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REMÉDIO NATURAL

Animais usam o bálsamo da cabreúva para curar doenças e espantar parasitas

17 de maio de 2022
4 min. de leitura
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Foto: LaP Unesp

Se você tem cachorro ou gato já deve ter visto o animal procurando plantas para comer quando tem algum desconforto digestivo. Alguns lambem terra ou pedras. A esse comportamento os cientistas dão o nome de zoofarmacognosia, uma união de três palavras gregas: zoo (animal), pharma (farmácia) e gnosia (conhecer). Traduzindo, zoofarmacognosia é quando o animal se automedica com elementos da natureza. Ele faz isso para prevenir ou controlar doenças e repelir parasitas.

A prática não se restringe aos cachorros e gatos. Entre os primatas, os babuínos (Papio sp.) se alimentam de folhas e frutos de uma árvore africana para controlar a esquistossomose, doença causada por vermes parasitas. Já os macacos-prego-de-cara-branca (Cebus capucinus) esfregam frutas cítricas na pele para repelir insetos e os orangotangos (Pongo pygmaeus) usam ervas antibacterianas e anti-inflamatórias nas articulações.

No Parque Estadual do Morro do Diabo, em São Paulo, o remédio preferido dos animais parece vir da cabreúva (Myroxylon peruiferum), árvore nativa do Brasil que pode chegar aos 30 metros de altura. Quando sofre algum ferimento no tronco, a cabreúva libera uma resina muito cheirosa que é bem conhecida pelos homens. Povos originários já usavam o bálsamo para tratar sarna, feridas, bronquite, reumatismo, infecções urinárias e até tuberculose. A casca é antibiótico, antifúngico e inibe a leishmaniose, além de matar as larvas do Aedes aegypti, vetor da dengue e febre amarela.

Pesquisadores da Unesp de Rio Claro, interior de São Paulo, espalharam câmeras no Morro do Diabo e durante 140 dias gravaram imagens inéditas de diversas espécies de mamíferos usando a resina da cabreúva (veja o vídeo). No artigo publicado na revista Biotropica, os especialistas indicam que comportamentos semelhantes a esfregar a pele nunca haviam sido documentados em catetos, tamanduás, gambás e morcegos.

Os ameaçados micos-leões-pretos (Leontopithecus chrysopygus) estão entre os maiores consumidores do remédio natural. “Esfregavam diretamente as regiões torácicas e abdominais nos troncos onde escorria o bálsamo. Eles também manipulavam frequentemente a casca, manchando bálsamo nas mãos antes de aplicá-lo indiretamente sobre o corpo e cauda. Além disso, em raras ocasiões, observamos os micos mordendo e lambendo o bálsamo, talvez para estimular a liberação do líquido pela árvore”, relatam os cientistas.

Carnívoros e muitos primatas costumam se esfregar em coisas com cheiro acentuado para para obter o que os pesquisadores chamam de “assinatura olfativa”. Fazem isso para marcar território ou se comunicar com outras espécies. Mas, segundo a professora e pesquisadora do Laboratório de Primatologia da Unesp e uma das autoras do artigo, Laurence Culot, o uso da cabreúva pelo os micos-leões-pretos vai além.

Foto: LaP Unesp

“Os micos-leões-pretos que seguimos mais de perto desde 2014 tem um comportamento diferente quando querem apenas uma assinatura olfativa. Nessas ocasiões, geralmente, um ou poucos indivíduos esfregam partes do corpo onde possuem glândulas em um galho e o evento é muito curto. No caso da cabreúva, todos os indivíduos podem ser envolvidos e a duração é muito maior. Observamos eventos de até 50 minutos o que é muito mais longo que os eventos de marcação que duram só alguns segundos. Juntando todos esses elementos, fazemos a hipótese que os mamíferos que registramos na cabreúva podem usá-la com este fim terapeutico ou profilático”, argumenta a pesquisadora.

Já a jaguatirica, veado-mateiro, a irara e os quatis costumam lamber a resina da cabreúva. Como aprenderam a fazer isso? Segundo Laurence Culot eles provavelmente foram primeiro atraídos pelo odor. “Os mamíferos dependem muito do olfato para forragear ou para se comunicar e a cabreúva tem um cheiro forte, agradável até para nós, tanto que é usado para fabricação de perfumes”, explica.

A seleção natural teria impulsionado a prática: ao longo de milênios, bichos que usavam a cabreúva podem ter vivido mais e se sobressaíram evolutivamente. Mas, segundo a professora, tudo ainda são hipóteses e novos estudos poderão comprovar o uso terapêutico da cabreúva pela fauna.

O estudo mostrou que as árvores da floresta são ainda mais importantes para os animais do que se imaginava. “Precisamos avaliar o quanto a presença das cabreúvas afeta a saúde dos mamíferos. Testar, por exemplo, se os mamíferos que vivem em áreas onde tem cabreúva ou maior abundância de cabreúva possuem menos ectoparasitas (tipo de parasita que se aloja na superfície externa do corpo). É muito importante do ponto de vista da conservação pensar que a floresta oferece não somente comida e abrigo, mas também recursos terapêuticos e profiláticos”, conclui a pesquisadora.

Fonte: G1 

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