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RESPEITADAS

As onças-pintadas já foram divindades: na América Antiga, o felino moldou impérios e crenças ancestrais

Há séculos, a onça-pintada – considerada um dos mais belos felinos do mundo – tem inspirado o fascínio e a reverência no continente americano.

27 de novembro de 2025
Isabel Bueno
4 min. de leitura
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Acima, uma antiga representação de uma onça-pintada como ser de adoração dos povos Mesoamericanos conhecido como Cuauhxicalli Asteca. Foto: Rafael Macia/AGE FOTOSTOCK

Ao longo do tempo, os habitantes da Mesoamérica, região geográfica que compreende o México e a América Central, já adoravam a Panthera onca, a onça-pintada (como é conhecida no Brasil, ou “jaguar”, nos demais países latino-americano). Em celebração do dia 29 de novembro, em que se comemora o Dia Internacional da Onça-Pintada, determinado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a NatGeo traz esse histórico poderoso da representação da onça-pintada na região.

As onças já vagaram pelo sul dos Estados Unidos, passando pelo México e pela América Central, e ao longo da América do Sul chegando até o sul da Argentina.

Caçadores furtivos com pelagem camuflada e olhos que enxergam no escuro, eles facilmente derrubam presas em qualquer lugar — em cima das árvores, no chão ou mesmo nadando nos rios.

Para os povos antigos da Mesoamérica, a onça-pintada era mais do que apenas um animal, ela era divina. Quase todas as civilizações mesoamericanas antigas (como os Maias, os Olmecas, os Astecas e os Incas) reverenciavam a onça-pintada de alguma forma.

Os Olmecas (cerca de 1200-400 a.C.) davam grande destaque às onças-pintadas em sua arte e religião. Esculturas de felinos eram populares, assim como representações de divindades que pareciam ser metade humanas e metade onças-pintadas, que os estudiosos descrevem como metamorfos.

Os Maias também associavam as habilidades desse magnífico felino a vários fenômenos naturais. Eles acreditavam que a capacidade da onça-pintada de enxergar à noite lhe permitia transitar entre mundos, associando-a ao submundo e à mortalidade. A arte e a arquitetura maias também estão repletas de onças-pintadas, sendo a mais famosa talvez o trono da onça-pintada vermelha encontrado em El Castillo, a grande pirâmide de Chichén Itzá, construída há mais de 1.500 anos.

Onça-pintada: símbolo de força

A onça-pintada tornou-se um símbolo universal do poder político e militar. Em todas as culturas mesoamericanas, ela é retratada em relevos e esculturas em templos e palácios. A associação da onça-pintada com a luz e a escuridão conferiu-lhe uma energia complexa e sagrada e transmitiu suas qualidades ao governante, tornando a onça-pintada o nahual do governante — um alter ego ou uma espécie de animal protetor.

A onça-pintada também era um ícone para o caçador e guerreiro corajoso, que criou ordens militares de soldados onças-pintadas. Seus membros eram os mais valentes e aclamados. Deuses, reis, guerreiros e sacerdotes adicionavam o epíteto de onça-pintada aos seus nomes, polindo suas reputações com um símbolo de prestígio e poder. Na civilização Maia, apenas os reis podiam vestir suas peles manchadas.

Acredita-se que a onça-pintada era um animal das estrelas e também da Terra, desempenhando um papel de grande destaque na mitologia dos povos Asteca e Mexica há cerca de 700 anos. Às vezes, encontram-se tocas de jaguares em cavernas, o que os ligava à terra e à fertilidade: a feroz deusa asteca da terra, Tlaltecuhtli, é frequentemente representada com garras de onça-pintada.

A natureza dual do felino o ligava às transições, como o ciclo diário do Sol nascendo para dar início ao dia e se pondo para dar lugar à noite. Com o tempo, o jaguar foi absorvido por uma complexa mitologia dual, representando tanto a luz quanto a escuridão, o céu e a terra.

De acordo com um mito do povo Asteca, o primeiro Sol que brilhou sobre a humanidade foi o deus Tezcatlipoca, que reinava nos céus. Seu irmão Quetzalcóatl tinha inveja de seu poder e tentou usurpá-lo com um golpe violento.

Tezcatlipoca, no entanto, não morreu, mas se transformou em uma onça-pintada. Tezcatlipoca às vezes se manifestava como Tepeyóllotl, Coração das Montanhas, porque seus domínios refletiam a onça-pintada. Ele era encontrado não apenas em cavernas e no submundo, mas também no céu noturno, para o qual a pele pontilhada da onça-pintada se tornou um símbolo.

Os Mexicas tinham outro mito para explicar a pelagem “manchada” característica do animal: quando os deuses criaram o Sol e a Lua, o jaguar foi jogado no fogo sagrado e voltou à vida nas chamas com o pelo manchado e chamuscado.

Uma presença duradoura

Porém, ao longo dos séculos a atividade humana moderna em seu habitat causou um declínio preocupante nas populações de onças-pintadas. Ela hoje é raramente avistada ao norte do México, a sobrevivência dessa felina está ameaçada por caçadores em toda a América Central e do Sul. Conservacionistas estimam que restam cerca de 15 mil exemplares na natureza em todo o continente.

Mesmo assim, as pessoas continuam a venerar esse poderoso felino. Hoje, na província mexicana de Guerrero, são realizados festivais da chuva nos quais as pessoas se vestem como onças-pintadas e participam de batalhas rituais. Um grande número de centro-americanos ainda acredita profundamente que a presença enigmática desse animal provém da sabedoria de um universo sagrado além da compreensão humana.

Fonte: National Geographic

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