“O cão não é ‘quase humano’ e não conheço maior insulto
à espécie canina do que descrevê-la de tal maneira.”
(John Holmes)
Antropomorfismo vem de duas palavras gregas: “anthropos” (homem) e “morphe” (forma). O antropomorfismo é a associação de atitudes animais com posturas humanas. É a tendência a interpretar como “humano” o comportamento animal, projetando características pessoais, sentimentos, pensamentos e estados de espírito. Por exemplo, imaginar que seu gato urinou fora da bandeja sanitária só para “vingar-se”, por estar com “raiva” de você.
Diversas mitologias e religiões antigas fazem referência aos animais e às figuras antropomórficas como modo de representar seus deuses – a civilização egípcia, por exemplo, cujos deuses possuíam cabeças de animais e corpos humanos: Hórus, o deus-falcão (o sol nascente); Anúbis, o deus-chacal (mediador entre o céu e a terra); Hator, a deusa-vaca (deusa da vaidade); Tueris, a deusa-hipopótamo (protetora das gestantes); Bastet, a deusa-gata (deusa da fecundidade) etc.
A parcela humana desses deuses possibilitava que possuíssem sentimentos que os egípcios não acreditavam existir entre os animais, como ódio, inveja etc. e até o amor. Já a porção animal concedia-lhes características como esperteza, sagacidade, capacidade de proteção contra espíritos malignos, altivez etc.
O antropomorfismo tem sua origem no antropocentrismo, concepção filosófica megalômana que faz do homem o centro do Universo, em cuja órbita gravitariam os demais seres, em condição subalterna. É a consideração do homem como eixo principal de um determinado sistema – palavra híbrida de composição greco-latina: anthropos, do grego (homem), e centrum, do latim (centro). Com a equivocada visão antropocêntrica, esquecemos que também somos animais, acreditando que eles nasceram para nos servir e que temos o poder de decidir sobre a vida e a morte desses seres (inclusive para nossa alimentação).
E não se pode justificar o comportamento animal de acordo com valores próprios do ser humano – “Como sentir o que o morcego sente quando produz os pulsos sonoros que, refletidos, lhe fornecerão uma informação sobre a localização de uma mariposa, de outro inseto comestível ou de obstáculos? Ouvir os mesmos sons não é possível, por falta dos substratos neurossensoriais apropriados.” (César Ades – Instituto de Psicologia, USP). A abordagem antropomórfica é reducionista e ignora um sem-número de desempenhos interessantes.
A ideia segundo a qual os pensamentos e emoções de um animal podem ser traduzidos diretamente em termos humanos é distorcida e equivocada. Os animais possuem sentidos (muito mais apurados que os nossos), linguagem e emoções singulares, diferentes das nossas. Então, não podemos dizer o que é ser um cavalo, uma águia, um morcego etc.
Projetar atributos humanos nos animais faz com que deixemos de percebê-los como realmente são. Essas distorções, frequentemente, causam transtornos para os humanos e para os animais, pois toldam a verdadeira natureza de outras espécies e suas necessidades.
O modelo antropocêntrico, e suas consequências antropomórficas, estão sendo questionados. O homem deve admitir que todas as espécies animais estão, de alguma forma, amalgamadas num meio mais amplo, do qual todas fazem parte – e não a espécie humana ser a coroa da evolução.
Com essa base, uma nova corrente de pensamento está se desenvolvendo – é o biocentrismo, que propõe que os direitos naturais devem ser estendidos a todos os elementos da natureza (Roderick Nash, em seu livro Os Direitos da Natureza).
Segundo o biocentrismo, a Terra é compreendida como uma entidade viva, onde existem relações de causa e efeito. E parte do princípio de que o ser humano não deverá legitimar o sofrimento infligido a outros seres. As diferenças entre as espécies são entendidas como uma exaltação da diversidade que existe na natureza. Cada animal é um ser singular, único, provido de vida e identidade. O biocentrismo é a equilibrada abordagem pela qual devemos coexistir simbiótica e cooperativamente com as demais espécies.
Podemos começar a exercitar o conceito de biocentrismo, aceitando que somos mais uma, entre tantas espécies. Apresentamos diferenças e semelhanças com outros animais – praticamente não há diferenças entre nossos cérebros e os dos demais mamíferos, o que nos leva a crer termos reações similares e não superiores. Devemos, por intermédio de uma ligação afetuosa, compreender que não estamos acima, mas que somos parte.
O que podemos fazer é buscar conhecer cada animal e seu comportamento para adquirirmos entendimento das diferenças e semelhanças existentes entre nós e outras espécies. Só assim chegaremos o mais próximo da compreensão do que é ser cada animal.