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CONSCIÊNCIA

Após perder pai por má alimentação, homem decide criar fazenda sem agrotóxico no teto de um shopping

5 de março de 2023
7 min. de leitura
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Foto: KEINY_ANDRADE | Reprodução

Fazendas geralmente estão em zonas rurais e afastadas das grandes metrópoles, certo? Contrariando essa lógica, está o fundador da BeGreen, Giuliano Bittencourt, que segura nas mãos um pé de alface no terraço do Shopping Plaza Sul (zona sul de São Paulo). O local é uma de suas fazendas urbanas e produz 2 toneladas de vegetais 100% livres de agrotóxicos com a técnica da hidroponia e tecnologia de ponta, que faz a horta ter visores, computadores e acompanhamento inteligente dos agricultores que lá trabalham.

Outras oito hortas como essa (que fazem parte da rede da BeGreen) estão espalhadas entre os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Bahia. A produção mensal somada chega a 25 toneladas e um dos impulsos para ‘plantar’ em meio à cidade foi a morte do pai de Giuliano.

“São dois motivos: fiz um programa de aceleração de startups no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), em 2014, onde descobri as fazendas urbanas. Em 2015, voltei ao Brasil com a ideia de mudar minha alimentação. Então, meu pai contraiu uma gripe e faleceu por já ter doenças como diabetes e hipertensão, que eram consequências de uma alimentação errada”, conta Bittencourt.

De família mineira, na casa de Giuliano, sentar-se à mesa e consumir queijos e outros alimentos gordurosos era uma tradição. “Entendi que se eu continuasse nesse caminho o fim seria o mesmo – terminar em doença. Minha ficha caiu e isso me fez querer empreender com alimentos saudáveis e mudar radicalmente o meu estilo de vida”, diz.

Do escritório para a fazenda

Bittencourt trabalhou muitos anos com aceleração de startups, sua família nunca foi do ramo de fazendas, mas ele trocou o ar-condicionado e a cadeira ergonômica pela enxada e o sol quente do campo em 2015, quando arrendou uma fazenda tradicional em Betim (MG) para produzir hortaliças.

Sua intenção já era produzir com a tecnologia que viu funcionando na prática fora do país, mas como nunca tinha atuado no ramo preferiu fazer essa experimentação com a forma ‘tradicional de negócio’ – plantando mudas diretamente na terra.

Apesar de trabalhar plantando hortaliças e outros vegetais, a empreitada tradicional já não usava agrotóxicos, mas sofria com os problemas comuns ao campo.

“A alface na terra se chover demais ou fizer muito sol se perde, os ataques de pragas são constantes, e se produz alface a 200 km de São Paulo. [Essa alface] vai até o mercado em um caminhão sem refrigeração. Em toda essa cadeia se passaram quatro dias até o prato do cliente”, diz Bittencourt.

Fazenda futurística produz 28 vezes mais

Dois anos depois, a primeira fazenda urbana, onde crescem alimentos como alfaces, rúculas, tomates e abobrinhas, foi fundada em um shopping de Belo Horizonte (MG). Sua tecnologia conta com recursos como controle de umidade, PH, temperatura e luminosidade. Tudo isso acontece em uma estufa que protege de raios solares intensos com uma segunda camada, que garante a capacidade de produzir o ano todo independentemente da safra ou de intempéries climáticas.

“Produzimos 28 vezes mais por metro quadrado do que um produtor convencional e com essa tecnologia entregamos com o mesmo preço do mercado e sem o uso de agrotóxicos”, afirma Bittencourt.

Em um mundo que tenta a todo custo adiar as mudanças climáticas, a fazenda urbana criada por Giuliano pode resistir a variações climáticas intensas e evita o lançamento até 27 toneladas de CO2 por mês (em comparação com a atividade convencional), de acordo com o levantamento feito em uma das hortas pela própria empresa.

