Depois de seguidos recordes de desmatamento, o Conselho Nacional da Amazônia Legal (Cnal) reúne-se, na manhã desta quarta-feira (11/5), pela 1ª vez em 2022.
Desta vez, no entanto, os governadores da Amazônia Legal devem participar. Isso porque uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em abril reestabeleceu a necessidade de que os chefes do Executivos estaduais marquem presença nas discussões do colegiado sobre o meio ambiente.
Em 28 de abril, o STF determinou o restabelecimento da composição do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), do Conselho Nacional da Amazônia Legal e do Comitê Orientador do Fundo Amazônia.
Decretos editados pela Presidência da República, em 2020, afastavam a participação de governadores no Conselho Nacional da Amazônia Legal, e dos outros órgãos. O conselho presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) foi criado em fevereiro de 2020 para coordenar e integrar as ações relacionadas à Amazônia.
Apesar de ser um órgão que não é executor, o Cnal é responsável – junto aos ministérios integrantes – pela elaboração e articulação de todas as ações desenvolvidas nos territórios do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Fazem parte do conselho 14 ministros de estado.
Foi por intermédio do Conselho Nacional da Amazônia Legal que foram realizadas, por exemplo, as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para reduzir os crimes ambientais na região. As ações, no entato, não obtiveram grande êxito.
Desde sua reativação, o Cnal se reuniu em 12 ocasiões. Os governadores participaram só de 5 encontros.
Os ministros do Meio Ambiente também marcaram presença em poucos casos. Em 2020 e 2021, o ex-ministro Ricardo Salles foi a 5 reuniões do colegiado. O atual titular da pasta, Joaquim Leite, não participou de nenhum encontro ainda.
Além do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Ministério do Meio Ambiente também abriga o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGen, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) e o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH).
Recordes seguidos de desmatamento
De acordo com dados mais recentes do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento bateu recorde nos quatro primeiros meses de 2022.
No primeiro trimestre deste ano, 941,3 km² do território da Amazônia Legal foram desmatados, o que representou uma alta de 54%, se comparado com janeiro, fevereiro e março de 2021.
O período foi o pior da série histórica do Inpe, que teve início em 2016. A área desmatada nos três primeiros meses de 2022 equivale a quase três vezes o estado de Goias.
No mês passado, a história não foi diferente. Os alertas de desmatamento cresceram 74,5% em relação ao mesmo período de 2021, com 1.012 quilômetros quadrados de devastação. No ano passado, 579,98 km2 foram devastados em abril.
Os alertas ficaram concentrados nos estados do Amazonas (34,2%), Pará (28,3%) e Mato Grosso (23,8%).
Desmatamento na Amazônia
Diante da polêmica, o governo lançou edital com o intuito de contratar uma equipe privada para monitorar o desmatamento na Amazônia. O presidente também convocou um gabinete de crise para tratar das queimadas e prometeu tolerância zero com os incêndios florestais Fotos Igo Estrela/Metrópoles
A destruição de florestas na Amazônia alcançou um novo e alarmante patamar durante o governo Bolsonaro. O desmatamento no bioma aumentou 56,6% entre agosto de 2018 e julho de 2021, em comparação ao mesmo período de 2016 a 2018Igo Estrela/Metrópoles
Conselho da Amazônia x desmatamento
Para Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), o Conselho da Amazônia cumpre uma importante função de articulação intersetorial, mas desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu, o órgão adotou um caráter militar. Com isso, perdeu a “essência multidisciplinar e consequentemente operacional”.
“Na gestão Bolsonaro, o conselho foi reformatado com visão prioritariamente militarizada, que não tem profundidade técnica e política para enfrentar o problema”, diz Bocuhy. O especialista também aponta que falta articulação com estados e municípios.
Já a especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama Suely Araújo avalia que o Cnal “sempre foi deixado de lado e nunca teve força no atual governo”.
“Mesmo se fosse tratado com mais atenção, a tendência do conselho é reproduzir as diretrizes do atual governo, emanadas pelo próprio presidente da República. Isso significa, colocar em prática uma visão arcaica de crescimento econômico, que não entende o valor da proteção ambiental e opta por priorizar empreendimentos degradadores”, analisa Araújo.
Suely também explica que o conselho “jamais deveria se imiscuir nas atividades de fiscalização”. “As Forças Armadas podem ajudar os órgãos ambientais em algumas operações, jamais coordenar a fiscalização ambiental, nem na Amazônia, nem em outros biomas”, afirma a especialista.
Rodolfo Tamahana, professor e especialista em ciências políticas do Ibmec de Brasília, lista três fatores que podem dificultar o andamento do Cnal. Ele também considera que o fato de ser ano eleitoral reduz a preocupação do governo com a área: “Em ano eleitoral, se a cabeça já não era voltada para esse tema, ele deixa ainda mais de ser preocupação”.
De acordo com o professor, a relação do presidente do conselho com o restante do governo tem influência nas ações, já que se “estaria dando visibilidade para o vice-presidente, que agora irá se candidatar a senador”.
“A gente tem que considerar que quem está na liderança do Cnal é o vice-presidente Hamilton Mourão. A relação dele com o presidente e, em consequência, com os ministros, é conturbada desde o início do governo. Então existe um não estímulo”, opina sobre o primeiro dos fatores.
Ele avalia que o governo “não tem traquejo na área” e mesmo quando faz algo positivo, “não consegue transmitir isso”. Ele pondera, contudo, que apesar de ser uma pauta com “pleito internacional”, a pressão sob o Brasil não se justifica em algumas ocasiões.
“A Amazônia demanda um investimento público e uma presença muito grande do governo. Vários fatores como orçamento curto, complexidade, falta do contingente de pessoas e etc, acabam impactando para que a questão da Amazônia continue sendo um desafio”, finaliza o especialista.
Fonte: Metrópoles