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Argentina: com os chefes da floresta

17 de agosto de 2011
6 min. de leitura
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Alejandra Juarez. Foto: Projeto Gap Argentina

Na Província de Córdoba (Argentina), Alejandra Juarez leva adiante o único centro de resgate e reabilitação de primatas da Argentina e o único no mundo dedicado aos macacos caraya.

É fácil conhecer os caraya: justo antes da entrada na cidade de “La Cumbre”, no desvio que leva a Ascochinga, sai “O caminho do macaco”, e se o segue chega a incrível reserva Tiú Mayú, onde vivem. Outra opção é orientar-se pelo som, já que esta espécie – também conhecida como “macaco ou mono aullador” (Alouatta caraya) – foi descrita por Felix de Azara como os “chefes das florestas”, sendo considerada a mais barulhenta do mundo e seus sons em grupo podem ser ouvidos em até 16 quilômetros de distância.

Os visitantes são sempre bem-vindos. E Alejandra Juarez e seus voluntários se encarregam de acompanhá-los na visita pela área de mais de 300 hectares onde moram uns 130 macacos caraya. Estes primatas são, na realidade, naturais do Paraguai, Bolívia e Brasil, e chegaram a Córdoba porque foram vítimas dos seres humanos, já que os caraya têm o triste privilégio de serem os preferidos dos caçadores escondidos de macacos, para vendê-los como “pets” (são considerados o símbolo do tráfico da fauna na Argentina). Capturam os bebês, após matar as mães que os carregam e também outros membros do grupo que os acompanham e defendem os menores, pois o grupo tem fortes laços sociais. Estima-se que por cada bebê caraya comercializado, morrem cinco ou seis de sua espécie.

Além do mais, estes pequenos “peludos vivos” dificilmente chegam a ser adultos, já que esta espécie não se adapta a viver em cativeiro e os que conseguem padecem de graves problemas de saúde ou de “humanização animal”. São criados como bebês humanos, o que altera o desenvolvimento e o aprendizado natural. E quando chegam na fase adulta, são animais incapazes, com comportamento agressivo ou neurótico. Aí, são abandonados por seus “tutores” e chegam aos zoológicos, onde terminam de morrer rapidamente devido ao cativeiro forçado.

A isto se somam os problemas que padecem a maioria das espécies que dependem das florestas para sobreviver, com a redução do seu habitat. No caso dos caraya, na Argentina, não existe censo nem registros formais de populações existentes em seu ambiente natural. Mas os que trabalham em sua conservação manifestam preocupação com seu futuro. Tudo isto é considerado por Alejandra Juarez, que há 20 anos se dedica a resgatá-los, reabilitá-los e devolvê-los, quando possível, à condição de animais livres.

Revista Muito Interessante: Como iniciou o projeto?

Alejandra Juarez: Minha relação com os animais silvestres começou em 1985, quando fui ao Zoológico de Córdoba, para trabalhar em minha tese. Fiquei como voluntária e depois de trabalhar lá, os meus primeiros amigos foram chimpanzés, assim como criei tigres, leões e pumas. Sempre me interessei que tivessem uma vida melhor, na realidade, queria levá-los à floresta, porém nunca consegui. Logo aconteceu o Projeto Caraja, quando os bombeiros de Carlos Paz (localidade Argentina) resgataram de seu cativeiro Bubu, uma fêmea e me deram para cuidá-la. Eu tinha experiência com esta espécie, já que no zoológico chegavam pequenos exemplares procedentes do tráfico. No início morriam, porém começamos a deixá-los soltos e comprovei que dessa forma sobreviveriam.

Revista Muito Interessante: Eles se adaptaram as serras cordobesas?

Alejandra Juarez: Sim, porém não é o local ideal de sua distribuição, mas há várias circunstâncias naturais que o ajudam. O mais importante é que podem estar livres, o que é inédito no mundo, já que existem muitos centros de resgate e reabilitação de primatas, porém em nenhum os mantém como em Tiú Mayú. Para consegui-lo aproveitamos as características do local e os costumes da espécie. Há zonas aéreas para dormir e se movimentam por rotas naturais, e por alguns caminhos que montamos. Também há pontos de refeição, já que no habitat natural desta espécie existem folhas, brotos e frutas, que são seu alimento natural, porém na reserva isso deve ser suplementado com outros alimentos.

