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Arara azul resgatada do tráfico sofre sequelas e recebe cuidados especiais

6 de agosto de 2010
8 min. de leitura
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Foto: Correio Braziliense/ Reprodução

Raíto representa uma vitória contra a ameaça de extinção: foi salvo de uma operação de tráfico internacional e sofre sérias sequelas das más condições de transporte, mas é bem assistido.

De uma ninhada de sete ovos, somente aquele em que estava este filhote vingou. Mesmo assim, a ave apresenta anomalias. Visto de longe, Raíto é um pomposo representante da rica fauna brasileira. Sua brilhante plumagem cor de anil, os olhos caídos e o bico em formato de gancho não deixam dúvidas: ele é um espécime de arara-azul, ave ameaçada de extinção e símbolo da exuberância natural das terras tupiniquins. Um olhar mais atento, porém, revela que Raíto é especial. Seu corpo não é tão uniforme e proporcional quanto o de seus semelhantes. O bico não saiu reto como o dos demais. No começo de sua ainda breve história, ele virou alvo de contrabandistas e fez parte de uma carga de ovos apreendida pela Polícia Federal. Os maus-tratos que sofreu antes de romper a casca impuseram limitações eternas ao seu desenvolvimento.

Aeroporto Internacional Juscelino Kubistchek, 17 de agosto de 2009. Um passageiro português é preso ao tentar embarcar com sete embriões de aves silvestres, atados à cintura por uma meia-calça e embalados em papel, na tentativa de manter a temperatura interna. Na manhã seguinte, os ovos foram entregues ao Zoológico de Brasília para serem pesados, lavados e numerados. Um exame detalhado, feito em um equipamento chamado ovoscópio, que permite ver o grau de desenvolvimento do animal mesmo dentro do ovo, indicou que um dos embriões não havia vingado. Os outros seis foram colocados na chocadeira e, 10 dias depois, Raíto nasceu.

“Ele foi o primeiro e o mais fortinho. Provavelmente estava em estágio mais avançado de desenvolvimento e pode ter sido o que menos sofreu com a manipulação inadequada”, avaliou a veterinária Ana Cristina de Castro, coordenadora da Curadoria de Aves do Zoológico. Prova disso é que todas as outras cinco aves, que nasceram no intervalo de um mês, não resistiram às deformações físicas. Para manter Raíto vivo, a dupla de veterinários Ana Cristina e Ricardo Alves o alimentou a cada duas horas, com papinha processada especial para psitacídeos, durante os meses em que ele foi mantido na Unidade de Tratamento das Aves (UTA).

Má formação

A arara pode ter tido melhor sorte do que os outros embriões apreendidos, mas não ficou livre das sequelas. Por debaixo das penas, a coluna do animal se calcificou em formato de “S”, com uma acentuada curva para o lado esquerdo das costas, formando uma corcunda. A deformação prejudica alguns movimentos, como o abrir e o fechar dos dedos. Sem essa habilidade, ele não consegue manusear a própria refeição, e até hoje é alimentado pela equipe do zoológico, três vezes ao dia. Em razão das atrofias musculares, o corpo de Raíto entorta para a esquerda, quando ele caminha. A arara também não pode voar.

O bico dessas aves geralmente é perfilado, permitindo que a mandíbula e o maxilar se encaixem com perfeição. No caso dele, o bico superior também é encurvado para a esquerda e não encontra com a porção inferior, o que reduz sua força e a capacidade de triturar superfícies rígidas. “Mesmo com o bico deformado, ele triturou um coquinho, outro dia”, revelou Ana Cristina. Sem o atrito natural, o bico cresce e Raíto acaba se ferindo. Por isso, a cada dois meses, ele é sedado com uma anestesia inalatória, para que o bico seja lixado. Como a região é enervada, o procedimento é doloroso e causa sangramentos.

O desenvolvimento de Raíto também o diferencia das outras aves. Seu porte é menor do que a média e, enquanto animais da mesma idade chegam a pesar dois quilos, ele não ultrapassa os 800 gramas. Uma das características das aves criadas na natureza é a capacidade de regular a temperatura do próprio corpo, aprendida durante as trocas de calor com a mãe. Por ser criada em cativeiro, a arara demorou a controlar a temperatura corporal e foi mantida na Unidade de Tratamento de Aves (UTA) até cerca de seis meses de idade, quando as penas surgiram. Depois de ganhar vida independente, ainda sofreu com uma infecção causada por bactérias e outra ocasionada por um fungo. Foi submetido a uma cirurgia para a retirada de um abcesso no papo. Por problemas circulatórios, perdeu dois dedos. Há 20 dias, deixou a sonda e voltou a se alimentar normalmente.

