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OCEANO

Área mais rica em peixes recifais do Atlântico precisa de mais proteção

Mais unidades de conservação e primeira reserva da biosfera marinha do país ampliariam as chances de manter a região

9 de fevereiro de 2024
Aldem Bourscheit
7 min. de leitura
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Foto: Luiz A. Rocha | California Academy of Sciences

Cientistas e especialistas defendem a criação de unidades de conservação e da primeira reserva da biosfera marinha brasileira para reduzir ameaças e impactos da extração de minérios e da pesca sobre uma formação tida como única no mundo.

Distribuídos por 1.100 km, os meandros de esponjas e corais da cadeia Vitória-Trindade abrigam uma profusão de vida selvagem. Tubarões, meros, garoupas, lagostas e tantas outras espécies colorem os topos daquela morraria submersa.

“É um mundo de alta complexidade e diferente em termos globais”, afirma Hudson Pinheiro, do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Academia de Ciências da Califórnia (Estados Unidos).

O brasileiro faz parte de um time internacional de pesquisadores que há mais de duas décadas vêm desvendando os segredos daquela região. “É um estudo de longo prazo num laboratório natural”, explica Pinheiro.

Somando inúmeras horas de planejamento, laboratório, navegação e mergulho, o esforço revelou até espécies que só vivem naquela formação, hoje reconhecida como a mais rica em peixes recifais de todo o Atlântico.

Essa comprovação científica reforçou a cadeia Vitória-Trindade como uma das áreas mais importantes para conservar a biodiversidade global. Além disso, ajuda a manter vida marinha e pescado em outros pontos do litoral e do oceano.

Pesquisador no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), Alexander Turra explica que isso ocorre porque os montes submarinos oferecem condições únicas que tornam a região muito produtiva e biodiversa.

“Essa grande geração e exportação de vida é um ‘efeito de transbordamento’”, detalha o também coordenador da Cátedra para a Sustentabilidade do Oceano da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Recursos explorados

A cadeia Vitória-Trindade começa a se erguer a 150 km do litoral capixaba. A morraria pode subir a 70 m desde o leito do Atlântico. Tudo construído por antigos vulcões e corais mortos. Mas, além de uma morada para inúmeras espécies marinhas, a região também atrai exploradores de recursos naturais.

Algas calcárias foram extraídas pela TWB Mineração para produzir fertilizantes usados em lavouras como de soja e cana-de-açúcar, de 2008 a 2011. Naquele ano, as licenças foram canceladas pelo governo, pois incidiam em águas internacionais, a mais de 200 milhas náuticas da costa, ou 370 km.

“A região é muito visada para a extração desse material, mas os danos da mineração à vida marinha podem ser irreversíveis”, alerta o pesquisador Hudson Pinheiro, do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da USP.

Consultado por ((o))eco, o Ibama informa que um pedido feito pela companhia em setembro de 2019 para retomar a mineração na cadeia submersa foi encerrado em outubro de 2022.

“Pelo fato de a empresa não ter apresentado documento da Agência Nacional de Mineração (ANM), relativo ao direito minerário para realizar atividade minerária na região, não houve prosseguimento do processo de licenciamento ambiental”, detalhou a autarquia federal.

Além da retirada de calcário para o agronegócio, outro assombro sobre a distante região é a pesca ainda eventual, sobretudo de barcos não monitorados por um programa federal de rastreamento por satélites, o PREPS, ativo desde 2006.

“Mesmo que poucos pescadores se aventurem a ir àquela distância, isso dificulta o registro das espécies, quantidade e desembarques de pescado”, explica Hudson Pinheiro, pós-doutor pela Academia de Ciências da Califórnia (Estados Unidos).

Conservação vitaminada

Há uma base militar desde 1957 no arquipélago de Vitória-Trindade, no extremo leste da cadeia submarina. Trindade é uma reserva municipal da capital Vitória (ES). Na ilha, cientistas encontraram “rochas de plástico”, denunciado a poluição humana carreada pelas correntes marítimas.

