Em Sin City o negócio ilegal de criação de tigres está prosperando.
Em novas imagens secretas de drones, tigres e ursos caminham dentro de estruturas de cimento e gaiolas perto de um complexo de cassinos — uma recém-construída instalação comercial expandida de reprodução em cativeiro às margens do rio Mekong, no Laos. O vídeo, obtido pela Agência de Investigação Ambiental (EIA), revela que o número de tigres lá dobrou desde a exposição “Sin City” do Reino Unido em 2015.
Cultivar tigres para consumo, como porcos e galinhas, viola um tratado internacional, embora continue no Laos, e na China, Vietnã e Tailândia. O comércio ilícito também viola o compromisso do Laos de converter fazendas de tigres em santuários ou parques e parar a reprodução comercial.
“Isso não é zoológico”, diz Debbie Banks, líder da campanha do EIA em defesa dos tigres e contra crimes à vida selvagem. “Não há conservação ou valor educacional e [a instalação] não está aberta ao público.”
O relatório de 2015 da EIA documentou o tráfico de animais selvagens desenfreado dentro da Zona Econômica Especial do Triângulo Dourado (GTSEZ) livre de impostos do Laos, que abriga o Kings Romans Casino ao lado de um distrito de Chinatown. O EIA chamou o complexo de um playground sofisticado e sem lei “atendendo aos desejos de visitantes chineses que vão ao local pelos jogos de aposta e pelo turismo”. Investigadores disfarçados descobriram restaurantes que servem carne de caça rara e exótica. Lojas vendiam produtos de espécies em extinção. E uma nascente indústria de criação de tigres supostamente forneceu a esses estabelecimentos carne de tigres. Quando o EIA começou sua sondagem em 2014, este novo empreendimento tinha seis tigres. Nove meses depois, eram 35. Agora há cerca de 70.
Imagens de drones obtidas pela Agência de Investigação Ambiental (EIA) revelam uma fazenda de ursos e tigres no Laos com pelo menos 70 tigres. O local é administrado por um conhecido grupo do crime organizado transnacional. Imagem cortesia da Agência de Investigação Ambiental ao portal Mongabay.
Dentro da ‘Zona Especial do Crime’ no Laos
O Grupo Kings Romans Group, com sede em Hong Kong, é dirigido pelo notório mafioso chinês Zhao Wei, que, em 2018, foi acusado pelo governo dos EUA de chefiar uma organização criminosa internacional, envolvida com tráfico de narcóticos, de humanos e de espécies ameaçadas de extinção.
Notícias recentes de apreensões maciças de metanfetamina e mulheres forçadas à prostituição mostram que essas atividades continuam. Karl Ammann, um conservacionista suíço contra o tráfico que visitou o local em 2019, disse que “não é apenas uma Zona Econômica Especial, mas uma ‘Zona Especial do Crime’ onde vale tudo’”. O Laos tem sido um notório local de contrabando de animais selvagens há décadas, com o apoio de altos funcionários do governo. “Mas as drogas são definitivamente o grande produto que movimenta dinheiro e o jogo (cassino) é um disfarce para tudo isso”, diz Ammann.
Milhares de tigres em cativeiro são criados na China, Tailândia, Laos e Vietnã. Esses felinos de grande porte, criados em fazendas de reprodução e comércio, alimentam a demanda por suas peles, ossos, garras, dentes e carne. Esta indústria apresenta baixo risco e alto valor, concebida por sindicatos internacionais do crime, e tem impulsionado a caça dos últimos 5.000 tigres selvagens da Ásia. A China é o principal consumidor; O Vietnã ocupa o segundo lugar. Esses tigres em cativeiro de raça cruzada nunca poderão ser soltos na natureza, pois poderiam provocar um colapso na conservação da espécie.
Enquanto o mundo celebra o Ano do Tigre em 2022, as ações humanas continuam ameaçando sua sobrevivência na natureza: massacrando ou comercializando tigres vivos e suas presas e invadindo seus últimos pedaços de habitat. É por isso que os tigres são os felinos mais ameaçados.
Mas a conservação e a aplicação das leis de forma inteligente mudaram a maré em alguns lugares, com populações mantendo-se estáveis ou até aumentando — oferecendo um cenário promissor para tigres selvagens.
