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TRÁFICO

‘As pessoas compram um leão e não conseguem lidar com isso’: por dentro das fazendas que criam filhotes para likes no TikTok e Instagram

Na Tailândia, animais exóticos estão se tornando cada vez mais populares entre a elite rica, mas poucos estão preparados para um compromisso de longo prazo, e ativistas afirmam que esses animais são mantidos em condições cruéis.

28 de maio de 2025
Ana Norman Bermudez
6 min. de leitura
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Uma mulher tailandesa foi acusada de posse ilegal de um filhote de leão após um vídeo mostrando o animal em um carro alcançar 2,6 milhões de visualizações. Foto: Departamento Central de Investigação da Tailândia.

Taças de champanhe tilintam em uma festa exclusiva em Bangkok, onde convidados vestidos com roupas de grife riem e socializam. Eles se revezam posando com um gato, passando-o casualmente de mão em mão. Mas, à medida que a câmera foca, fica claro que não se trata de um gato doméstico – é um filhote de leão. Uma mulher, usando um vestido vermelho de coquetel, levanta o animal até o rosto e manda um beijo para a câmera, equilibrando uma taça de vinho na outra mão.

Vídeos como esse estão inundando o Instagram e o TikTok, oferecendo um vislumbre do florescente comércio de leões em cativeiro na Tailândia. De acordo com um novo relatório da Wildlife Friends Foundation Thailand e do Oxford Wildlife Trade Research Group, o número de leões em cativeiro mais que triplicou desde 2018 – uma tendência impulsionada, em parte, pela crescente popularidade de animais exóticos entre a elite rica do país. Uma rede crescente de fazendas de leões atende a essa demanda – muitas delas administradas por amadores com pouca experiência no cuidado de animais selvagens.

Sentada de pernas cruzadas no chão de seu berçário, a criadora de leões Patamawadee Chanpithak ri enquanto três filhotes – com apenas algumas semanas de vida – rastejam desajeitadamente sobre seu colo, cutucando-a com os olhos fechados como se tentassem mamar. O ambiente cheira a fórmula para gatinhos.

“Éramos muito inexperientes quando começamos”, conta ela, relembrando como cinco dos seus primeiros seis filhotes morreram em poucos dias. Até agora, ela já vendeu mais de 80 leões em todo o país.

Alguns compradores são tailandeses e outros estrangeiros, segundo ela, mas todos são ricos – os preços de filhotes de leão na Tailândia começam em US$ 5.000 (cerca de R$ 27 mil), e os filhotes brancos podem chegar a US$ 15.000. Criar um leão é caro, exigindo recintos reforçados e até 10 kg de carne fresca por dia.

A maioria dos compradores quer os leões o mais jovens possível. Embora alguns comprem diretamente das fazendas, criadores também trabalham com agentes que promovem agressivamente os filhotes nas redes sociais – não apenas para venda, mas também para aluguel em sessões de fotos e festas.

Os problemas começam quando os animais crescem. “Algumas pessoas compram um leão e depois não conseguem lidar com ele”, diz Patamawadee. “Elas pedem para a gente comprar de volta.”

O relatório sugere que esse sistema de “compra de volta” tornou-se central no modelo de negócios das fazendas, oferecendo a experiência de ter um leão sem o compromisso de longo prazo. Leões mais velhos podem ser usados para reprodução ou enviados para locais com estrutura de zoológico, gerando lucro em todas as etapas da vida.

“Não concordo com as pessoas terem leões como animais de estimação. Nosso clima é úmido demais para eles. Infecções de pele são comuns” Taweesak Anansiriwattana, veterinário tailandês

Transferências frequentes entre instalações dificultam o rastreamento de leões individuais, contribuindo para a diferença entre registros oficiais e números reais. O relatório identifica ao menos 444 leões em cativeiro – um aumento em relação aos 138 de 2018, e mais do que os 342 registrados no Departamento de Parques Nacionais, Vida Selvagem e Conservação de Plantas da Tailândia. Pesquisadores afirmam que o número real é provavelmente muito maior, já que muitas vendas e atividades de reprodução não são registradas.

