A menos de seis meses da COP30, que reunirá em Belém líderes do mundo todo para discutir medidas para evitar o colapso do clima, o Brasil se mobiliza pela vida. Organizações sociais de todo o país protestam contra o PL da Devastação, um projeto de lei que implode o licenciamento ambiental e aumenta a destruição da Natureza, aprovado no Senado em 21 de maio. Movimentos convocaram atos de rua em diversas cidades brasileiras para pressionar deputados, que votarão o projeto nas próximas semanas. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que colaborou para a aprovação no Senado, também é alvo de críticas e apelos – caberá a Lula sancionar ou vetar (toda ou em parte) a legislação predatória.
Os atos começam a partir desta sexta, 30 de maio, mas boa parte deles acontece no domingo, 1º de junho, e no sábado seguinte, 7 de junho (veja a lista abaixo). Já estão previstos protestos em pelo menos 14 cidades brasileiras, como Manaus, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Porto Alegre e Belo Horizonte. SUMAÚMA fará a cobertura ao vivo deles, neste domingo, dia 1º. O objetivo é demarcar nas ruas a luta contra uma lei que na prática significa licença para destruir a Natureza. A mobilização busca também o apoio de artistas e influenciadores. A cantora Anitta, em seu perfil nas plataformas digitais, manifestou-se contra o projeto de lei. “Estão colocando o meio ambiente e a todos nós em risco!”, publicou a artista.
No site pldadevastacao.org cerca de 50 entidades da sociedade civil, entre elas Observatório do Clima, Instituto Socioambiental e Greenpeace, se posicionam contra o projeto. Na plataforma é possível também preencher um formulário e enviar email ao presidente da Câmara, o deputado Hugo Motta (Republicanos), pressionando para que o PL não entre na pauta da Casa. Até a tarde de 29 de maio, mais de 90 mil pessoas já haviam mandado mensagem ao parlamentar.
A mudança da lei também foi recebida negativamente nas redes sociais, segundo uma pesquisa realizada entre 15 e 27 de maio pela Quaest, que faz análise de redes. O instituto identificou que apenas 12% dos que se manifestaram no período a defenderam e 49% a trataram de forma negativa – o restante fez postagens neutras sobre o tema. Segundo a Quaest, as pessoas levantaram preocupações com os riscos à segurança ambiental e à biodiversidade, com o aumento de probabilidades de novas tragédias, e associaram o PL da Devastação a destruições como as ocorridas em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, e ao caso Braskem, que afundou o solo de Maceió, em Alagoas.
Entre os retrocessos possíveis com o PL da Devastação, como ficou conhecido o PL 2159, estão a ampliação do autolicenciamento de obras sem nenhuma análise prévia, a dispensa de licença ambiental para atividades do agronegócio, para ampliação de hidrelétricas e estradas já existentes e para atividades que os governos considerarem essenciais, como pode ocorrer com a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Além do afrouxamento de condicionantes ambientais e a menor participação de órgãos fiscalizadores e que representam comunidades tradicionais, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
A Cúpula dos Povos, que já reúne quase 800 movimentos do mundo para pensar uma agenda popular paralela à COP30, está em alerta, pois entende que “a bancada rural-mineral empurrou a boiada”. Além do retrocesso com o PL da Devastação, a Cúpula aponta outras ameaças à vista: a proposta de emenda à Constituição (PEC) do marco temporal, a PEC que transfere a demarcação de Terras Indígenas para o Congresso, e o PL que libera a mineração em Terras Indígenas. Um ato convocado pela Cúpula dos Povos ocorre nesta sexta-feira, 30 de maio, em Belém.
A resistência dos povos e dos biomas
Igreja e ciência estão juntas contra o projeto aprovado no Senado. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota em que afirma que ele é, “na prática, a institucionalização da flexibilização dos mecanismos de proteção da vida, das águas, das florestas e dos povos originários”, diz o texto assinado pela presidência da instituição. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) manifestou perplexidade com o PL e conclamou a comunidade científica brasileira e todos que se preocupam com a sobrevivência da espécie humana a se mobilizarem.
