A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou na quinta-feira (11/12) a redação final do Projeto de Lei 4.120/24, que institui o novo Código de Direito Animais. De autoria original dos deputados Luiz Paulo (PSD) e Carlos Minc (PSB), o texto segue agora para sanção ou veto do Poder Executivo e substitui o antigo código de 2002, considerado defasado diante dos avanços científicos e éticos sobre a relação entre humanos e animais.
Com mais de 70 artigos distribuídos em 16 capítulos, o novo código reconhece formalmente os animais como seres conscientes e sencientes, dotados de dignidade própria e capazes de sentir dor e sofrimento. A norma estabelece que tanto o poder público quanto a coletividade têm o dever de proteger os animais e combater a crueldade em todas as suas formas, inclusive por omissão, um avanço importante ao ampliar a responsabilidade social e estatal.
Para Luiz Paulo, afirmou esperar que o texto aprovado no Rio de Janeiro seja seguido como exemplo em todo o país. “Asseguro que é o código mais moderno do país, que será adotado por outras unidades da federação e, quiçá, pelo Congresso Nacional. Listamos mais de 45 formas de maus-tratos aos animais e punições a quem cometer qualquer uma delas”, afirmou o parlamentar, que se emocionou ao lembrar de sua cachorra Mel, que morreu aos 16 anos. “Senti tanto quanto se tivesse perdido um ser humano. Ela trouxe muita alegria para minha vida.”
Avanços contra os maus-tratos
O código lista 49 condutas consideradas maus-tratos e abusos, incluindo práticas historicamente naturalizadas, como a remoção intencional de parte da cauda ou das orelhas de um animal com fins estéticos, tatuagens e piercings em animais, zoofilia e a oferta de animais como brindes. Também proíbe lutas entre animais, rinhas, touradas, simulacros de touradas e vaquejadas, além de restringir a participação de animais em competições quando não houver condições físicas adequadas.
Outro ponto positivo é a vedação da venda de animais vivos em locais públicos e a exigência de vacinação e documentação em feiras de filhotes, enfrentando práticas que alimentam o comércio irresponsável e o abandono.
As sanções para quem descumprir a norma seguem a legislação ambiental estadual e federal, e condenados por maus-tratos poderão ser proibidos de manter animais sob sua guarda. O texto ainda prevê a criação de canais específicos para denúncias, medida essencial, mas que dependerá de vontade política e estrutura adequada para sair do papel.
Proteção a cães, gatos e animais em situação de rua
O código avança ao proibir o acorrentamento permanente de animais domésticos e o confinamento exclusivo em varandas ou locais expostos às intempéries. Tutores passam a ter obrigação legal de manter a vacinação em dia, especialmente contra a raiva.
Pet shops e criadores deverão implantar microchips em cães e gatos, fortalecendo o combate ao abandono e facilitando a responsabilização dos tutores. Municípios poderão criar políticas públicas de cadastramento animal, embora o sucesso dessa medida dependa de investimentos contínuos.
Um dos pontos mais relevantes é a proibição do extermínio de cães e gatos por órgãos públicos. A eutanásia só será permitida em casos de enfermidades irreversíveis, com laudo técnico, exames laboratoriais e acesso à documentação por entidades de proteção animal. Trata-se de um avanço frente a práticas higienistas ainda presentes em políticas de controle populacional.
O abandono de animais passa a ser punido com multas que podem ultrapassar R$ 7 mil, dobradas em caso de reincidência.
Pontos negativos
Apesar dos avanços, alguns dispositivos merecem atenção crítica. No capítulo sobre “cães bravos”, o texto exige o uso de guia curta com enforcador e focinheira para raças como pit bulls.
Especialistas e protetores alertam que o enforcador pode causar dor e lesões, contrariando o próprio princípio de bem-estar animal defendido pelo código. A abordagem baseada na raça, e não no comportamento individual e na guarda responsável, segue sendo controversa.
Outro desafio é a aplicação efetiva das regras para animais de uso econômico. Embora o código determine métodos modernos de insensibilização em matadouros e limite jornadas de trabalho para animais de tração, a fiscalização historicamente falha levanta dúvidas sobre a eficácia real dessas garantias.
Transporte, fogos e pesquisas científicas
O texto traz avanços significativos ao regulamentar o transporte de animais em aeronaves, ônibus e embarcações, exigindo câmaras adequadas, conforto térmico, oxigenação e acompanhamento profissional. A medida responde a tragédias recentes e pressões da sociedade civil, mas exigirá investimentos e fiscalização rigorosa para não se tornar letra morta.
A proibição de fogos de artifício com estampidos em eventos públicos é outro ponto celebrado por protetores, ao reconhecer os graves impactos do ruído sobre animais.
Na área científica, o código proíbe testes em animais para cosméticos e produtos de higiene, mas ainda permite a exploração em alguns tipos de pesquisas e veta a dissecação de animais vivos sem anestesia, reforçando princípios éticos já defendidos internacionalmente.
O novo Código de Direito dos Animais do Rio de Janeiro tem muitos pontos importantes e sinaliza uma mudança de paradigma ao reconhecer direitos para além da visão utilitarista. No entanto, sua efetividade dependerá da sanção do Executivo, da regulamentação clara e, sobretudo, de fiscalização, orçamento e compromisso político, e existem alguns pontos falhos, como as pesquisas que ainda são permitidas e o tratamento incorreto de cães considerados bravos pela sociedade.