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Animal tratado como animal

18 de maio de 2011
3 min. de leitura
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Giovana Damaceno
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Pagava o pacote de ração da minha gata no balcão da loja, quando a balconista pediu a outro funcionário que retornasse com o cão, que acabara de tomar banho, pois a guardiã dele chegaria atrasada. “Tranca lá dentro; ele é muito bagunceiro”. E nós, quando vimos o animal, claro, ficamos encantados com a beleza dele. Branquinho, peludo, orelhas grandes, todo escovado e com cara de sapeca. “Trancar? Tadinho!” E a vendedora me contou que o cãozinho com cara de Totó era, na verdade, um furacão.

“Mas, como assim, um furacão?”, quisemos entender. E ela nos explicou que o Bud – esse é o nome do cão – passara uma temporada na casa dela durante uma viagem da tutora e destruíra até o sofá. “O pobrezinho mora em apartamento e passa o dia inteiro trancado em um banheiro. Diz a guardiã dele que o leva a passear todos os dias, mas mesmo assim, acaba sendo pouco. Vai à rua, volta para o banheiro. Não vê nada, nem ninguém, nem pode brincar”, contou a balconista para a pequena plateia chocada em torno dela.

Minha pergunta é: por que quis ter um cachorro?

A resposta pode vir de diversas formas. A guardiã pode ter recebido o animal de presente, sem ter pedido ou se programado para isso; pode ter ficado com ele temporariamente, para colaborar com algum impedimento dentro da família e o bicho acabou ficando; morava numa casa e teve de se mudar para apartamento; ou comprou aquele filhotinho lindo, sem se dar conta de que filhote cresce, faz xixi, cocô, come sapatos, meias e, dependendo da raça e do tamanho, devora muita outras coisas dentro de casa. Quem tem a mínima noção destes detalhes se organiza para ter um animal. Chamamos a isso de tutela responsável.

Muita gente, mas muita mesmo, sequer tem noção do que é necessário saber para ter um animal em casa e praticar a tutela responsável. E isso tem um motivo básico: a maioria das pessoas ainda pensa que animal é objeto, brinquedo. E dá no que dá. Compram-se bichos, presenteia-se com bichos, leva-se bichos para casa como se fossem um pacote de biscoito. De repente, descobre-se que não era bem aquilo e a solução encontrada é descartá-lo, dando para alguém, ou jogando fora mesmo. Uma cultura antiga, primitiva, ignorante, de que animais em casa são peças decorativas e pronto.

Ao lado da minha casa há um cão neurótico, quase como o Bud. Ele vive numa exígua varanda, no segundo piso de uma residência de dois andares. A guardiã o leva a passear, segundo meu filho, que já viu a cena algumas vezes. Mas na maior parte do tempo ele está trancafiado naquela varanda, sem ver ninguém além das pessoas da casa. E quem sofre mais com isso além dele mesmo? Eu, claro. Quando ele consegue enfiar a cabeça pela grade a única coisa que vê é meu quintal e as janelas do meu quarto e da minha cozinha. E basta ouvir vozes que late, late muito, sem parar, praticamente nem respira. E o latido dele é fino, agudo, intermitente, irritante. Um latido tão solitário e neurótico que até meus cães parecem ficar com pena. Enquanto ele late desesperadamente com a cabeça na grade, os meus bichos ficam olhando, sentados, calados.

Animais precisam de espaço, contato com pessoas – tanto as da casa, quanto de fora –, espaço suficiente para ter comida e água longe do local onde fazem xixi e cocô. E, de preferência, soltos. Tenho dois cachorros que vivem em um quintal com tamanho de sobra para que corram à vontade. Alimentação de um lado, excrementos de outro. Possuem uma área protegida como também podem tomar sol quando querem. E não têm sequer coleira; vivem soltos, sempre. A coisa mais rara é ouvi-los latir.

Animais de estimação não devem ser tratados como gente mas, sim, como animais! Nisso já está embutido o respeito com que deveriam ser tratados todos os seres vivos. Simples.

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