EnglishEspañolPortuguês

SECA

Até 32 milhões de pessoas podem ser forçadas a sair de suas casas até 2050 devido à crise hídrica, aponta estudo

Cálculo foi feito pelo BCG e pelo Laboratório de Pacificação e Clima da Universidade de Cambridge considera projeções sobre impacto da emergência climática. Segundo ONU, são necessários US$ 114 bilhões até 2030 para as ações necessárias

26 de dezembro de 2024
Naiara Bertão
7 min. de leitura
A-
A+
Vista aérea mostrando deslizamentos de terra após chuvas torrenciais no distrito de Juquehy, em São Sebastião, SP, em fevereiro de 2023 — Foto: Getty Images

A crise hídrica, intensificada pelas mudanças climáticas, pode forçar até 32 milhões de pessoas a abandonar suas casas até 2050 em busca de segurança, alimentos e, principalmente, água potável. O estudo, desenvolvido pela consultoria BCG (ex-Boston Consulting Group) em parceria com o Centro para Inovação Social e Clima da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, revela que o impacto da emergência climática, que já provoca secas, inundações e tempestades em diversas partes do mundo, está gerando deslocamentos forçados de pessoas e ameaça a estabilidade de diversas regiões.

De acordo com o levantamento, o aumento das temperaturas globais têm causado modificações nos padrões climáticos e agravado os desastres naturais, comprometendo a disponibilidade de água e alimentos. Em 2022, 99% dos deslocamentos forçados foram impulsionados pela falta de água e seus efeitos colaterais, como a perda de safra e a degradação das terras agrícolas.

A pesquisa estima que, até 2050, entre 11 e 32 milhões de pessoas precisarão migrar para outras cidades ou países em busca de meios de subsistência e água potável.

A mobilidade climática, portanto, é um reflexo de uma série de fatores econômicos, sociais e ecológicos que, se não forem mitigados, irão piorar com o aumento das temperaturas globais.

Segundo o BCG, as regiões da América Latina e Sudeste Asiático estão mais suscetíveis a secas severas, enquanto a África, Austrália e Oriente Médio enfrentam riscos crescentes de inundações. Na Europa Central, os dois extremos são igualmente prováveis.

Segundo Santino Lacanna, líder da prática de Social Impact para América Latina no BCG, interrupções no ciclo natural da água causadas por desastres naturais podem desencadear a quebra de safras, degradar e erodir o solo e as terras ao redor, danificar a infraestrutura e a propriedade e alterar significativamente os ecossistemas, além de afetar a qualidade e a quantidade de água. “Isso tudo, por sua vez, pode levar à instabilidade econômica e política, interrompendo ainda mais a capacidade de uma sociedade de mitigar e se adaptar aos efeitos do aquecimento global”, comenta.

Dois exemplos visíveis do problema são a Somália e as pequenas nações insulares. Eles, contudo, mostram tipos distintos de mobilidade climática.

Na Somália, as mudanças climáticas causadas pelo homem tiveram um impacto severo. Períodos prolongados de seca aumentaram os preços dos alimentos básicos em 55% e a insegurança alimentar em 61%. A situação social, política e econômica piorou, com dificuldades de governança e tensões entre grupos étnicos e religiosos, além da ação de grupos terroristas que usam a água como arma, destruindo infraestrutura hídrica, bloqueando rios e envenenando poços. Isso resultou no deslocamento forçado de mais de 1,6 milhão de pessoas.

Já nas pequenas nações insulares, como as Maldivas e as Seychelles, a mudança climática afeta principalmente o turismo, que é uma forma de mobilidade voluntária e representa mais de 30% do PIB. Essas ilhas, com baixa elevação e aumento do nível do mar, enfrentam sérios riscos, como inundações frequentes, perda de atratividade turística e diminuição da renda, colocando em risco sua habitabilidade a longo prazo.

O estudo da BCG propõe ações em três áreas cruciais para mitigar os impactos da crise hídrica:

  • aumentar a resiliência hídrica com soluções baseadas na natureza, como infraestrutura verde;
  • melhorar a resiliência social, reconhecendo o acesso à água limpa como um direito humano e criando redes de apoio para as populações mais vulneráveis;
  • e reduzir a disparidade entre essas duas áreas, investindo em tecnologias inovadoras, como plataformas digitais para monitoramento de recursos hídricos e agricultura regenerativa.

“A implementação dessas medidas exige mecanismos de financiamento inovadores, incluindo investimentos do setor privado, para apoiar a adaptação e a resiliência, principalmente em países em desenvolvimento. A colaboração entre governos, sociedade civil e o setor privado é fundamental para garantir um futuro sustentável para todos”, afirma Lacanna.

As Nações Unidas definiram uma série de 700 compromissos relacionados à água, tais como fornecer acesso a um sistema de abastecimento de água gerido de forma segura, a um serviço de saneamento gerido de forma segura e a uma instalação de lavagem das mãos com sabão e água em casa. A implementação do programa WASH (sigla em inglês para se referir a água, saneamento e higiene), porém, tem sido bem lenta.

A pesquisa indica que apenas 67 dos mais de registrados durante a Conferência da ONU sobre Água de 2023 estão em andamento. Globalmente, 10% das terras agrícolas irrigadas utilizam fontes não renováveis de água subterrânea e 1,8 bilhão de pessoas dependem de latrinas de fossa, que contaminam os lençóis freáticos. A indústria agrícola global, responsável por 72% do consumo global de água doce, opera com um preço da água que não sinaliza adequadamente o seu custo real.

A implementação das ações necessárias exige financiamento significativo, incluindo investimentos do setor privado, especialmente em países em desenvolvimento, que são mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.

De acordo com a ONU, para alcançar esses objetivos serão necessários investimento na casa de US$ 114 bilhões até 2030. A maior parte destinada à gestão segura da água para saneamento e ao acesso seguro à água potável para uso pessoal. No entanto, em 2021, por exemplo, a assistência ao desenvolvimento para questões de água totalizou apenas US$ 8 bilhões— ou seja, há uma lacuna de pelo menos US$ 106 bilhões entre o investimento real e o investimento necessário, considerando os dados daquele ano.

A indústria agrícola, responsável por 72% do consumo global de água doce, também é um dos maiores contribuintes para essa crise, operando com um preço da água que não reflete seu verdadeiro custo ambiental e social. Segundo o especialista do BCG, Santino Lacanna, a falta de ação pode colocar em risco a vida de milhões de pessoas e agravar ainda mais a injustiça climática, caso não sejam tomadas medidas urgentes para a gestão sustentável dos recursos hídricos.

“Devemos usar e gerenciar o suprimento de água do mundo de forma mais eficaz e implementar ações que ajudem as populações a se adaptarem aos impactos da crise hídrica”, conclui Lacanna. O estudo destaca a necessidade de um compromisso global para garantir um futuro sustentável e seguro para todos, com maior atenção à segurança hídrica e à justiça social.

Fonte: Um Só Planeta

    Você viu?

    Ir para o topo