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ENSAIO

Animais não humanos ensinam?

14 de novembro de 2024
Gabriele Mello
5 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

“Quem nunca perguntou: ‘será que os animais aprendem?’”, questiona Bruna de-Sá, pesquisadora e doutoranda do Laboratório de Etologia, Desenvolvimento e Interações Sociais (Ledis) do Instituto de Psicologia (IP) da USP. Em seus estudos, ela mirou em outra questão que pode ocorrer: “animais ensinam?” – e desenvolveu um ensaio voltado ao conceito e à ampliação do ensino entre animais não humanos.

O processo de ensino-aprendizagem muitas vezes é relacionado a salas de aula e metodologias muito específicas. “As pessoas têm curiosidade sobre isso, e é natural perguntar sobre outros animais”, explica de-Sá sobre a escolha do tema. Entretanto, a pesquisadora também lembra que o assunto é relevante para questionar o que acreditamos ser ensino-aprendizagem, e como ela exclui animais não humanos.

No mundo do comportamento animal, um dos principais exemplos de ensino é o de uma ave chamada popularmente de zaragateiro (Turdoides bicolor). Durante visitas aos filhotes para alimentá-los, o pássaro utiliza vocalizações específicas, que passavam a ser ligadas à alimentação pelos filhotes. Mais tarde, os pais levariam os filhotes até o alimento através desses sons, um método de ensino-aprendizagem conhecido como condicionamento clássico.

O ensaio se fundamenta na existência de diferentes definições para ensino. Com base em vários conceitos da etologia – especialidade que estuda o comportamento de animais não humanos – , a pesquisadora traz uma visão de que o aprendizado não é focado apenas na cognição mental, e enfatiza o papel da influência social e das interações entre os indivíduos e o ambiente para os processos de ensino e de aprendizagem.

Com embasamento em diversos pesquisadores – de Robert Hinde, um importante etólogo, a Paulo Freire, patrono da educação brasileira – Bruna de-Sá quis expandir o diálogo e possibilitar um debate sobre o tema. “A literatura [sobre aprendizagem em animais não humanos] é basicamente em inglês. Então, a gente achou legal trazer essa discussão também para a língua portuguesa, porque ela não se encerra na aprendizagem social”, diz a pesquisadora.

O ensaio, intitulado Reflexões sobre o Conceito de Ensino em Animais Humanos e Não Humanos a partir de uma Perspectiva Etológica, foi publicado na revista Cadernos de Psicologia.

É preciso intenção para ensinar?

As definições para ensino geralmente estão relacionadas à intencionalidade, ou seja, quem ensina está consciente e tem intenção de ensinar algo. Essa associação faz com que o ensino seja entendido como algo apenas humano, porque a intencionalidade não foi identificada nos demais animais.

Mas, nem mesmo os humanos trazem a bagagem requerida em todos os processos de ensino. “Tanto nós quanto os outros animais, não necessariamente estamos fazendo um planejamento simbólico para que o outro consiga aprender. Com os macacos, é uma coisa mais dinâmica, interativa. Então, a gente faz essa reflexão de que conosco também é dinâmica, interativa e, em grande parte, inconsciente. Pode não haver [intencionalidade] e pode haver”, explica Briseida Resende, coordenadora do Ledis e orientadora do trabalho.

Entre chimpanzés adultos e filhotes, já foi observado por pesquisadoras que existe uma mudança no comportamento para facilitar o aprendizado do mais jovem. Para abrir um coco, por exemplo, as mães costumam diminuir a velocidade da batida, ou ajustar a pedra para uma posição que atenda melhor ao objetivo enquanto o filhotes estão observando.

Resende, no entanto, lembra que na literatura, um caso relacionado ao ensino e amplamente discutido é o dos suricatos. Eles são insetívoros, mas também se alimentam de animais perigosos, como escorpiões e aranhas. E, conforme os filhotes vão crescendo, os adultos variam a forma como entregam a presa a eles, deixando o inseto cada vez mais vivo ou em pedaços maiores. Quando sozinhos, os suricatos adultos apenas ingerem o inseto. Ou seja, há uma mudança no comportamento.

Centralidade no cérebro

Outro aspecto levantado pelas pesquisadoras quando abordamos o ensino e a aprendizagem é a centralização da cognição no cérebro. Nesse caso, elas falam sobre a adoção de uma perspectiva que englobe o cérebro, o corpo e o ambiente, para dar destaque ao contexto em que o ensino ocorre.

A cognição corporeada é uma teoria que aborda a descentralização da cognição, abrangendo a importância da sensorialidade, percepção e ação do indivíduo para a construção do aprendizado.

A importância do contexto também trata sobre a agência – conceito filosófico que fala sobre a capacidade dos indivíduos de agir sobre o ambiente. Usando a teoria de construção de nichos, que diz que os indivíduos são agentes de transformação do ambiente, as pesquisadoras puderam enfatizar a importância da tríade professor-aluno-ambiente, aplicando um paralelo entre a pedagogia libertadora, desenvolvida por Paulo Freire, e a importância das interações sociais no entendimento do contexto social, assunto estudado por Robert Hinde.

“[Hinde] ressalta como o comportamento de um indivíduo em uma interação só faz sentido se a gente olhar o de um outro [indivíduo]. E a gente faz um paralelo com Paulo Freire, que fala sobre como, no processo do ensino, o docente e o aluno se misturam. Não se explica um sem o outro”, diz a pesquisadora.

Experimentos realizados em animais não humanos, muitas vezes, são feitos em ambientes e situações artificiais e que não fazem parte do contexto dos animais. Por isso, uma das questões do ensaio é se experimentos restritivos são a melhor opção para o avanço dos estudos na área. “A gente quer entender o animal na sua essência de animal. Não queremos transformar o macaco em gente, mas discutir com parcimônia esses processos de aprendizagem”, diz Resende.

Fonte: USP

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