Os veterinários Ricardo Alves e Ana Cristina de Castro: cuidados especiais. Foto: Correio Braziliense/ Reprodução

Mesmo diante da coleção de contratempos, os veterinários garantem que Raíto é um bichinho feliz e saudável. “Apesar dos problemas físicos, ele não tem nenhuma doença”, revela Ricardo Alves. A ave dorme sozinha, na sala dos técnicos do Zoológico. Passa o dia tomando sol, circulando entre os funcionários da instituição e banhando-se em uma bacia — seu passatempo preferido. Nos fins de semana, reveza-se entre as casas de seus dois “pais”, Ricardo e Ana Cristina, que têm licença especial do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) para cuidar da ave. Na licença, constam os endereços deles, e não é permitido levar o animal a qualquer outro lugar

Ciumento, Raíto disputa palmo a palmo a atenção dos funcionários com os outros animais que fazem concorrência. “Outro dia, quando estava amamentando um tamanduá, Raíto subiu no meu colo e começou a puxar meus dedos”, conta Ana Cristina. Curioso, não tem medo de se aproximar de outras espécies. “Quando você bate palmas, ele vem, mexe em tudo, demonstra interesse pelos outros animais”, contou ela. Apesar disso, não tem muita noção de si mesmo. “Uma vez, o coloquei na frente do espelho e ele levou um susto”, relatou a veterinária.

Hoje, Raíto está mais próximo de um animal de companhia — um pet — do que de uma ave selvagem. Em momentos de tranquilidade, permite que estranhos cocem sua cabeça. “Se não fosse humanizado, ele não iria resistir. O caso dele é especial, pois, com as limitações, seria rejeitado pelas outras araras. Poderíamos até arrumar uma companhia para ele, mas estaríamos interferindo na vida de outro animal”, explicou Ana Cristina.

Quando manifestou as primeiras características de uma rara arara azul, os veterinários fizeram planos para ele. A idéia era tratá-lo e integrá-lo aos semelhantes. Mas nos últimos 12 meses, os sonhos mudaram. O bico está entrando no prumo, mas nunca será normal. A coluna, que, esperava-se, teria uma curvatura normal, entortou. O projeto de introduzi-lo ao habitat da bicharada ficou mais distante. “Se ele aprender a se alimentar sozinho, poderá ganhar um recinto no zoológico só para ele. Mas tudo indica que terá uma vida solitária, sem contato com o público. Se houver um animal em situação semelhante, pensaremos em estimular a interação”, revela Ana Cristina. Os esforços, agora, são no sentido de ensiná-lo a comer sozinho.

“Esse bicho, para nós, é um dos símbolos da conservação e da vida. Seria levado para outro continente, nas piores condições, e talvez nem sequer sobrevivesse. É uma das maneiras de uma forma de vida encontrar seu caminho”, resumiu o diretor do Zoológico de Brasília, Raúl González. Com todo esse prestígio, o destino de Raíto parece selado: sombra e água fresca, comida farta e muito carinho de sua grandiosa família de seres humanos.

O que diz a lei

Segundo o artigo 29 da Lei nº 9.605/98, matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécies da fauna silvestre nativa ou em rota migratória sem permissão, licença ou autorização da autoridade competente é crime. A pena varia de seis meses a um ano de detenção, além de multa. Mexer ou destruir ninhos, expor animais à venda e até explorar produtos oriundos da fauna também são considerados crimes ambientais. A guarda de um animal silvestre também é considerada crime, punido também com detenção variável de seis anos a um mês, além de aplicação de multa. Quem entregar o animal às autoridades competentes poderá não sofrer as penas. Se o crime agravar ainda mais a situação de espécies ameaçadas e listadas em relatórios oficiais, o infrator será penalizado com multa que varia de R$ 500 a R$ 5 mil, no caso dos psitacídeos, de acordo com o grau de ameaça da espécie. Já o Decreto nº 3.179/99 recomenda que os animais apreendidos, se tiverem condições de sobrevivência, sejam devolvidos ao habitat natural.

Família falante e emplumada

As araras são aves da família dos psitacídeos, como papagaios, periquitos, cacatuas, maritacas, jandaias e maracanãs. Essas espécies possuem cabeça larga e robusta, bico forte, alto e curvo, próprio para quebrar sementes. Os músculos da mandíbula e da língua são reforçados, para ajudar nessa função. Os pés são curtos, articuláveis e também ajudam a manipular a comida. São frutívoros e ainda consomem grãos, sementes e tubérculos. São aves monogâmicas e possuem um parceiro durante toda a vida, que pode chegar a 80 anos. Considerados animais inteligentes, possuem cérebro altamente desenvolvido e têm a capacidade de reproduzir diversos sons, interagindo com os seres humanos. Por essas razões, e também pela plumagem multicolorida e exuberante, essas aves estão entre as preferidas dos contrabandistas de animais silvestres. Muitas delas estão ameaçadas de extinção.

Fonte: Correio Braziliense

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