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Aos animais a liberdade

4 de outubro de 2017
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Bilhões de animais criados para consumo no mundo todo escutavam isocronicamente um som jamais ouvido antes

Sonhei que bilhões de animais criados para consumo no mundo todo escutavam isocronicamente um som jamais ouvido antes; um tipo de chamamento que fazia com que nada temessem, apenas reconhecessem a sua força em evidência por uma subitânea expansão da consciência.

Arrebentavam gaiolas, grades, correntes, atravessavam pastos e cidades. Se articulavam como nunca, como seres sociais que são. Fugiam de matadouros e laboratórios. Não podiam mais ser tocados, mas simplesmente observados. Aos seres humanos, incapazes de se moverem por um artifício romanesco, restava o direito e a obrigação de assistir tudo como meros espectadores.

A cada passo dos sobreviventes em direção à vida, os seres humanos eram presenteados com flashes da libitina, do decesso, da ortotanásia, da morte; não da própria morte, nem de mortes humanas, mas da finitude dos familiares daqueles animais que remanesceram. Os olhos de uma vaca que corria em celeridade, mesmo com os úberes morrudos e quase tocando o chão, projetavam titânicos hologramas de crianças mortas. Todos os seus filhos executados ao longo de anos de ordenha.

Uma galinha sem bico e com olhos cor de terra projetava o exato momento de sua debicagem, calvário que perdurou por semanas. Na cumeeira, no ponto mais alto de muitas cidades, havia projeções colossais de pintinhos sendo triturados em máquinas. Não paravam de cair, não paravam de morrer. Lembranças de um passado hodierno.

Pessoas tentavam cobrir suas cabeças, temendo que o sangue das pequenas criaturas pudesse lavar suas ignorâncias, insipiências. O obnóxio apedeutismo sufocaria. Mas o ser humano é recalcitrante. Pessoas de todas as idades persistiam; tentavam vendar os olhos, seus e dos outros. Não era mais possível abrenunciar a realidade.

Aqueles que privaram os filhos da verdade também amargaram consequências; as crianças não foram poupadas. Por que seriam? Os animais corriam, e os hologramas se expandiam. A morte evidenciada visceralmente por todos os lados, sem romantismo, sem subversão conscienciosa. A verdade avançava. O céu virou um painel.

Cenas de peixes sufocados em tralhas e devolvidos (ou não) ao mar agonizavam, incapazes de sobreviver por mais do que minutos sempiternos. O fim chegaria, mas custaria. Oceanos, mares e rios cuspiam a humanidade, seus barcos, suas bargas e tralhas. Porquinhos soluçavam pendurados sobre grilhões. Era o último registro do último matadouro. Caprinos e ovinos saltavam sobre os carros; amassavam latarias e corriam.

Aos animais a liberdade, à humanidade o reconhecimento da fealdade. Mais adiante, animais telúricos desapareciam através de tocos de árvores transformados em troncos que se alargavam e funcionavam como portais. Nas águas, os não humanos atravessavam crateras, furnas e lapas quiméricas que repeliam os indesejados. Do outro lado, na terra, na água ou no céu, não havia humanidade, somente reciprocidade semeada pela vontade.

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