia trabalhando fora, não ajudava muito a cuidar do imóvel.


Foto: wilsonveterinario.com.br


Logo nos primeiros dias após a mudança, ao abrirem o portão tarde da noite viram um vulto preto correr entre as folhagens.

– Um rato. Só faltava isso. Tem rato nesta casa – reclamou Vera. – Precisamos nos mudar daqui urgente.

– Não, acho que era um gato. Pulou como os gatos pulam – torceu Renato. – Além do mais era preto e os ratos são cinza.

– Ah é, e não existe rato preto? Desde quando? – insistiu Vera.

Os dias foram passando e o vulto foi visto outras vezes, mas sempre que chegavam em casa, fugia velozmente. Até que um dia fugiu mais devagar e puderam comprovar que era um gato mesmo. Ainda bem para Renato.

Na dúvida se o gatinho tinha um tutor ou não, que cuidasse dele, resolveram deixar um potinho com ração em cima do muro. Provavelmente não tinha tutor, pois era muito magro e começou a comer vorazmente a ração.

Começou até a pedir. Chegava pelo muro, vindo de um terreno vazio atrás da casa, miava chamando a atenção e, quando Vera vinha com a comida, saía correndo. Só após Vera se afastar, voltava, comia e ia novamente embora. Não dava a menor chance de alguém chegar perto dele.

Com o tempo o gato magrelo começou a engordar e engordar bastante, e então sumiu por dois dias. Quando voltou a aparecer, estava outra vez pele e osso e então o casal entendeu que deveria ser uma gata e provavelmente teria dado cria em algum telhado da vizinhança. De Nino, seu nome foi mudado para Nina.

O mistério agora era onde estariam seus filhotes. Se estariam protegidos do frio e do vento. Nina vinha duas vezes por dia, comia e sumia. Nenhuma chance de segui-la, pois eram muitos telhados próximos.

Quarenta e poucos dias depois do suposto parto, qual não foi a surpresa de Vera e Renato ao acordarem às seis horas da manha com miados de gatinhos. Abriram a janela e viram Nina e mais três gatinhos andando pelo quintal.

Os gatinhos desceram pelo muro e não conseguiam mais subir.  Foram apanhados e colocados em uma caixa. Nina, que sempre fugia, desta vez não fugiu. Ficou pelos filhotes e foi apanhada também.

A família inteira foi levada para uma clínica veterinária por alguns dias para que Nina fosse operada e não ter mais filhos. Depois todos voltaram e foram soltos no quintal.

Agora Vera alimentava quatro gatos. Cada um ganhou um nome. Cris, Drake e Alice, além da Nina que já tinha o seu. E Renato comprava ração para todos.

Parece que a notícia do rango grátis correu entre os gatos do bairro, pois começaram a simplesmente aparecer do nada outros gatos para o almoço. Shankar, Nariz Cor de Pele e Tony, foram alguns.  Surya veio também e trouxe seus três filhos, Fred, Tchun-tchun e Gatinho.


Foto: wilsonveterinario.com.br


À medida que os gatos apareciam, Vera e Renato capturavam, levavam para castrar e soltavam outra vez no quintal. Será que tinham tutor? Na vizinhança ninguém sabia. Pensaram em colocar uma tela para impedir o entra e sai dos felinos no quintal, mas era impraticável. O quintal era muito grande e as árvores davam acesso aos telhados da vizinhança.

Durante os dois anos que se passaram, muitos gatos simplesmente apareceram em suas vidas. Alguns apareceram e sumiram. Outros apareceram e ficaram. Vera imediatamente dava-lhes nome, chamava-os e eles respondiam a ela com um miado.

Renato, aos finais de semana, sentava-se ao sol no quintal com algum livro, e lá estavam alguns gatinhos aos seus pés. Às vezes o casal abria uma garrafa de vinho na varanda e ficava conversando sobre as brincadeiras e artes que os gatos aprontavam.

As inúmeras reclamações que Vera tinha da casa e a pressa para que seu novo apartamento ficasse pronto foram sendo substituídas pela preocupação em como levar quase dez gatos que dependiam dela para um apartamento.

Alguns destes gatos já tinham se infiltrado em sua sala e adoravam um sofá, mas outros ainda eram ariscos e preferiam a liberdade ao conforto.

A própria Nina, primeira gata que simplesmente apareceu na casa, não aceitava ficar presa e se permitia poucos contatos com os humanos. Como se mudar e deixá-los sozinhos. Quem os alimentaria?

As dúvidas a atormentavam e finalmente a construtora os chamou para entregar a chaves do seu próprio apartamento, sonho acalantado por tanto tempo. Na hora H e com um aperto no coração, desistiram da mudança.

Ficariam mais um pouco na casa das árvores. Pensariam um pouco melhor no futuro. Talvez colocar seu apartamento à venda… talvez comprar a casa das árvores… quem sabe… os gatos simplesmente apareceram e mudaram suas vidas.

*Este texto é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas, coisas e fatos terá sido mera coincidência. Ou não!

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