Apesar das tentativas de controlar o comércio, várias brechas permitiram que ele florescesse. Em 2019, o governo introduziu a Lei de Preservação e Proteção de Animais Selvagens para regulamentar a posse de espécies não nativas listadas pela CITES, como os leões, que antes tinham pouca proteção. Segundo o relatório, a lei teve o efeito contrário ao desejado, incentivando o comércio ao criar um caminho legal com falhas significativas na fiscalização. Embora a posse de leões exija licença, a reprodução não – qualquer pessoa que tenha leões legalmente pode reproduzi-los. Os filhotes não precisam ser registrados até completarem 60 dias, e espécies híbridas, como ligres (cruzamento de leão com tigre), são completamente excluídas da lei. O resultado é uma indústria próspera, com o comércio apenas de filhotes de leão estimado em mais de US$ 1 milhão por ano (cerca de R$ 5 milhões).

Taweesak Anansiriwattana, um veterinário conhecido como Dr. Vee por seus clientes, está em seu consultório nos arredores de Bangkok. “Não concordo com as pessoas criando leões como animais domésticos”, afirma. Nos últimos cinco anos, ele tratou mais de 25 leões de propriedade privada. “Nosso clima é úmido demais para eles. Infecções de pele são comuns”, diz ele, acrescentando que a desnutrição também é frequente. “As pessoas os alimentam com frango, mas eles precisam de órgãos como fígado e intestinos para sobreviver.” Apesar de os donos serem obrigados a construir recintos de no mínimo 3 por 3 metros, menos da metade das casas que o Dr. Vee visitou atendem a esse padrão.

“Há sérios desafios de bem-estar animal”, afirma Tom Taylor, diretor de operações da Wildlife Friends Foundation Thailand e coautor do relatório. “Algumas dessas instalações mantêm leões em recintos apertados e sem luz solar, sobre pisos de concreto e com alimentação de baixa qualidade, resultando em uma vida miserável.” Para atender à demanda, criadores frequentemente separam os filhotes das mães precocemente para forçá-las a entrar novamente no cio. A endogamia é comum, especialmente com leões brancos e híbridos, considerados mais valiosos.

Leões, que não são nativos da Tailândia, estão listados como vulneráveis pela IUCN. Embora a população em cativeiro no país ofereça pouco benefício para a proteção, Taylor alerta que ela se torna terreno fértil para o tráfico, alimentando uma demanda que coloca os leões selvagens em risco. “Recebemos relatos confiáveis de comerciantes indicando que leões na Tailândia estão sendo exportados ilegalmente, tanto vivos quanto mortos para aproveitamento de partes do corpo”, afirma ele, acrescentando que partes de leão podem estar ocupando o espaço deixado pelo comércio de tigres, hoje mais restrito.

A segurança pública também é motivo de preocupação, como mostram notícias de leões escapando de recintos privados ou sendo levados a espaços públicos. Em 2024, um vídeo viral de um homem dirigindo um carro conversível com um leão de estimação causou comoção. Em resposta, o diretor do Departamento de Parques Nacionais disse que o governo estava considerando mudanças na lei, incluindo restrições à posse de leões.

O relatório pede uma proibição urgente da posse privada e da reprodução comercial, regras mais rigorosas de licenciamento e limites para cafés com leões e sessões de fotos – argumentando que essas práticas promovem a glamourização dos animais exóticos. “Muitas pessoas se encantam com a ideia de ter um leão sem entender totalmente as implicações éticas, financeiras e de segurança”, diz Taylor, acrescentando que tendências semelhantes estão surgindo com outras espécies não nativas, como os lêmures-de-cauda-anelada e os pandas-vermelhos. “Esperamos que este relatório faça o público refletir sobre de onde vêm esses animais, em que condições são mantidos e o que acontece quando crescem demais e se tornam perigosos para serem mantidos.”

Traduzido de The Guardian.

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