O estado das populações de tigres pelo mundo
É um ano crucial para o tigre (Panthera tigris). Este ano, a autoridade global de conservação IUCN atualizará os números de tigres em sua Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, que rastreia o risco de extinção.
A 2ª Cúpula Global do Tigre está marcada para 5 de setembro em Vladivostock, Rússia. (Não há notícias se a invasão russa da Ucrânia vai impactar o comparecimento dos participantes). Em 2010, na primeira cúpula, os governos dos países onde está o habitat de tigres comprometeram-se a dobrar as populações deste animal em seus países até o próximo ano do Tigre no zodíaco chinês, que é 2022. Houve resultados mistos, com algumas populações subindo, outras estáveis — e algumas caindo.
Também este ano, representantes das nações do mundo esperam se reunir em Kunming, na China, para finalizar um plano para deter a extinção em cascata de espécies, durante a 15ª Conferência das Partes (COP15) em preparação para a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CBD). No entanto, ainda não foi definida uma data. A reunião foi adiada por dois anos pela pandemia; os temores são de que o atual surto de COVID-19 possa trazer mais atrasos.
Em novembro, as partes da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Silvestres), assinada por 184 nações, incluindo Laos, China, Tailândia e Vietnã, se reunirão no Panamá. Uma vez que os tigres estão em perigo, a sua comercialização é proibida pelo tratado, já a sua criação/reprodução em fazendas continua sendo uma questão controversa.
O prognóstico dos tigres selvagens varia muito, dependendo das subespécies e localização. Os tigres balineses, cáspios e javaneses estão extintos. Restam seis subespécies, com o tigre do sul da China (P.t. amoyensisp) extinto na natureza. “Bengals [P. t. tigris, nativo da Índia, Bangladesh, Nepal e Butão] estão indo muito bem”, diz John Goodrich, cientista-chefe e diretor do programa tigres na instituição Panthera, uma organização de conservação com sede em Nova York. “Os tigres de Amur [P. t. altaica, também conhecidos como tigres siberianos], estão indo bem, e todo o resto está indo muito mal.”
Os tigres de Sumatra (P. t. sumatrae) estão “realmente em dificuldade”, fortemente caçados, com seu habitat tropical sendo arrasado pelo desflorestamento para produção de óleo de palma. Mas a subespécie fica ao longo da coluna montanhosa florestal da ilha. “Não é como o que vimos há 15 anos no Camboja e no Laos, onde os tigres [indochineses] simplesmente desapareceram, quase da noite para o dia”, diz Goodrich. Tigres selvagens estão extintos no Vietnã e Camboja e praticamente inexistentes em Mianmar. Mas os tigres indochineses (P. t. corbetti) estão mantendo suas populações – ou possivelmente aumentando – na Tailândia, principalmente dentro do enorme Complexo florestal ocidental. As “patrulhas inteligentes” de estilo militar promovidas pelo país podem oferecer o melhor caso de aplicação da lei no sudeste da Ásia.
Os tigres malaios (P. t. jacksoni) estão em alerta vermelho para a nação “cujas ações definirão nos próximos, digamos, cinco anos se os tigres serão extintos – ou se serão resgatados”, diz Goodrich, observando que o governo aumentou seus esforços e parece empenhado em salvar tigres.
Os Tigres de Bengala da Índia estão se destacando. Eles somam cerca de dois terços da população mundial de tigres selvagens, 2.967 a partir do censo de 2018. Mas as 53 reservas de tigres do país e áreas protegidas adicionais estão cercadas por uma crescente população humana. Na gestão do primeiro-ministro Narendra Modi, importantes habitats de tigres na Índia estão sendo silenciosamente invadidos, pouco a pouco, e muitas organizações ambientais sem fins lucrativos e especialistas ambientais foram silenciados ou excluídos da tomada de decisões.
“Os tigres na Índia estão aumentando em algumas áreas, em grande parte devido à sua extraordinária resiliência e à melhoria na aplicação das leis”, diz Belinda Wright, fundadora e diretora executiva da Wildlife Protection Society of India (WPSI – Sociedade de Proteção à Vida Selvagem da Índia). A aplicação da lei desmantelou numerosas gangues criminosas de tráfico, mas o WPSI registrou 56 mortes por caça e apreensão em 2021, a maior desde 2001.
