Os cerca de 2 mil habitantes de Longyearbyen, a capital de Svalbard, tiveram o terceiro verão mais quente neste território norueguês, com uma média de 8,6°C, comparados aos 7,7°C, em 2023, e aos 7,4?C, em 2022.
“Agosto de 2024 foi particularmente extremo em termos climáticos”, disse a agência europeia de observação por satélite Copernicus, em um comunicado à imprensa na segunda-feira (2). Alguns dias foram particularmente quentes em Longyearbyen: 20,3?°C em 11 de agosto, e 20?°C, no dia seguinte.
Porém, mais do que registros isolados, é a tendência ao longo dos anos que se precisa observar para medir o aquecimento global, ou seja, passar de um fenômeno climático potencialmente isolado para uma grande tendência contínua.
“Se um recorde for quebrado em um ou dois graus no decorrer de um dia, isso é muito importante. Mas se isso acontecer em média durante um mês inteiro, é ainda mais extremo”, alerta Daan van den Broek, meteorologista do Instituto Meteorológico da Finlândia.
Por que se preocupar com o derretimento do gelo, mesmo nos trópicos?
Onde quer que estejamos na Terra, todos nós sofreremos as consequências. Dois bilhões de pessoas vivem perto de rios alimentados diretamente por geleiras, e dois terços das terras agrícolas do mundo são irrigadas com água glacial.
Esse gelo derretido também vai parar no oceano, onde os níveis estão subindo constantemente. Se as calotas polares do norte e do sul desaparecessem completamente, o nível do mar subiria 65 metros. Nova York, Abidjan, Cairo e Cingapura ficariam submersas.
O derretimento das geleiras (não dos blocos de gelo marinhos) está contribuindo para o aumento do nível dos oceanos. Quanto aos ventos polares, “os distúrbios estão parcialmente ligados aos eventos climáticos extremos que temos vivenciado na França. Quanto mais esses ventos se desaceleram e se torcem, mais afetam nossa agricultura, nossa saúde, nossos bolsos, nossa indústria e nossas casas”, alertou a especialista em geleiras Heidi Sevestre, que trabalha em Svalbard há vários anos.
“Há décadas sabemos que o Ártico está ficando mais quente, mais úmido e mais imprevisível. Apesar disso, ainda ficamos surpresos ao ver quando isso acontece e o quanto 2024 está acima dos anos anteriores”, diz a glaciologista Heidi Sevestre.
A apenas mil quilômetros do polo Norte, o arquipélago de Svalbard é examinado por glaciologistas e climatologistas por ser considerado um observatório na vanguarda das mudanças climáticas. O aquecimento não é uniforme em todo o mundo e ocorre no local cerca de seis vezes mais rápido do que em qualquer outro lugar. Na região do Ártico, ele é cerca de três a quatro vezes mais rápido.
O que já está acontecendo, e cada vez mais rápido do que previsto
O primeiro tipo de área congelada do planeta é a água doce, e isso inclui todas as geleiras das montanhas e as calotas polares. Os dados científicos mais recentes são irrefutáveis: já é tarde demais para metade delas. Elas vão desaparecer.
Mas, na verdade, o fenômeno se acelera. Os picos mais altos, na Groenlândia e na Antártida, estão se aquecendo mais rapidamente do que em qualquer outro lugar do planeta, principalmente porque há cada vez menos neve no inverno perto dessas geleiras, o que significa menos superfícies brancas para refletir os raios solares e mais superfícies escuras para absorver o calor. Isso é o que os cientistas chamam de albedo.
O segundo tipo de gelo afetado pelo aquecimento global é a água do mar. Trata-se do gelo compactado. A cada inverno, os cientistas observam que há cada vez menos gelo, o que tem um impacto sobre a circulação das correntes oceânicas, que funcionam principalmente graças aos diferenciais de temperatura da água.
Jane Francis, diretora da Antartica British Survey, a organização científica britânica na Antártica, explica que “o bloco de gelo não é apenas um cobertor branco que reflete o calor e, portanto, mantém os oceanos mais frios por baixo, mas também é um local de reprodução de pequenos animais, como o krill, que é a base da dieta de muitas espécies locais”.
A última zona gelada do planeta, a menos conhecida e menos visível, é chamada de permafrost. O permafrost é o solo que ficou congelado por mais de dois anos consecutivos. Ele cobre áreas colossais: 20% da terra no hemisfério norte é permafrost, às vezes com 300 a 400 metros de profundidade. Ele também está descongelando. A paisagem será, portanto, completamente alterada, e o solo irá afundar e desmoronar. Com consequências óbvias para a infraestrutura e a vida humana, em todo o planeta.
Derretimento das geleiras e do permafrost: uma catástrofe anunciada
Por que isso está acontecendo? Um círculo vicioso do albedo negativo: o aquecimento faz com que o bloco de gelo derreta, e a brancura (que reflete os raios solares) dá lugar a uma extensão de água muito mais escura, que absorve a radiação solar, aquecendo o ar ao redor e contribuindo para o derretimento. Além disso, as águas quentes do oceano Atlântico penetram mais profundamente.
Quanto ao recorde de agosto no território norueguês, Daan Van Der Broek o explica especificamente pelos “ventos constantes do sul”, especialmente em agosto, que “transportam o ar quente da Rússia e da Europa para o arquipélago”. O Ártico é cercado por um tipo de corrente de ar que segue a mesma trajetória quando está estável. À medida que se aquece, sua trajetória se desvia, seja para baixo em direção à Europa, ou para cima em direção ao polo.
A primeira consequência local visível desse aquecimento gradual é o desaparecimento da cobertura de gelo ao redor de Longyearbyen. “Podemos ver que as geleiras, mesmo as mais altas, estão praticamente sem neve. Elas estão totalmente expostas [ao aquecimento], não apenas porque estão derretendo mais rapidamente, mas também porque não há acúmulo de neve “, acrescenta Daan Van Der Broek. “Neste verão, vimos um derretimento recorde nas geleiras de Svalbard, até cinco vezes maior do que o normal e de três a cinco vezes maior durante toda a estação, de acordo com os dados coletados pelo professor Xavier Fettweis”, sublinhou o especialista.
Fonte: Ecoa