A presença de animais no polo ativo de ações judiciais ainda é um evento novo para os brasileiros. Apesar disso, cada vez mais cresce o número de cães e gatos autores de suas próprias ações. É o caso de cachorros da raça yorkshire que eram explorados para reprodução e venda e agora lutam na Justiça por seus direitos.
Salvos de um canil após sofrerem maus-tratos, os cães foram resgatados em Divinópolis, em Minas Gerais, e figuram como autores de uma ação que pede reparação pelos crimes cometidos contra os animais.
De acordo com a advogada animalista Giseli Laguardia Cheim, “o Decreto lei n° 24.645, de julho de 1934, de autoria de Getúlio Vargas, fala expressamente que os animais podem ir a juízo, quando assistidos pelos membros do Ministério Público, a sociedade protetora dos animais ou tutores”.
Coordenadora do Grupo de Extensão em Ética Animal da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e presidente da recém-fundada Associação Nacional de Advogados Animalistas (ANAA), Giseli explicou à Revista Encontro que a visão antropocêntrica dos magistrados é o único obstáculo que impede os animais de permanecerem no polo ativo das ações. “Tudo tem sido feito com o amparo da lei, baseado na legislação brasileira”, asseverou.
No caso dos cães de Divinópolis, a presidente da Sociedade Protetora dos Animais (SPAD), Adriana Sbampato, que conseguiu a guarda provisória dos oito yorkshires na Justiça, explicou que “sendo eles as principais vítimas, eles mesmos pedem justiça”. A mulher que explorava os animais para venda responderá por crime de maus-tratos em ação civil e criminal.
Uma das maiores autoridades em Direito Animal no Brasil, o professor e juiz federal Vicente de Paula Ataide Junior reitera que o Brasil “possui uma estrutura legal que praticamente não se encontra em outras nações”. O especialista cita a Constituição Federal, que proíbe a crueldade contra animais, e a decisão de 2016 do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a vaquejada, considera inconstitucional. “Não foi o resultado do julgamento o mais importante. Foi a maneira como os ministros colocaram a situação, utilizando pela primeira vez o vocabulário do direito animal”, pontuou.
Cadela autora de ação pede indenização por danos morais
Um dos casos de cães autores de suas próprias ações é de Mel, uma cadela que engravidou em 2019 após ser levada para tomar banho em uma pet shop em Belo Horizonte (MG). A cadela, atualmente com seis anos, foi colocada pelo dono do estabelecimento para cruzar com um macho. Com sequelas no quadril resultantes de um atropelamento, Mel não poderia ter engravidado e, por isso, o caso foi parar na Justiça.
“Por ter sequelas no quadril em consequência de um atropelamento sofrido, ela jamais poderia ter cruzado”, afirmou a professora de balé Laysa Leão, de 32 anos. Advogada do caso, Gabriela Maia relata “que tanto a Mel quanto sua tutora são autoras” do processo. “Pleiteamos danos materiais para a tutora e danos morais para a vítima”, completou.
De acordo com Ataíde Junior, “o autor da ação é o animal que foi vítima, mas representado perante o poder judiciário por uma pessoa ou entidade”. Promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Monique Mosca Gonçalves completa que o “MP tem legitimidade para agir em defesa dos direitos dos animais em juízo”. “Atuamos realizando substituição processual”, afirmou a promotora, que é autora do livro “Dano Animal”, em que aborda a dimensão jurídica da proteção animal.