As ilhas de Trindade, Columbia e Martim Vaz integram desde 2018 um monumento natural decretado pelo governo federal. A unidade de proteção integral tem quase 7 milhões de ha onde nenhuma pesca é permitida. A área é similar à da Irlanda ou à metade do território do Amapá.

Na última semana, toda a cadeia submarina foi priorizada para a criação de novas unidades de conservação federais numa reunião do ICMBio, em Brasília (DF), para retomar processos de reservas ambientais registrados nas últimas duas décadas.

Simultaneamente, a proteção regional pode ser reforçada pela primeira Reserva da Biosfera Marinha brasileira. Um projeto foi aprovado na Cobramab, uma comissão coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, mas o processo foi interrompido pela extinção do colegiado no governo Jair Bolsonaro.

“As reservas da biosfera são um instrumento das Nações Unidas para harmonizar atividades humanas e conservação da natureza”, lembra Clayton Lino, coordenador de Cooperação Internacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) e da Rede Brasileira de Reservas da Biosfera (RBRB).

A proposta foi ajustada devido à decretação, em 2018, de grandes reservas marinhas que ampliaram a proteção nacional para 25% desses ambientes e, quando os trabalhos da Cobramab forem plenamente retomados nesta administração Lula, será remetida às Nações Unidas.

Na prática, as ilhas de Trindade e de Martim Vaz já estão nos limites da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, a maior do mundo já reconhecida e englobando ambientes terrestres, costeiros e marinhos. Há 748 dessas reservas, em 134 países.

Ao mesmo tempo, é possível avançar na proteção mais direta. Alexander Turra, pesquisador no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), lembra que o Brasil prometeu às Nações Unidas proteger ao menos 30% de seus ambientes marinhos, até o fim desta década.

“Mas isso deve ser feito com efetividade e representatividade. Ou seja, com a implantação real das unidades de conservação e a proteção dos ambientes mais importantes para a biodiversidade. Esse é o desafio”,  lembra o coordenador da Cátedra para a Sustentabilidade do Oceano da Unesco.

Mas, claro, há pedras no caminho das iniciativas de conservação. Parcela do empresariado e setores nos governos federal e nos estados vizinhos da cordilheira submarina têm imposto uma marcha lenta a propostas para reservas ecológicas e da biosfera.

“São interesses voltados a um desenvolvimento econômico oportunista e de curto prazo”, pondera o cientista Hudson Pinheiro, do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Academia de Ciências da Califórnia (Estados Unidos).

Mar adentro

Com interesses geopolíticos, econômicos e conservacionistas na balança, o Brasil tenta desde 1989 expandir seus domínios oceânicos para além das 200 milhas náuticas. Isso lhe daria acesso a uma vasta faixa hoje de águas internacionais, inclusive sobre a cadeia submarina Vitória-Trindade.

Desde então, os pedidos à uma comissão das Nações Unidas, a CLPC, surtiram algum efeito. A ampliação da porção sul foi aprovada em 2019. A da Margem Equatorial, incluindo áreas visadas para extração de petróleo, é analisada pela Comissão, enquanto a da margem Oriental/Meridional, onde está a Vitória-Trindade, deve ser analisada só após 2026, informa em nota a ((o))eco a Marinha do Brasil.

A expansão dos domínios oceânicos brasileiros permitirá não só ampliar a navegação e a exploração de petróleo – hoje 95% da produção está em águas sob sua jurisdição –, mas também avançar com estudos e projetos para mineração em alto-mar.

Publicações editadas ao menos desde o governo Dilma Rousseff (2011-2016), por exemplo pelos ministério de Minas e Energia (MME) e das Relações Exteriores (MRE), tratam a área marinha internacional pleiteada pelo Brasil como “a última fronteira da mineração” do país.

“A extensão da plataforma além das 200 M [milhas náuticas] ampliará as possibilidades de novas descobertas de campos de petróleo e gás natural – além de outros minerais e de espécies sedentárias que sejam ali encontrados – de aproveitamento exclusivo brasileiro”, trazem os documentos.

Até o fechamento desta reportagem, não conseguimos contato com a brasileira TWB Mineração. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo não atenderam aos nossos pedidos de entrevista.

Fonte: ((o))eco

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