Embora os tigres no sul da Ásia estejam relativamente bem protegidos, ainda há uma caça bem considerável no sudeste da Ásia, diz Goodrich. “Cada país precisa de suas próprias intervenções anti-caça”, explica ele, devido aos variados métodos de captura, caça ilegal e tráfico.
A carta curinga para tigres é a mudança climática. Nos manguezais Sundarbans de Bangladesh, um habitat chave, o nível do mar está subindo mais rápido do que quase em qualquer lugar da Terra, por exemplo; os cientistas preveem que grande parte desse delta pode estar debaixo d’água em 15 a 25 anos.
Mas ninguém ainda conseguiu prever com precisão os impactos climáticos em toda a gama de tigres. A Índia nos últimos tempos tem visto um clima muito quente, quebrando recordes de 122 anos. As chuvas de monções também estão mudando em intensidade, tempo e alcance geográfico.
Um declínio precipitado e uma mercadoria valiosa
O declínio precipitado das populações de tigres em direção à extinção data do início do século XX. Quando Rudyard Kipling publicou O Livro da Selva em 1894, cerca de 100.000 tigres selvagens vagavam por 30 nações asiáticas, hoje, eles somam talvez 5.000, divididos entre cinco subespécies, vivendo dentro de pequenos bolsões de ecossistema em 10 países. Tigres estão extintos em 93% do seu antigo território natural.
Eles foram dizimados devido à perda de habitat e outras atividades humanas: foram exterminados como pragas ou devido ao conflito com as pessoas; foram mortos em caças de troféus através do subcontinente indiano; e foram massacrados para retirarem suas peles durante a década de 1960 devido à febre da moda de casacos de pele nos EUA e na Europa. Os tigres foram protegidos pela primeira vez como uma espécie ameaçada de extinção pela CITES em 1975, tornando seu comércio ilegal.
Com uma crescente sede por valiosos tigres de origem selvagem, a demanda chinesa atingiu as populações de tigres na Índia, Nepal e Rússia no início da década de 1990. Tigres foram quase dizimados de redutos como Bandhavgarh na Índia, onde foi feita uma reserva de tigres em 1993. Uma crise global de caça ilegal foi declarada no ano seguinte. Agora, diz Banks, da EIA, “Facebook e WeChat estão repletos de peças de tigre e produtos à venda”. Ela acrescenta: “A situação está completamente fora de controle.”
Peças de tigre têm sido usadas por milênios, desde a confecção de talismãs até seu uso em métodos de cura. Quase tudo – dos bigodes à cauda – é usado na medicina tradicional chinesa, embora não haja nenhuma prova científica da sua eficácia. Os ossos são altamente cobiçados, usados para tratar doenças que vão desde dor nas articulações, epilepsia, calvície e dores de dente, até úlceras, febres, dores de cabeça — além de impotência sexual.
Mais recentemente, um relatório da CITES constatou que “‘riqueza’ [está] substituindo a ‘saúde’ como uma forma primária de motivação do consumidor”, com partes de tigre “agora consumidas menos como método de cura e mais como produtos exóticos de luxo”. Os itens mais procurados pelas elites incluem vinho de osso de tigre (produzido por ossos de tigre em vinho de arroz), decoração de pele de tigre, além de sua carne (servida como uma iguaria rara). Em um caso altamente divulgado, um magnata chinês identificado apenas como Sr. Xu foi condenado por comer pelo menos três tigres contrabandeados para a China. Ele admitiu ter “um apetite peculiar por comer pênis de tigre e beber sangue de tigre”.
Em outra investigação, o EIA descobriu que tigres selvagens traficados estavam sendo “lavados” através do comércio doméstico legal da China, que permite a comercialização de peles de tigre criados em cativeiro. Em 2020, um relatório de denunciantes da Fundação de Conservação e Desenvolvimento Verde da China, sem fins lucrativos, alegou que a organização Qinhuangdao Wildlife Rescue dissecou tigres e vendeu suas partes, postando evidências no Weibo, a versão chinesa do Twitter. O santuário de Qinhuangdao é administrado pela Associação de Conservação da Vida Selvagem da China, sancionada pelo governo chinês — uma organização com a qual muitas ONGs estrangeiras devem se associar para trabalhar no país asiático.
Com base no risco de doenças, a China fechou os mercados e feiras de vida selvagem e pelo menos 19.000 fazendas que criavam animais selvagens para consumo humano em 2020. No entanto, estima-se que 6.000 tigres na China ainda estão sendo criados em instalações legais que são designadas para operações de turismo, conservação ou reprodução.
