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DANO EVOLUTIVO

Após 4 anos do incêndio no Pantanal, 4,5 bilhões de animais ainda sentem impacto

Redução acentuada na população das espécies por gerações e risco de extinção são monitorados na região

21 de maio de 2024
Kethlyn Moraes
5 min. de leitura
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Foto: Charles J Sharp | Wikimedia Commons

Quatro anos após o maior incêndio da história do Pantanal Mato-grossense, mais de 4,5 bilhões de animais ainda sofrem os impactos dessa tragédia, com uma acentuada redução da população e alterações ambientais que deverão ser sentidas ainda por gerações, avalia o pesquisador Christian Niel Berlinck, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMBio, onde trabalha com Ecologia do Fogo e Conservação de Fauna.

Um relatório apresentado pelo ICMBio analisa o grande incêndio de 2020, quando foram queimados 4,5 milhões de hectares do bioma e 17 milhões de animais morreram com o fogo ou com a inalação da fumaça. Segundo esse estudo, 75 milhões de vertebrados e 4,5 bilhões de invertebrados foram atingidos em 2020 e ainda sofrem com os danos gerados.

“Apesar de não termos perdido espécies, perdemos o tamanho da população que cada uma tinha, o que percebemos que continuou acontecendo até 2023 e neste ano. As populações têm um equilíbrio dinâmico. Elas crescem e diminuem em períodos de tempo. O que aconteceu é que com os incêndios ela diminuiu bruscamente. Até voltar ao que era antes da ocorrência do fogo leva bastante tempo, o que chamamos de tempo geracional, o intervalo entre a espécie ter um filhote e ele entrar numa fase reprodutiva. Geralmente, não é questão de um ou dois anos, é questão de três, quatro, cinco, às vezes dez anos”, explica Cristian.

Isso aconteceu porque houve três tipos de efeitos do fogo no Pantanal, aquele direto, que queimou e matou; o indireto, que alterou as paisagens e excluiu as zonas de refúgio para esses bichos, onde poderiam ter abrigo e procurar comida e água, impactando ao longo de muitos anos; e o evolutivo que reduz a população e gera perda de gerações.

“Isso nos traz uma grande preocupação. Se coisas parecidas continuarem a acontecer, essa redução ficará cada vez mais acentuada, até que comece a tirar espécies do sistema, ou seja, extinção da espécie. Observamos que mesmo anos depois da ocorrência em 2020, as populações não retornaram ao tamanho que elas eram antes, o que mostra uma dificuldade de retorno por causa dos efeitos diretos e indiretos. O que aconteceu em 2020, não podemos deixar acontecer de novo”

Observamos que mesmo anos depois da ocorrência em 2020, as populações não retornaram ao tamanho que elas eram antes, o que mostra uma dificuldade de retorno por causa dos efeitos diretos e indiretos (do fogo)” – Revela pesquisador Christian Niel Berlinck, do CENAP (ICMBio)

Segundo o pesquisador, esse número levantado pelo relatório é ainda, subestimado, pois há o conhecimento de que algumas espécies que morreram que não foram encontradas na metodologia utilizada. Um outro fator de impacto nessa perda geracional foi o período em que tem ocorrido esse fogo.

No ano passado, de forma atípica, as queimadas tiveram maior volume em outubro e novembro, que contempla a primavera, fase onde a maior parte das espécies que vivem no Pantanal está em uma fase reprodutiva.

“Imagina uma mãe ter um filhote numa situação dessa. Não tem alimentação para os filhotes, não tem abrigo. Então a gente perde a geração que estava para nascer, ou a que nasceu morre, e isso afeta a população nas próximas gerações. O efeito vai longe”, esclarece.

Conforme explica o pesquisador, os danos atingiram desde os pequenos animais até os que ocupam topo de cadeia. Além disso, houve alteração de paisagem e movimentação da fauna, que teve que ocupar territórios já ocupados por outros indivíduos. Isso gerou conflitos dentro da própria população. A devastação ainda gera impactos na água, já que grande parte da vegetação morta alimentava os corpos d’agua e os peixes.

Mudanças no território

Sem a inundação presente todos os anos e com o fogo acentuado, áreas que ficavam alagadas e completamente fechadas por vegetação, ficaram secas e abertas pelo fogo. Com isso, animais que vivem na parte mais alta do Pantanal também começaram a ocupar outras áreas que antes não eram adequadas pra eles sobreviverem, por serem alagadas ou muito fechadas pra perambulação.

“Com isso, esses animais começaram a chegar também em outras áreas. Uma coisa positiva que é que Pantanal demonstrou ainda suportar uma diversidade grande de espécies. Por outro lado, a chegada de novas espécies nesses territórios gera uma competição pelos recursos com os animais já ocupantes dessa região.  Esse efeito ainda não sabemos se será benéfico ou prejudicial. É preciso continuar monitorando”, pontua.

Alterações climáticas

A mudança do período de queimadas em 2023, que teve seu pico em outubro e novembro – diferente dos dados históricos – e a chegada do fogo mais cedo este ano, além do nível alarmante do Rio Paraguai, mostram que é preciso uma mudança nas estratégias de combate e prevenção do fogo para que a tragédia de 2020 não se repita.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o bioma em Mato Grosso já contabiliza 682 focos de incêndio em 2024, um aumento de 1.036% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram registrados 60.

“As mudanças climáticas estão claras, estão postas. Se isso se manter por muito Pantanal vai ser outro ambiente e o que era usado historicamente para manejar o Pantanal, terá que ser feito de outra forma.  Isso vai exigir uma integração muito forte entre conhecimento tradicional e conhecimento científico tecnológico, para que possamos interpretar melhor a realidade e atuar sobre ela de uma forma mais adequada. Para tudo isso, precisamos da parte política administrativa também, que terá que nos atender. Precisamos nos adaptar”, finaliza.

Fonte: RD News

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