No último século, as árvores da Amazônia e de outras regiões tropicais têm resistido aos períodos de seca intensa, mesmo quando duram mais de um ano, e retomam depois o crescimento. No entanto, já se notam os efeitos de temperaturas mais altas. Ao longo desses 100 anos, os episódios de estiagem severa induziram uma leve redução no crescimento do diâmetro das árvores, o suficiente para aumentar em 10% a taxa de mortalidade. Se o calor continuar a se ampliar, o desenvolvimento tende a diminuir de forma mais acentuada e a mortalidade aumentará, de acordo com um artigo publicado hoje (31/07) na Science.
As conclusões se basearam em análises feitas em colaboração com 150 pesquisadores de 124 instituições, 17 delas brasileiras, que participam da rede internacional Tropical Tree-ring Network (TTRNetwork), financiada no Brasil pela FAPESP. Eles examinaram os efeitos de secas extremas e do aquecimento global por meio da variação da espessura dos anéis de crescimento do tronco de mais de 10 mil árvores do Brasil e de outras regiões tropicais.
“Até aqui, as árvores se mostraram resilientes às secas extremas”, observa o biólogo Peter Groenendijk, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos autores principais do artigo. Resiliência, ele explica, é a capacidade de retornar ao estado anterior após um distúrbio. “Desde 1930, o crescimento nos períodos de seca intensa diminuiu em média 2,5%, mas as plantas cresceram normalmente na estação chuvosa seguinte.”
Notou-se a retomada do crescimento após secas intensas mesmo em ambientes de regiões de clima mais quente, como a Caatinga brasileira. Nesse bioma, as reduções de crescimento em anos de secas severas foram de até 10%, mas as árvores retomavam o ritmo normal de crescimento quando voltava a chover.
Temperaturas mais altas, crescimento menor
No entanto, a intensidade das secas e a redução do crescimento aumentaram nas últimas décadas. “Caso essa tendência se acentue com as mudanças climáticas, a mortalidade das árvores e as emissões de gases de efeito estufa [GEE] podem aumentar”, alerta Groenendijk. O aumento de 10% nas taxas de mortalidade das árvores, por si só, resultou em uma emissão de GEE equivalente à de um país do porte da Alemanha, com 85 milhões de habitantes.
Em um trabalho anterior com 99 espécies em cinco continentes, a equipe da TTRNetwork verificou que o aquecimento global deve reduzir a capacidade das plantas de absorver carbono da atmosfera, como descrito em um artigo publicado na revista Nature Geosciences em 2022. Agora, o grupo ampliou a amostra e examinou o efeito das secas mais intensas ocorridas desde 1930 nos anéis dos troncos de 163 espécies de árvores.
A largura de cada anel reflete o crescimento ao longo de um ano, variando nos períodos de chuva ou de seca. Para examinar os anéis sem cortar a árvore, os pesquisadores retiram um cilindro do caule usando um tipo especial de broca manual ou motorizada, deixando um furo de cerca de 1 a 3 centímetros (cm). Essa amostragem atravessa o tronco, mas não compromete o desenvolvimento das árvores. Segundo Groenendijk, as árvores se recuperam desse tipo de ferida.
O caule das árvores é formado por vasos que transportam a água e os nutrientes absorvidos do solo. Na seca extrema, a coluna de água pode se romper, formando bolhas que bloqueiam o fluxo e, dependendo da quantidade de vasos afetados, levar o sistema de circulação do vegetal ao colapso.
“Se a temperatura subir demais e as secas se tornarem mais intensas, as árvores mais velhas devem começar a morrer e as mais jovens a viver menos tempo”, alerta o biólogo Giuliano Locosselli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP), um dos autores do estudo, responsável por coletas em Minas Gerais e São Paulo. No Cerrado e na Caatinga, Groenendijk testa outro método, com sensores que monitoram o fluxo de água e a transpiração, para ver o limite de temperatura e de falta de água que as árvores suportam.