No ano passado, o presidente chinês Xi Jinping declarou que sua nação deveria priorizar a preservação e o desenvolvimento da medicina tradicional chinesa (TCM). Ammann diz que se pergunta se a aprovação do governo pode levar aquelas pessoas que questionam a eficácia da TCM a serem acusadas de um ato criminoso.
Dentro da Sin City
O comércio de vida selvagem do mercado negro da Ásia continua sendo um grande negócio, avaliado em até US$ 23 bilhões por ano pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Redes criminosas organizadas estão frequentemente envolvidas neste mercado.
“Sin City” oferece um exemplo concreto de como a indústria ilegal de vida selvagem funciona dentro de grandes redes de crime organizado. Zhao Wei é presidente e detentor de uma participação de 80% no Grupo, ao qual em 1997 foi concedido um contrato de exploração de 99 anos sobre a Zona Econômica Especial do Triângulo Dourado (GTSEZ) de 3.000 hectares.
Ele também é um suposto chefão do crime organizado, acusado em 2018 pelo Departamento do Tesouro dos EUA. “A rede criminosa Zhao Wei se envolve em uma série de atividades ilícitas horrendas, incluindo tráfico de pessoas e prostituição infantil, tráfico de drogas e tráfico de animais selvagens”, disse Sigal Mandelker, ex-subsecretário de terrorismo e inteligência financeira do Departamento do Tesouro dos EUA. As operações de Wei são supostamente alimentadas por suborno e lavagem de dinheiro, através do cassino.
Wei descartou as alegações dos EUA como “um ato unilateral, extraterritorial, irracional e hegemônico de segundas intenções e rumores maliciosos”, alegando que ele dirige “operações comerciais legais e ordinárias supervisionadas pelas autoridades legais”.
Wei está agora bancando um porto de 50 milhões de dólares no Mekong, a montante de onde está localizado o empreendimento Kings Romans. O vice-primeiro-ministro do Lao, Bounthong Chitmany, participou da inauguração do novo porto.
Especialistas, incluindo Brian Eyler, membro sênior e diretor do programa sudeste asiático da organização sem fins lucrativos Stimson Center, acreditam que o centro de transporte poderia alavancar o contrabando. “Meu palpite é que o novo porto facilitará principalmente o comércio, tanto legal quanto ilícito, de mercadorias da China que beneficiarão os interesses comerciais chineses, tanto legais quanto ilícitos, no Laos”, disse ele à Rádio Free Asia.
O especialista em comércio de vida selvagem Karl Ammann acrescenta que “haverá muito pouco ou nenhum controle de alfândega e imigração”. E os empreendimentos desta franquia estão se expandindo perto da fronteira Laos-Camboja, com um complexo que inclui um novo aeroporto.
O comércio ilegal de tigres, executado com cumplicidade do governo, adiciona outro elemento à esta mistura ilícita e lúdica. Uma investigação de 2016 do jornal The Guardian descobriu que o governo do Laos licenciou duas fazendas de tigres e recebeu propinas de contrabandistas que traficam animais raros no valor de milhões de dólares. Em 2018, o Laos foi listado pelo Departamento de Estado dos EUA como uma nação onde o governo “ativamente se envolveu ou lucrou conscientemente” com o tráfico de espécies ameaçadas de extinção. O país é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre o Crime Organizado Transnacional e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.
Wei supostamente dirige a zona como seu feudo soberano, um posto avançado de fato para uma clientela chinesa de elite a apenas duas horas de carro da fronteira com a província chinesa de Yunnan. Mandarim é a língua primária falada em Sin City, enquanto as empresas de lá usam o yuan chinês. Os relógios estão marcados uma hora atrás do resto do Laos — para o horário de Pequim.
As instalações do Kings Romans estão no coração do “Triângulo Dourado”, onde Myanmar, Tailândia e Laos se encontram no rio Mekong. A região recebeu esse apelido na década de 1970, quando emergiu como um grande produtor de ópio e centro de tráfico de drogas.
