Nos últimos meses, um gatinho provocou uma rixa entre moradores dentro de um condomínio de classe média, num bairro de Campo Grande (MS). Seu nome é Frajola, e a briga acabou nos tribunais daquele Estado.
Quem descobriu o caso foi a jornalista Silvia Haidar, do Blog Gatices, da Folha, em fevereiro.
Dois moradores encasquetaram com gato sem dono, que flanava com desenvoltura pelo condomínio e era paparicado por (quase) todos os demais.
Os queixosos exigiram que o bichano fosse expulso do condomínio, mas Frajola foi salvo por duas almas amantes e defensoras dos bichinhos: os moradores Pablo Chaves e Brasiluza Neves.
Eles entraram com uma ação judicial inédita no estado de Mato Grosso do Sul para garantir que Frajola (ele tem as cores do gato do desenho animado) ficasse no local. Se basearam na Lei Complementar Municipal 395/2020, que regulamenta o programa do animal comunitário.
A história repercutiu tanto que chegou a ser exibida na Globo, no programa “É de Casa”.
Depois disso veio o estrelato: Frajola se tornou a mais uma nova celebridade peluda do país, um “influencer”.
E, o mais legal: uma vereadora de Campo Grande (Camila Jara, do PT) fez o pedido para que a nova lei de animais comunitários seja chamada de “Lei Frajola”.
A coluna entrevistou Frajola com exclusividade:
Frajolinha, há quanto tempo você mora no condomínio de Campo Grande? Você sabe onde nasceu ou quem é sua mãe?
Frajola – Primeiramente, é um prazer enorme fornecer essa entrevista ao senhor. Amo contar a minha história para que eu possa ajudar outros “aumigos” a terem os mesmos direitos.
Estou no condomínio Parque Residencial Mangaratiba há 5 anos. Cheguei lá adolescente e não sei onde nasci e nem quem são meus pais. Posso ter sido vítima de um abandono, pois quando os moradores do condomínio me levaram ao veterinário, pela primeira vez, ficaram sabendo que eu já era castrado.
Por que alguns moradores tentaram te expulsar do condomínio? Você fazia algum tipo de bagunça ou sujeira?
Frajola – Olha, esses moradores eram pessoas que não gostam de animais. Eles sempre reclamaram de bichos no local.
O maior problema foi que tentaram e ameaçaram me machucar. Uma moradora atirou um rojão em minha direção em abril de 2020; outro morador jogou água em mim e falava que matar animal no Brasil não dava em nada, que o judiciário era todo corrompido.
Mas que canalhas!
Frajola – Já a mulher desse senhor queria botar veneno na minha ração, falava que, se meus tutores podiam me dar comida escondidos, ela poderia colocar veneno escondido também.
Ocorre que isso não é verdade, pois meus tutores nunca me alimentaram escondido. Eu não faço e nunca fiz bagunça, sou um gatinho bem tranquilo, a sujeira eu faço em um lugar bem escondido que ninguém sabe.
Além disso, quando meus tutores me veem fazendo a sujeira, eles limpam.
Quem foram as pessoas que saíram em sua defesa?
Frajola – Foram meus tutores que me amam, o Pablo Chaves e a Brasiluza Neves. Eles entraram com uma ação judicial inédita no estado de Mato Grosso do Sul, para garantir a minha permanência no local -baseados na Lei Complementar Municipal 395/2020 que regulamenta o programa do animal comunitário.
Só que o cadastro para animais comunitários não estava aberto ainda. Mas. a lei já era válida.Eles ainda usaram princípios constitucionais da dignidade animal, da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, tudo já passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e que reconheceram a senciência dos animais.
Outros tutores não posso revelar quem são, por temer represálias iguais às que Pablo e Brasiluza sofreram —sem falar em ofensas.
E como se sente por ter aparecido na Globo, e agora poder virar até nome de lei?
Frajola – Foi muito legal, eu amei contar a minha história para o Brasil todo. Minha rede social agora é muito ativa (tem quase 16 mil seguidores no Instagram). Hoje ajudo outros animais e tutores do Brasil todo a terem seus direitos respeitados.
Depois de ter aparecido na Globo, várias pessoas vieram relatar problemas parecidos, animais correndo o risco de despejo e maus-tratos.
Então o meu objetivo agora é ajudar todos os outros animais que sofrem o mesmo que eu sofri.
Com relação a virar nome de Lei, fiquei muito feliz com essa homenagem que a vereadora Camila Jara (PT) fez para mim, porque eu sou oficialmente o primeiro animal comunitário de Campo Grande/MS e o primeiro do Mato Grosso do Sul também.
Dia 30 de março haverá um evento oficial da subsecretaria do Bem-Estar Animal que irá me entregar a placa de animal comunitário 01 de Campo Grande.
Se alguém do condomínio, ou fora dele, quisesse te adotar, você aceitaria?
Frajola – Eu acho que não posso ser adotado, porque não sei ficar dentro de uma casa. Quando me prenderam dentro do apartamento, parei de comer, entrei em depressão e emagreci.
Também foram anexados três laudos de médicos veterinários no processo que discutia minha permanência no condomínio, e que comprovavam os danos que eu poderia sofrer caso me retirassem do ambiente que sempre vivi.
Por quanto tempo você ficou sendo ameaçado no condomínio?
Frajola – As ameaças começaram em outubro de 2020, um mês após ter sido sancionada a lei do animal comunitário na cidade Campo Grande (MS).
Houve uma reunião de condomínio que foi discutido o assunto sobre eu permanecer no condomínio solto e ser cuidado comunitariamente.
Diante disso, Pablo e Brasiluza expuseram a lei do animal comunitário e a síndica da época encerrou o assunto.
Só que em maio de 2021 outro síndico assumiu e já havia manifestado a favor de minha expulsão. Ele usou o cargo para ameaçar, mas meus tutores contestaram.
Aí as coisas só pioraram. Inclusive fui ameaçado de ser largado no Centro de Controle de Zoonoses. Também disseram que, se nada surtisse efeito, eu seria colocado em uma caixa e jogado fora em qualquer lugar.
Importante lembrar que, desde que a lei foi sancionada pelo prefeito, meus tutores começaram a tomar todos os cuidados e providências para que eu me encaixasse na lei, vacinas, cadastro e “microchipagem” etc.
Sou cuidadoso. Não quero colocar ninguém em risco.
Fonte: UOL