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ARMAZÉM DE CARBONO

Apenas 17% das turfeiras, essenciais para conter as mudanças climáticas, estão protegidas, revela estudo

23 de fevereiro de 2025
John Cannon
7 min. de leitura
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Turfeiras no Parque Karukinka, no Chile. Foto: Nicole Puschel/WCS Chile

As turfeiras ao redor do mundo armazenam mais carbono do que todas as florestas do planeta. No entanto, uma nova pesquisa revela que uma proporção muito menor dessas áreas é protegida em comparação com outros ecossistemas.

Apenas 17% dessas áreas pantanosas coincidem com zonas de proteção já existentes, de acordo com um estudo de mapeamento publicado em 12 de fevereiro na revista Conservation Letters. Em comparação, áreas protegidas abrangem 38% das florestas tropicais e 42% dos manguezais.

A principal autora do estudo, Kemen Austin, diretora de ciência do programa de florestas e mudanças climáticas da Wildlife Conservation Society, afirmou estar surpresa com o baixo número de turfeiras conservadas, considerando que são “um dos ecossistemas mais valiosos”.

As turfeiras estão amplamente distribuídas, desde latitudes do norte até as zonas temperadas e trópicos equatoriais, embora cubram apenas 3% da superfície terrestre. Se fossem melhor protegidas, poderiam desempenhar um papel crucial na mitigação das mudanças climáticas e na preservação da biodiversidade global. Além de serem reservatórios de carbono, esses ecossistemas abrigam plantas e animais únicos, servindo até como berçários para peixes e outras espécies aquáticas essenciais para comunidades humanas e para a fauna local.

Atualmente, as turfeiras do planeta armazenam 600 bilhões de toneladas métricas de carbono. Para remover essa quantidade de dióxido de carbono da atmosfera, seria necessário plantar mais de 36 trilhões de árvores e mantê-las vivas por 10 anos. À medida que a vegetação se acumula ao longo de décadas, séculos e milênios nesses pântanos e se mantém encharcada, forma-se a turfa — uma densa camada marrom de matéria vegetal parcialmente decomposta — que aprisiona carbono e impede sua liberação na atmosfera.

Ameaças às turfeiras globais

Isso, no entanto, só ocorre se a turfa permanecer úmida e intacta. Quando humanos drenam essas áreas para transformá-las em terras agrícolas ou pastagens, ou queimam a turfa para uso como combustível, o carbono armazenado é liberado.

Até agora, cientistas e formuladores de políticas não tinham um panorama claro sobre a quantidade de turfeiras globalmente protegidas. “Nosso objetivo foi estabelecer uma referência sobre o status atual da conservação e do manejo sustentável das turfeiras”, explicou Austin.

Para mapear os riscos enfrentados por esses ecossistemas, a equipe utilizou um modelo de inteligência artificial chamado Peat-ML e sobrepôs mapas de áreas protegidas, terras indígenas e pressões humanas. O estudo revelou que apenas 25% das turfeiras em zonas tropicais e temperadas e 11% das turfeiras boreais estão protegidas.

Ao analisar fatores como densidade populacional, os pesquisadores descobriram que quase metade das turfeiras tropicais e temperadas dentro de áreas protegidas enfrenta pressão humana de média a alta, aumentando as chances de degradação e a necessidade de proteções mais rigorosas.

Importância das terras indígenas

Outro dado relevante do estudo foi a sobreposição de mais de 25% das turfeiras com territórios indígenas — um total de 1,1 milhão de km², área equivalente a duas vezes e meia o tamanho da Califórnia. No entanto, 85% dessas terras indígenas não contam com outras formas de proteção formal.

Mark Harrison, ecólogo da Universidade de Exeter, no Reino Unido, considerou essa parte do estudo “uma contribuição valiosa”, destacando que comunidades indígenas são alguns dos mais eficientes guardiões dos recursos naturais. Por exemplo, povos indígenas do Peru realizam colheitas sustentáveis do fruto da palmeira Mauritia flexuosa, encontrada em turfeiras.

Austin e sua equipe veem uma oportunidade significativa para proteger as turfeiras que não estão formalmente dentro de áreas protegidas, reconhecendo melhor os direitos indígenas e incentivando estratégias sustentáveis de manejo.