Variação extrema
A seca intensa que afeta o crescimento das árvores não significa necessariamente que a precipitação anual na Amazônia esteja diminuindo. Segundo o biólogo brasileiro Bruno Cintra, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, o clima na Amazônia está se tornando cada vez mais extremo, com chuvas torrenciais no verão, alternadas com invernos mais secos.
Cintra analisou a proporção de diferentes tipos de isótopos (formas de mesmo elemento químico com massa atômica diferente) de oxigênio, que varia conforme a quantidade de chuva e é incorporado aos troncos. Desse modo, a proporção dos isótopos nos anéis de crescimento indicará a intensidade da chuva de cada ano.
No estudo, anéis de troncos de espécies distintas indicaram a variação de chuva ao longo do ano. O cedro-cheiroso (Cedrela odorata), árvore de áreas não alagáveis, serviu de referência para a estação chuvosa, enquanto o arapari-branco (Macrolobium acaciifolium), adaptado a ambientes alagáveis, foi usado como parâmetro para a estação seca. “Conseguimos medir a chuva de cada ano sem precisar de dados climáticos da Amazônia, que são escassos”, destaca Cintra.
Anel tropical
Por muito tempo, os especialistas no estudo dos anéis de crescimento, ciência conhecida como dendrocronologia, consideraram que as árvores dos trópicos, por viverem em lugares sem grandes variações entre as estações do ano, teriam um crescimento contínuo e formariam uma madeira uniforme. Presumia-se que os anéis eram resultado de estações bem delimitadas nas árvores de regiões temperadas, como as sequoias (Sequoia sempervirens), que podem viver mais de 2 mil anos, com troncos de 10 m de diâmetro e altura de até 100 m. Nas regiões de clima mais ameno dos hemisférios Norte e Sul, o crescimento do tronco das árvores diminui gradativamente até parar no inverno e recomeçar na primavera. O contraste entre a madeira mais escura formada no final da estação de crescimento com a madeira mais clara gerada no verão resulta em anéis bem delimitados.
A partir dos anos 1980, os estudos nessa área deixaram claro que a variação do clima nos trópicos poderia ser suficiente para promover a formação de anéis anuais de crescimento, embora em muitas espécies sejam difíceis de visualizar. Por isso, os pesquisadores preferem as espécies que produzem anéis facilmente identificáveis, como os cedros (Cedrela spp.), a araucária (Araucaria angustifolia) e o jatobá (Hymenaea spp.).
“Nos trópicos, variações no clima podem fazer com que o crescimento das árvores se torne irregular”, ressalta a engenheira florestal Ana Carolina Barbosa, da Universidade Federal de Lavras (Ufla), que fez coletas na Amazônia ocidental e em regiões mais secas de Mata Atlântica, no norte de Minas Gerais, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Segundo ela, uma das dificuldades desse trabalho são os chamados falsos anéis, que se formam fora da época esperada, quando chove excepcionalmente muito. Já em anos de seca extrema, nas regiões mais áridas, as árvores podem deixar de crescer e não formarem o anel de crescimento, dificultando a datação e a identificação da oscilação do clima,
“Os anéis podem se tornar bem mais largos nas regiões tropicais do que nas temperadas”, reforça Locosselli. Por exemplo, os anéis do guapuruvu (Schizolobium parahyba), que cresce com rapidez em clareiras ou regiões desmatadas, podem passar de 3 cm de espessura, enquanto os das sequoias podem ter em média menos de 1 milímetro (mm).
Com base nesse conhecimento, Locosselli verificou que a tipuana (Tipuana tipu), espécie de copa larga e flores amarelas, que chega a 25 metros de altura, cresce bem sob temperaturas altas, mesmo nos períodos de seca intensa, como mostrado em um artigo publicado em maio de 2024 na revista Urban Climate. Segundo ele, a tipuana ajuda não só a amenizar a temperatura das cidades, mas também a sequestrar carbono da atmosfera, por causa de sua capacidade de crescer com rapidez.
Fonte: Revista Fapesp