Setores do governo também reconhecem a ameaça. Em nota, a Funai trata o projeto de lei como grave retrocesso aos direitos Indígenas e à preservação ambiental, como afronta à Constituição e a tratados internacionais ratificados pelo país. Lista entre os pontos preocupantes a dispensa de licenciamento para obras consideradas emergenciais e as restrições a sua própria participação, enquanto órgão indigenista, em concessões de licença. “Ao excluir a atuação da Funai em territórios Indígenas não homologados e restringir a participação dos povos Indígenas em decisões sobre empreendimentos com impacto socioambiental, o PL 2159/2021 descumpre o direito à consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção nº 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho].”
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) também se manifestou em oposição ao projeto. “Essa medida abre caminho para uma degradação sem precedentes e põe nossas vidas nas mãos dos destruidores da floresta”, avalia a organização em postagem.
Uma nota técnica da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e da organização Terra de Direitos afirma que o PL da Devastação intensifica as violações dos direitos territoriais, socioambientais e climáticos Quilombolas. O documento destaca que territórios Quilombolas ainda não titulados e mesmo os já titulados podem ficar desprotegidos.
Dos babaçuais da Amazônia e do Cerrado, as mulheres do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) também se apresentam contra o PL da Devastação. Elas estão no Pará, no Maranhão, no Piauí e no Tocantins, regiões pressionadas pelo agronegócio. As terras e a economia movimentada pelas quebradeiras resistem a essa pressão.
Maria Alaídes Alves, coordenadora do MIQCB, avalia que o projeto de lei gera riscos à luta das quebradeiras pelos territórios, pela agroecologia e por segurança alimentar. “A expansão do desmatamento, a expansão da pulverização aérea [de agrotóxicos], essa coisa toda vai intensificar. No momento que existe uma outra lei, a conquista que a gente tinha da garantia de consulta enfraquece”, disse a SUMAÚMA.
Da Caatinga, o grupo Seridó Vivo, que luta pela preservação dos modos de vida e pelos patrimônios naturais e culturais, considera que o PL da Devastação piora a realidade difícil vivida com a instalação de usinas eólicas e fotovoltaicas, projetos que têm causado impacto no semiárido.
Da planície pantaneira, o Instituto SOS Pantanal defende que é preciso estudar os impactos, consultar as comunidades, ter transparência e segurança jurídica, garantir que não haverá degradação. E diz que, sem licenciamento, podem vir mais crimes ambientais.
O movimento Pacto pela Restauração da Mata Atlântica lembrou em postagem que alterações na governança e na legislação ambiental tendem a determinar o futuro da Mata Atlântica, bioma mais degradado do Brasil, além de afetar a segurança hídrica, o clima e o bem-estar dos povos de todos os biomas. Mudanças no licenciamento devem ter base em “critérios técnicos, participação social e rigor no controle e na fiscalização”, reivindica o Pacto.
Do sul do país, o projeto de conservação Felinos do Pampa afirma que a ausência de estudos de impacto ambiental e a redução da fiscalização podem levar à degradação de habitats, com risco a espécies ameaçadas de extinção e à integridade dos ecossistemas.
É contra essa morte anunciada promovida pelo Congresso do Brasil que Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa se movem.
Veja a lista de atos contra o PL da Devastação confirmados para o dia 1º de junho:
- Manaus, 9h – Praça da Matriz
- João Pessoa, 15h – Busto de Tamandaré
- Belo Horizonte, 9h – Praça da Liberdade
- Uberlândia, 10h – Praça Ismene Mendes
- São Paulo, 14h – Masp
- Rio de Janeiro, 9h30 – Praia Vermelha
- Brasília, 10h – Eixão Norte
- Aracaju, 16h – Praia da Cinelândia (Atalaia)
- Porto Alegre, 10h – Parque da Redenção (Arcos)
- Curitiba, 9h – Largo da Ordem (Ruínas)
- Florianópolis, 11h – Ponte Hercílio Luz