Oito animais resgatados por policiais militares após serem torturados e explorados em farras do boi foram recolhidos e covardemente mortos pela Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de SC (Cidasc). Eles estavam sob a guarda da Associação Catarinense de Proteção Animal (Acapra) há cerca de 10 meses e em breve seriam encaminhados para um santuário vegano onde teriam a oportunidade de viver o resto de suas vidas em segurança.
Além dos oito animais adultos, havia também um pequeno bezerrinho que nasceu após o resgate. Sua mãe foi maltratada por farristas grávida. Seus nomes eram Ratna, Lótus, Davi, Hanuman, Shiva, Nandi, Bhargô, Sidarta e Manu. A Cidasc invadiu o local com o auxilio da PM na última quarta-feira (16) e encaminhou os animais para um matadouro. Na quinta-feira (17) todos os animais já estavam mortos sem que os ativistas tivessem tempo de recorrer da atitude abusiva do órgão público.
A ação da Cidasc chocou os ativistas, pois o órgão já conhecia a história dos animais e já havia concordado com a doação e transferência deles para um santuário fora de Santa Catarina. A Prefeitura de Florianópolis cobria parte dos gastos dos bois e das vacas. Os animais também possuíam laudos confirmando que estavam saudáveis.
Renata Fortes, advogada da Acapra, considerou a atitude e incoerente e indicativo de abuso de poder. “A Cidasc sequer foi ver os animais. Se o abate sumário, que é uma das medidas e a mais radical por ser irreversível, por que não foi adotada antes? Foram 10 meses de irresponsabilidade da Cidasc? Essa contradição nós não vamos aceitar”, afirma.
O prefeito da cidade, Gean Loureiro, usou suas redes sociais para se posicionar contra o episódio lamentável. “Depois de mais de um ano tentando junto ao governo do Estado regularizar a situação deles, receber uma notícia dessas!! Do que valeu, então, salvarmos e custearmos a estadia desses animais para esse desfecho”, desabafou.
Em nota, a Cidasc diz que o recolhimento foi necessário por questões sanitárias, apesar dos animais possuírem documentos que compravam seu perfeito estado de saúde:
“A Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc) respeita todas as manifestações em solidariedade aos bovinos recolhidos na Farra do Boi e que estavam sob responsabilidade da Prefeitura de Florianópolis e da Associação Catarinense de Proteção aos Animais (ACAPRA). Queremos deixar claro que todo o nosso trabalho é voltado a garantir o bem-estar animal e a preservar a saúde pública e dos animais, respeitando as diretrizes estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Por isso queremos explicar alguns pontos importantes:
– Santa Catarina possui uma condição sanitária diferenciada de outros estados brasileiros. Nossos rebanhos não são vacinados contra febre aftosa, sendo assim não possuem anticorpos para combater essa doença. Para diferenciar o rebanho catarinense, todos os bovinos e búfalos criados no estado possuem um brinco de identificação. Bovinos e bubalinos sem esse brinco são considerados uma ameaça à saúde dos nossos animais e, por isso, precisam ser abatidos. Essa decisão é baseada na Lei Estadual n° 10.366, 1997 e Decreto Estadual n° 2.919, 1998.
– A entrada em Santa Catarina de um animal doente, ou até mesmo vacinado contra febre aftosa, representa um risco imenso e pode acabar com toda a produção de suínos e de bovinos do estado. O impacto social e econômico seria avassalador, principalmente na vida de milhares de famílias de produtores rurais que têm seu sustento baseado na produção agropecuária.
– Os bovinos recolhidos pela ACAPRA estavam sem o brinco de identificação oficial, sendo assim não era possível comprovar a sua origem e nem as condições nas quais foram criados. A falta do brinco oficial e da comprovação de origem dos bovinos explica também a impossibilidade de transporte desses animais para outros estados.
– É importante destacar que os animais não foram abatidos por estarem sendo usados na “Farra do Boi” e, sim, porque não estavam identificados com os brincos oficiais e não tinham a comprovação de origem – podendo colocar em risco a saúde de outros animais e da população. Toda essa situação foi causada porque criminosos utilizam animais clandestinos para praticar a “Farra do Boi”, considerada crime em Santa Catarina. Sem saber a origem dos animais, o risco é iminente e o abate é obrigatório”.
Entenda o caso
Em 2017 a Cidasc informou ao Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) que se desresponsabilizava do acompanhamento de operações e ações envolvendo farras do boi. Na ocasião, o órgão informou que a responsabilidade por essa fiscalização seria municipal, ou seja, cada cidade seria responsável pelo resgate e destino dos animais resgatados.
Após essa notificação, a Diretoria de Bem-Estar Animal de Florianópolis pediu ajuda à Acapra para dar um abrigo seguro aos animais resgatados. Sabendo que esses animais teriam uma chance, as operações policiais se concentraram em resgatar os animais com vida.
Segundo informações do NSC Total, em setembro, a prefeitura de Florianópolis passou a auxiliar com as despesas dos bois e vacas. Na página Farra do Boi Nunca Mais, nas redes sociais, o prefeito Gean Loureiro (MDB) diz que durante todo o ano passado o município esteve em contato com o Governo do Estado para regularizar a situação dos bois. “Infelizmente partiu para a solução mais fácil e absurda, abater os animais”, comentou.
Um ofício, assinado pelo prefeito e pela diretora de Bem-Estar Animal da Capital, Fabrícia Rosa Costa, foi enviado no dia 19 de dezembro ao ex-governador Eduardo Pinho Moreira (MDB) pedindo providências para agilizar a transferência dos bovinos. O documento diz que, em setembro, o então secretário de Agricultura e Pesca, Airton Spies, sinalizou positivamente para que os animais recebessem brinco de marcação em nome da ONG, e pudessem receber a guia de transporte para a doação a um santuário.
O ofício diz que os animais estavam microchipados e tinham laudo de saúde emitido pela veterinária da prefeitura. “A manutenção dos bovinos vivos e em bom estado de saúde é um compromisso assumido pelo município perante a sociedade após posição favorável da Cidasc à legalização dos animais”, diz o documento, que ressalta se tratar de um “esforço de destinação humanitária”.