Faça chuva ou faça sol, toda a manhã o ex-caminhoneiro Rogério da Silva, 48 anos, se levanta às 6h e sai de casa, em Gaspar, Santa Catarina, para o rancho ao lado, onde alimenta os 116 cães que adotou ao longo dos últimos anos.
Por semana, ele gasta 96 kg de arroz e cerca de 130 kg de ração, além dos custos com vacinas, veterinários, castração dos machos e a manutenção do espaço. Para dar conta do trabalho, Rogério tem a ajuda de sua mulher, Solange, com quem divide as tarefas e compartilha o amor pelos cães.
“Sempre tive cachorro e gostei de animais, minha família tinha cavalos, bois. Eu sempre fui apaixonado por cães, e comecei a pegar para cuidar ainda criança”, conta ele que, garante, sabe o nome de cada um. “Tem a Companheira, o Fidélix, o TJ, a Riqueza, o Hércules, o Zeus, o Júnior…”, diz ele, elencando a lista de nomes até se perder, para provar que conhece bem seus cães.
Como “filhos” que são, os cães não estão à venda ou disponíveis para doação. “A gente acaba se apegando. Já doei uma vez um cachorro, e ele parou de comer e beber. Peguei ele de volta. Porque eles não querem só comida, querem carinho e atenção”.
Dentro do rancho, a maioria dos animais vive solto. “Quando chegam, coloco eles em um canil, até que se adaptem, depois solto. Todos vivem juntos, em harmonia”, garante. “Eu digo “Vocês não podem brigar, são irmãos’”, brinca. “E quando eu chego e não vejo um já fico preocupado, querendo saber onde está”.
Apesar do trabalho, Rogério não demonstra nenhum arrependimento na vida que escolheu para si. “Eles são minha família, como se fossem meus filhos. Eu converso com eles, e é impagável o amor que eles tem pela gente. O que eu às vezes não encontro no ser humano, encontro neles”.
Depois de 25 anos trabalhando como caminhoneiro, movimentos repetitivos como a troca de marcha causaram lesões e dores que impedem Rogério de trabalhar desde 2010. Para quitar as dívidas acumuladas em razão dos custos que tem com os animais, ele vendeu o caminhão que tinha, e conta ajuda de amigos e Organizações Não Governamentais, como a ONG Hachi, que repassa as doações.
Vítimas de agressões
Os casos de abandono e agressão aos animais são frequentes, e por ser conhecido por acolher cães, muitas pessoas “desovam” animais perto de sua casa, razão pela qual ele não divulga o local onde mora. “Não tenho condições de receber mais cães”, afirma.
Muitos dos animais adotados chegaram com graves problemas de saúde, debilitados após sofrerem agressões ou serem abandonados. “As pessoas têm que acabar com isso de pegar os cachorros e depois, quando querem ir viajar pra praia falam: ‘ah, não quero mais’, e jogam na rua. É muita falta de responsabilidade. O que nós sentimos, eles sentem também”, afirma.
”Alguns chegam muito assustados, devido à violência que sofreram. Mas agora estão dóceis. As crianças vem aqui e brincam…. e eles só querem carinho”, afirma. ”O Zeus encontrei jogado dentro de um buraco, acho que alguém tentou afogá-lo. Demorei uma hora para resgatar. Até hoje ele tem medo de água”.
“A Companheira foi queimada com água quente e o Júnior chegou com os ossos da bacia quebrados. Agora já tratei e estão bem. A Riqueza e o Brasino alguém tentou enforcar com um fio de eletricidade”, conta.
Já o cão Hércules foi encontrado jogado no meio da estrada “Amarraram as patas dele com arame, e jogaram na mata. Eu estava passando e vi algo se mexendo. Achei que era uma cobra. As marcas do arame estão nele até hoje”, diz.
A cadela mais agitada do rancho chegou sem conseguir se manter em pé. ”A Pirata tem esse nome porque era só osso e pele quando eu encontrei. Estava tão desnutrida que não andava, ficou três semanas deitada e eu a alimentava”, relata.
Além dos cães, vivem no rancho ainda galinhas, patos, galos e oito pintinhos, que nasceram recentemente. “Virei avô”, brinca Rogério. “A natureza é linda, a gente tem que cuidar dela”, diz.
Fonte: Terra