Hoje o Triângulo Dourado está escoando metanfetamina. As duas maiores apreensões do Laos foram feitas na província de Bokeo, onde Wei opera: 55,6 milhões de tabletes de metanfetamina foram confiscados em uma batida em outubro e outros 36,5 milhões de tabletes além de 590 kg em cristais metanfetamina foram apreendidos em janeiro. Jeremy Douglas, representante regional do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, atribuiu o aumento da produção de drogas e o contrabando no Triângulo Dourado ao crime organizado.
Mas os supostos negócios criminosos de Wei incorporam um portfólio diversificado de produtos. “O lado negro da indústria de cassinos inclui o tráfico humano para o comércio sexual”, escreveu a EIA em seu relatório de 2015. Essas atividades têm estado em todos os noticiários. As garotas foram recrutadas para trabalhos de call center, vendendo ações em empresas da Zona Econômica Especial do Triângulo Dourado. Quando elas não conseguiam cumprir suas metas ultrajantes, as meninas eram forçadas a se prostituir ou eram mantidas reféns para pagar empresas que as “compravam” por mais de US$ 2.000, de acordo com a organização sem fins lucrativos Radio Free Asia. O serviço de notícias também informou que “centenas” de mulheres estão caindo no golpe.
As autoridades laosianas não puderam ter acesso ao local para investigar. “Há claramente um apoio político de alto escalão para Wei”, diz Banks. Isso não é surpreendente, já que o governo possui 20% da zona econômica especial. Fontes dizem que o complexo está “blindado” da polícia.
Tigres explorados no Sudeste Asiático e África do Sul
O Laos foi festejado em 2016, quando responsáveis se comprometeram a fechar fazendas comerciais de tigres. Mas então o governo se articulou, ordenando que as instalações se tornassem zoológicos para “conservação, turismo e fins científicos”.
As autoridades do Laos realizaram uma auditoria antes de a pandemia se alastrar, contando mais de 300 tigres nas cinco fazendas de tigres do país. Mas os padrões de DNA e listras desses tigres ainda estão para ser analisados, gerando dados que serão usados para apoiar medidas de aplicação da lei. Enquanto isso, houve apreensões de filhotes que entravam no Vietnã pelo Laos, onde claramente não foram tomadas medidas para parar as operações de reprodução comercial.
Criadores de tigres em todo o mundo camuflam a criação e o comércio dos pedaços destes animais de várias maneiras. O notório Joe Exotic, que tem fama de Rei dos Tigres, escondeu filhotes em cercadinhos na sua sala de estar durante inspeções oficiais em seu zoológico de Oklahoma. Antes de ser fechado para o tráfico de animais selvagens, o número de tigres permaneceu bastante estável no Templo do Tigre na Tailândia – um mosteiro budista que também fazia as vezes de ponto turístico de tigres; filhotes ou tigres contrabandeados substituíram aqueles que foram massacrados ou vendidos.
A Tailândia não é infame apenas pelo turismo de vida selvagem, mas também ocupa o segundo lugar em número de tigres em cativeiro. Tanto lá como na China, muitas fazendas de tigres se disfarçam de entretenimento enquanto comercializam estes animais por baixo dos panos.
Oficiais que apreendem tigres traficados ou inspecionam instalações em cativeiro têm uma ferramenta poderosa. Um laboratório forense na Tailândia continua a construir um banco de dados de DNA e perfil de listras para seus tigres em cativeiro e já registrou cerca de 2.000 tigres.
Mas as leis permanecem fracas, e falta aplicação rigorosa. Em uma apreensão de grande importância a polícia tailandesa capturou o chefão do comércio de vida selvagem, Boonchai Bach, para logo em seguida ver o caso sendo arquivado por falta de provas. O abade do Templo do Tigre Tailandês nunca foi julgado por tráfico, apesar da inegável prova de DNA coletada no caso.
O Vietnã fazendas de tigres licenciadas, mas o número de pessoas criando felinos de grande porte não registrados em seus quintais e porões aumentou. Acredita-se que haja mais de 100, apenas na província de Nghe An.
No entanto, a aplicação da lei no Vietnã recentemente “avançou”, diz Banks, embora “apreensões de contrabando [de tigres] sejam apenas uma fração do que pode realmente estar ocorrendo”. No verão passado, 24 tigres foram apreendidos em Nghe An, provavelmente vindo do Laos. Estatísticas compiladas em um relatório “Skin and Bones” da TRAFFIC, uma ONG que investiga o comércio de animais selvagens, descobriram que cerca de 90% dos tigres confiscados no Vietnã de 2000 a 2018 vieram do Laos.
