O neurocientista canadense Philip Low, pesquisador da Universidade Stanford e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ambos nos Estados Unidos, disse que a invasão do Instituto Royal, em São Roque (SP), por ativistas que levaram do local cães e coelhos usados em testes dá oportunidade ao país para rediscutir as políticas de proteção aos animais, “seja para uso na pesquisa ou na indústria de alimentos”.
Ele afirma que se os brasileiros se opõem à forma como os animais são usados, deveria ser considerada a “opção de mudar a lei, em vez de quebrá-la”.
Low é autor da “Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos”, texto assinado por ele e outros especialistas ligados à área de neurociência sugerindo que animais não humanos possuem substratos neurológicos que geram a consciência.
Ele ficou internacionalmente famoso ao desenvolver um equipamento chamado iBrain, software que lê ondas cerebrais e foi testado no físico britânico Stephen Hawking.
Em entrevista ao G1 por e-mail, Low disse que o que aconteceu no país na última sexta-feira é um fato “da mais alta importância” e uma oportunidade de usar a invasão ao Instituto Royal, em São Roque (SP), como mote para começar um debate nacional sobre o uso de animais na pesquisa e na indústria de alimentos.
Declaração diz que animais têm consciência
O canadense disse que “como cientista, acha fundamental não nos cegarmos quanto às capacidades altamente evoluídas dos animais e nossa capacidade de realizar pesquisas de alto nível com a mínima dependência de animais”.
Na Declaração de Cambridge, os cientistas apontam que há evidências indicando que animais não humanos (incluindo insetos e moluscos, como os polvos) têm atividades cerebrais que demonstram comportamentos intencionais.
O texto dos pesquisadores aponta também que os “humanos não são os únicos a possuir substratos neurológicos que geram a consciência”, mas que todos os mamíferos e as aves “e muitas outras criaturas” também apresentam tais funções cerebrais.
O documento foi escrito com o objetivo de fomentar uma reavaliação sobre a necessidade de se usar animais e técnicas invasivas durante procedimentos já que animais não humanos não conseguem comunicar “clara e prontamente” os seus estados internos.
Como exemplo, explicou que sua empresa, a NeuroVigil, desenvolve biomarcadores derivados do cérebro, bem como tecnologias para auxiliar doentes sem a necessidade de animais.
A NeuroVigil, com sede no Vale do Silício, nos Estados Unidos, foi responsável pela criação do equipamento iBrain, software que permite analisar os sinais cerebrais de uma pessoa que perdeu os movimentos corporais, detectando ondas de alta frequência dentro do crânio.
O sistema se assemelha a um fone de ouvido e registra as ondas cerebrais por meio de leituras de eletroencefalograma (EEG) a partir da atividade elétrica do couro cabeludo do usuário. Esse processo poderia produzir a fala, em um processo semelhante a um sistema já utilizado que detecta movimentos no rosto.
O iBrain ganhou notoriedade ao ser testado pelo físico britânico Stephen Hawking em 2011, quando permitiu que Low analisasse seu cérebro. Hawking, que se locomove em uma cadeira de rodas, foi diagnosticado com uma doença neuromotora aos 21 anos, quando lhe disseram que teria de dois a três anos de vida.
Agora com 71 anos, ele é um dos cientistas de maior destaque no mundo, conhecido especialmente por seu trabalho sobre buracos negros e como autor do bestseller internacional “Uma Breve História do Tempo”.
Debate sobre nova legislação
Low enfatiza que a população insatisfeita com a forma como os animais são usados devem tentar mudar as leis.
“As pessoas podem procurar seus representantes no parlamento e pressionar por uma nova legislação que restrinja a exploração de animais, seja para alimentos, pesquisas e outros fins, e aplicar sanções significativas aos indivíduos de instituições que descumpram as novas leis”.
Ele complementa dizendo que “ao mesmo tempo, deve-se criar uma outra legislação que estimule a pesquisa com humanos” e pede respeito aos cientistas, dizendo que eles querem apenas “ajudar a sociedade”.
“Os cientistas são pessoas boas, altamente treinadas e que querem ajudar a sociedade. Não devem ser demonizados. (…) Se a pesquisa deles incomoda o público, o público deveria dar a eles mais oportunidade de usar a criatividade para fazer mais trabalhos que salvem vidas dependendo menos de animais”, complementa.
Low sugere ainda que, enquanto os formuladores de políticas discutem o assunto, uma moratória aos laboratórios que ainda usam cães para pesquisa “poderia ser um bom primeiro passo para ajudar a reduzir as tensões”.
Regras no país
No Brasil, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) é o órgão responsável por regulamentar o uso de animais em pesquisas no país. Ligado ao do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), tem uma câmara de discussão permanente sobre métodos alternativos para substituir o uso de animais em pesquisas.
Além disso, o órgão busca evitar que os animais submetidos a estudos passem por sofrimentos ou sejam tratados de maneira inadequada. A norma que regulamenta o uso de animais em pesquisas no Brasil, e que também criou o Concea, é a Lei nº 11.794, de outubro de 2008, conhecida como Lei Arouca.
Ela restringe o uso científico de animais vertebrados e permite que apenas instituições de ensino superior e estabelecimentos de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica poderão usar animais em experiências científicas.
A norma considera atividades de pesquisa científica aquelas relacionadas com ciência básica, ciência aplicada, desenvolvimento tecnológico, produção e controle da qualidade de drogas, medicamentos, alimentos e outros testados em animais. Não são atividades de pesquisa as práticas zootécnicas relacionadas à agropecuária.
Fonte: G1