Nem todas as áreas protegidas são eficazes

Austin também alertou que a simples designação de uma área como protegida não garante os resultados ambientais e sociais desejados. O sucesso da conservação depende de fatores como o engajamento das comunidades locais e financiamento adequado.

Estudos mostram que a maioria das turfeiras protegidas não possui recursos suficientes para atingir metas de preservação. O financiamento global para conservação sofreu um revés recente devido aos cortes drásticos na ajuda externa dos EUA.

A urgência da proteção aumenta à medida que as ameaças às turfeiras se intensificam. Embora as turfeiras tropicais ainda estejam relativamente preservadas em comparação com as temperadas, elas enfrentam desafios crescentes.

Na Bacia do Congo, as turfeiras da Cuvette Centrale, formadas há pelo menos 10.000 anos e cobrindo uma área do tamanho da Inglaterra, podem conter reservas de petróleo que governos locais demonstraram interesse em explorar, mesmo onde há sobreposição com áreas protegidas.

Outras ameaças incluem o avanço da agricultura e a produção de commodities globais, como o óleo de palma, que já destruiu vastas áreas de turfeiras na Indonésia e pode impactar ecossistemas semelhantes na Amazônia e na Bacia do Congo.

Além disso, a degradação das turfeiras pode aumentar o risco de transmissão de doenças entre animais e humanos. A queima de turfeiras para agricultura, comum em algumas regiões, também tem impactos diretos na saúde pública. Um estudo concluiu que incêndios em turfeiras da Indonésia causaram casos graves de asma em 635 mil crianças e milhares de internações hospitalares.

Restauração: potencial e desafios

Os autores do estudo defendem a restauração de turfeiras degradadas, mas alertam que esse processo tem limitações. Quando drenadas e secas, essas áreas liberam imediatamente dióxido de carbono na atmosfera. Diferente das florestas, que perdem a maior parte do carbono logo após serem derrubadas, as turfeiras continuam emitindo carbono por um longo período após sua degradação.

Como as turfeiras armazenam quantidades densas de carbono, sua perturbação tem um alto custo climático. Cerca de 15% das turfeiras do mundo já foram drenadas para a agricultura, e até 10% adicionais foram degradadas. Apesar de cobrirem apenas 3% da superfície terrestre, essas áreas respondem por 15% das emissões globais de carbono provenientes da mudança no uso da terra.

A reidratação de turfeiras pode conter essas emissões, sendo uma abordagem adotada por governos e grupos de conservação. Um estudo recente mostrou que a proteção de turfeiras e manguezais no Sudeste Asiático poderia reduzir pela metade as emissões regionais provenientes do uso da terra.

O impacto do fogo

Os incêndios representam uma grande ameaça às turfeiras, especialmente em um mundo cada vez mais propenso a incêndios florestais. Enquanto a formação de turfa ocorre lentamente, à razão de cerca de 1 mm por ano nos trópicos, um único incêndio pode consumir 10 cm de turfa em um único dia — o equivalente a 100 anos de acúmulo perdido instantaneamente.

E o carbono liberado pelo fogo ou pela drenagem das turfeiras não pode ser recuperado no curto prazo. “Podemos parar a drenagem e elevar os níveis da água novamente”, disse Austin. “Mas não recuperaremos o carbono perdido em um período relevante para a mitigação das mudanças climáticas.”

Perspectivas para o futuro

Compromissos internacionais, se cumpridos, podem ajudar a preservar as turfeiras. O Acordo de Paris de 2015 exige que os países estabeleçam metas de redução de emissões, incluindo a proteção de ecossistemas ricos em carbono. Além disso, o Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal, de 2022, solicita planos nacionais para conservação.

Apesar da baixa porcentagem de turfeiras protegidas atualmente, há otimismo. “Esperamos que países com grandes extensões de turfeiras implementem políticas eficazes para sua proteção, mesmo fora de áreas formalmente protegidas”, afirmou Austin.

Harrison reforçou a importância dessas áreas na luta contra as mudanças climáticas. “Se apenas 17% das turfeiras estão protegidas globalmente, essa é uma oportunidade clara para avançarmos nas metas internacionais de redução de emissões.”

Traduzido de Mongabay

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