O criador das fazendas conta que esse tipo de movimento explodiu nos EUA em 2012, e teve a empresa Gotham Greens, fundada três anos antes em Nova York, no bairro do Brooklyn, como um dos pontapés iniciais do conceito de ‘agricultura urbana’, que usa tecnologia semelhante com a que a BeGreen trabalha no Brasil.

Mesmo tendo visto esses modelos de perto, o criador considera que a experiência com a terra tenha sido essencial para aprender a tocar o negócio. “Eu plantava, colhia e entregava. Hoje, não faço mais isso, fico mais no acompanhamento dos processos gerais, mas sem ter passado por todo esse processo não conseguiria falar e nem liderar as pessoas”, afirma.

Led e computadores são os jardineiros

Ao menos 1% da produção é feita com luz de led, as lâmpadas trabalham no lugar do sol. Para ‘conversar’ com a horta e saber do que ela precisa, sensores e painéis monitoram as necessidades nutricionais das plantas.

Todo esse trabalho é acompanhado por funcionários, como a bióloga Isabela Andrade, 27, que ocupa o cargo de gerente geral, que é equivalente a uma ‘fazendeira’ na unidade piloto de Belo Horizonte e começou a trabalhar no local desde sua fundação.

“A gente fala que é um fazendeiro no meio da cidade, nossos desafios são passar pelo verão e inverno fazendo a automatização correta que é diferente nessas estações e cuidando da radiação solar”, conta Andrade.

No dia a dia, a fazendeira conta com mais quatro pessoas que colaboram com a produção diretamente e estão envolvidos no processo como ‘agricultores’. São eles que ‘plantam’ e colhem os alimentos.

“Eu não conhecia nada, mas o pouco que já presenciei de produção convencional é muito pesado. O primeiro espanto aqui na BeGreen é que nem precisamos abaixar para plantar, as bancadas têm nossa altura, colocamos a muda em um furinho e depois um aparelho planta 216 mudas em menos de um minuto’, conta a fazendeira.

Depois de brotarem, os alimentos são vendidos diretamente para os mercados. A compra no varejo só é possível através do site da empresa, que disponibiliza a assinatura de ‘caixas’ enviadas mensalmente com kits de vegetais 100% livres de agrotóxicos.

“Sem tecnologia será difícil produzir o suficiente”

Os “agricultores” (auxiliares de produção) contratados nas unidades da BeGreen residem nas cidades onde estão instaladas as hortas, e assim como Andrade, nunca trabalharam em fazendas e o treinamento fica por conta da empresa.

Mas além da mão de obra que precisa ser capacitada, é comum enfrentar o estranhamento de prefeituras. Quem faz essa ponte para explicar o negócio aos fiscalizadores públicos é Mariana Belisário dos Santos, sócia e diretora jurídica da BeGreen. “É um desafio e tanto, já que as instituições não sabem muito bem como classificar o negócio. É rural ou urbano?”, diz Santos.

A empresa é cadastrada no Código de Atividade Econômica (CNAE) como horticultura, mas essa não é uma atividade prevista para área urbana em alguns locais. “Em uma de nossas unidades, a inscrição estadual levou meses para ser expedida”, conta a sócia.

Estar em uma grande cidade e produzir alimentos também colocou a empresa perto de um problema crescente no mundo – a fome, e desde a criação todas as unidades doam 5% da produção mensal. Só em Osasco (SP), 3 mil famílias recebem os produtos frescos produzidos no topo do prédio da sede do iFood, que tem uma parceria com a rede de fazendas urbanas.

O modelo de produção da BeGreen poupa até 90% de água em comparação a uma produção normal e tem apenas 2% de perda de alimentos. Bittencourt afirma não ter patenteado a tecnologia justamente por não querer ser o único produzindo alimento dessa forma.

“Não somos os únicos e nem pretendemos ser. Em 2050, teremos que alimentar quase 10 bilhões de pessoas no planeta e as mudanças climáticas estão acontecendo, sem tecnologia será difícil produzir o suficiente”, diz o fundador da BeGreen.

Fonte: ecoa

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