Nos últimos anos, a África do Sul também entrou para a indústria de exploração de tigres, procriando intensamente estes animais em cativeiro para o comércio. De acordo com a lei nacional, os tigres são considerados uma “espécie alienígena” de forma que é autorizada a criação, a caça e a morte desta espécie. De 2016 a 2021, o país emitiu 51 autorizações para exportação de tigres vivos ou em pedaços, de acordo com um novo relatório da instituição FOUR PAWS International, com sede em Viena. Tigres vivos foram enviados para “zoológicos” no Vietnã (28 animais); China (25 indivíduos); e Bangladesh (8 felinos).
“Criadores, taxidermistas, agentes, matadouros e compradores estrangeiros… todos estão ativos na exportação de animais vivos, de pedaços de felinos de grande porte e de outros produtos derivados vindos da África do Sul para pontos conhecidos de comércio de animais selvagens em todo o mundo”, diz Fiona Miles, diretora da ONG na África do Sul.
A CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas) e os tigres
De acordo com uma decisão da CITES de 2007, os tigres devem ser criados apenas para fins de conservação, e “não serem criados para o comércio de seus pedaços e/ou produtos derivados”. Claramente, essa decisão está sendo desrespeitada e a CITES pouco fez para botá-la em pratica, o que poderia ter sido feito através da imposição de sanções, por exemplo.
Enquanto a Convenção trata principalmente do comércio internacional, Banks ressalta que “há um longo precedente da CITES fazer recomendações sobre mercados internos [nacionais] em outros momentos para espécies que incluíam rinocerontes, esturjão e antílopes tibetanos”. No entanto, especialistas observam que, para a China, tornou-se uma questão puramente doméstica: a nação parece sentir que tem o direito de tomar suas próprias decisões sobre o comércio de tigres dentro de suas próprias fronteiras.
Na reunião da CITES da COP17 em 2016, os delegados resolveram enviar uma missão para examinar “instalações preocupantes” que podem estar contrabandeando tigres criados em cativeiro para o mercado ilegal. Dois anos depois, o Secretariado da CITES identificou instalações em sete países: China (37 instalações), Lao PDR (6), Tailândia (10), Vietnã (7) República Tcheca (2) — e Estados Unidos (6), onde os tigres são criados como atrações exploratórias de acariciar filhotes.
Os critérios para “instalações preocupantes” incluíam terem ligações anteriores com o tráfico ou serem instalações que possuem 49 tigres ou mais, um número que, segundo os críticos, ignora pequenos criadores e traficantes.
Pouco aconteceu para avançar com as missões até 2021, quando cinco organizações sem fins lucrativos receberam o rascunho de um “manual de inspeção de instalações” encomendado pela Secretaria da CITES e tiveram apenas uma semana para fazer comentários sobre o documento. Isso causou um alvoroço: o documento, de acordo com as ONGs, era uma versão “tigralizada” de um manual compilado para répteis, escrito por dois defensores abertamente pró cultivo comercial de tigres, Kirsten Conrad e Hank Jenkins. O manual ignorava completamente a criminalidade e a corrupção, tendo recebido muitas críticas e, finalmente, sendo arquivado.
As inspeções provavelmente serão realizadas este ano, embora os inspetores “só visitem uma quantidade amostral [de instalações]”, escreveu David Morgan, funcionário do Secretariado da CITES, em um e-mail. Ele explicou que as fiscalizações “incluirão um especialista de nossos parceiros no Consórcio Internacional de Combate ao Crime Contra a Vida Selvagem” e também analisará as regulamentações nacionais relativas às instalações dos cativeiros.
Banks diz que implementar a decisão da CITES de 2007 e acabar com a reprodução comercial é fundamental para reduzir a demanda e proteger os tigres selvagens no longo prazo.
A boa notícia: quando os tigres, seu habitat e presas são protegidos, eles conseguem se recuperar. As fêmeas podem produzir de dois a três filhotes a cada dois anos, diz Goodrich, do instituto Panthera. E embora as ameaças sejam exponencialmente maiores do que quando ele estava começando seus esforços de conservação na década de 1980, “as pessoas estão inspiradas e avançando com novas ideias que espero que possam fazer a diferença”.
Fonte: Mongabay