Revista Muito Interessante: Como são estes macacos?

Alejandra Juarez: São seres incríveis, sensíveis, com sua própria cultura, organização e ordem. Respeitam os mais experientes, me surpreende ver a atitude paternal, o carinho e o afeto, assim como as atitudes altruístas, e a criatividade entre eles. Nos surpreende também como se relacionam entre si e a diplomacia que praticam para evitar enfrentarem entre os grupos. Agrada-me ver as atitudes deles com relação aos bebês, que é muito similar a nossa humana, assim como a fase da adolescência e da paixão. Dilacera-me profundamente ver quando chegam cheios de sofrimento por ter presenciado a morte de sua mãe, serem tirados de seu convívio e habitat natural, e levados a um mundo desconhecido, a lugares terríveis. Às vezes, são mantidos acorrentados pelo pescoço ou em jaulas. A grande alegria é quando volta o brilho em seus olhos, quando voltam a ser macacos.

Revista Muito Interessante: Como é o processo de adaptação?

Alejandra Juarez: No início os mantemos isolados e com atenção constante, para lograr que se adaptem ao local, aos sons, a visão da área, e aos cheiros. O processo de desumanização varia, e depende de cada caso e sua história: no início eles não conhecem sua própria espécie, ai nossa função é fazê-los retornar a ela. Isto se faz nos recintos de socialização, onde começam a perder o medo e se reencontram com a vida das árvores, e praticam suas habilidades. Às vezes, tem até deformações ósseas ou membros atrofiados, como resultado do cativeiro. Acompanha-se de perto no reconhecimento de seu espaço, e avalia-se sua relação com os outros membros. Reproduzem-se naturalmente, já temos a terceira geração e existem intercâmbio de membros dos grupos, que é normal nesta espécie: uma das atividades importantes do grupo é o cuidado do corpo (o “grooming”), que tem uma função social, já que são como afagos e demonstrações de amizade, e no caso dos bebês, uma forma de acalmá-los. O cuidado dos bebês ocupa o tempo do grupo, já que as mães carregam os bebês, porém o resto não é indiferente, e quando os menores crescem, os maiores ajudam com seus irmãos menores. Existe também o que se chama “estrutura de tias”, fêmeas jovens que brincam com eles e os estimulam.

Revista Muito Interessante: Com que recursos mantêm o projeto?

Alejandra Juarez: Não contamos com apoio nem subsídio estatal, contamos só com as contribuições do público e as aventuais doações. Os ajudantes são voluntários, porém, nosso trabalho tem muito reconhecimento aqui e chegam cientistas que estão fazendo trabalhos, pesquisadores do Conicet e, em 2009, pela gestão de Carolina Scotto, reitora da Universidade de Córdoba, recebemos a visita de Jane Goodall, que se surpreendeu com o que viu e com os sistemas de liberdade que temos. Para mim foi um dos fatos mais extraordinários que nos aconteceu na vida. Há pouco tempo, Tiú Mayú foi designado como sede do Projeto GAP na Argentina e eu seu representante no país.

Revista Muito Interessante: Que projetos existem para o futuro?

Alejandra Juarez: Começar com a conservação “in situ”. É importante devolver os indivíduos ao ambiente onde pertencem, porém isto só será possível se você trabalha com a comunidade que reside no local, já que em muitos casos são os próprios habitantes da região que são os caçadores e praticam o comércio . Estes animais não tem sido rejeitados pela natureza num processo de seleção natural, o que significa que continuam representando um material genético insubstituível.

(Esta entrevista foi noticiada em espanhol na Revista Muy Interessante, do Grupo Super Interessante, que é editado em português no Brasil. A matéria original é em espanhol).

Fonte: Projeto Gap

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