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Animais na visão da mídia e bom senso

4 de janeiro de 2012
4 min. de leitura
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exploracao
É impossível que alguém viva sem saber de todas as questões destrutivas que existem neste mundo – na teoria. Pois a popularização dos meios de comunicação, incluindo aí a Internet, poderia dar todos caminhos para quem queira se informar, e então estar sabendo das verdades. Por exemplo, que há um massacre diário de animais em cada abatedouro, pois as bondosas famílias aguardam ansiosas, com dinheiro na mão, pelo resultado de um trabalho sujo que ninguém topa fazer.
Mas nisso entram dois básicos problemas da mídia.
O primeiro da fila é que muita gente aposta todas as fichas na Imprensa quatrocentona, veículos tradicionais e, sendo assim, acima de qualquer suspeita. Não dá para ser ingênuo e não perceber que, infelizmente, noticiário e entretenimento puxam para algum lado – não digo isso como quem sempre acha que há monstros debaixo da cama, mas sempre me pareceu uma tendência natural a partir do mantra ‘ordens lá de cima’. E uma rápida passada de olhos pelos donos da mídia – www.donosdamidia.com.br – faz qualquer incauto ver que algumas poucas famílias são donas de muitos veículos de comunicação no Brasil, muitos políticos do estilo ‘você trocaria um cheque dele?’ e oligopólios afins ditam o que se vê, lê, ouve, ri, chora, torce, ama, odeia, sabe.
O que nos leva ao segundo ponto. Dentro dessas estruturas em parte comprometidas com interesses outros que não sejam os de informar isentamente, quem lá trabalha, ou manda, vai guiado pelo bom senso. E que diabos de bom senso nós temos hoje? Não se critica isto ou aquilo, deve-se criticar aquilo outro, ‘é consenso que a humanidade inteira’ espera tal coisa, ‘o eleitorado brasileiro’ pensa X, ‘o jovem que entra no mercado de trabalho’ quer Y’, e outros conceitos fabricados em linha de montagem.
(No ano passado participei do Curso de Gênero, Raça e Etnia Para Jornalistas, e a quantidade de clichês, preconceitos e lendas urbanas que iam caindo por terra à medida que as aulas avançavam era impressionante.)
Então a mídia média vai batendo seu tambor para reproduzir aquilo que parece sensato, bem-comportado, ‘aceito por todos’. Aquilo que possa ser dito em reunião social sem causar mal-estar ou constrangimento aos presentes.
E isso, obviamente, inclui toda a gama de eufemismos para encobrir cárcere, tortura, trabalhos forçados, isolamento e morte dos animais não-humanos. Lembro de uma matéria sobre a ‘tradição’ – eufemismo para conservadorismo – de castração a seco dos touros aqui no RS, apesar da probição pelas autoridades. Em dado momento, a jornalistazinha disse algo como “… mas o procedimento é indolor, garantem os pecuaristas”. Só quem nunca foi ao dentista, digamos, ou que não tenha genitais, pode dizer sem rubor nas faces que passar uma faca de churrasco nos testículos é indolor. Mas essa frase passou batido, uma coisa tipo ‘ok, uns são a favor, outros são contra, vá lá’, e apenas reforçou valores equivocados na cabeça de quem estava lendo. A repórter não colocaria o emprego em risco ao apresentar para o chefe uma denúncia-bomba sobre toda a sorte de dor e exploração aos quais os animais de fazenda são submetidos. E esse mecanismo explica muito sobre a produção de notícias, senhores leitores.
Nenhuma reportagem sobre o agronegócio traz o contraponto, ‘o outro lado’, sobre destruição ambiental, péssimos hábitos alimentares e – sacrilégio do sacrilégio! – exploração de animais a bel-prazer, para fins de lucro. Entretanto, toda vez que eu ou alguém da Vanguarda Abolicionista estivemos na grande Imprensa para tratar de zoológicos, pecuária, testes em animais, carroças ou whatever, havia sempre a réplica do ‘outro lado’. Geralmente em tom desdenhoso, puxando argumentos demagógicos ou fazendo parecer que nós haviamos “assistido a muitos filmes de Walt Disney na infância”, como disse Eric Clapton em sua autobiografia, referindo-se aos ativistas pelos direitos animais.
Então, meu medo é que essa informação pasteurizada que é entregue de lar em lar esteja fazendo as pessoas ligarem seus mecanismos de defesa/indiferença, aquela coisa de ‘este mundo está perdido, mas fazer o quê?’. Das criancinhas esfomeadas na África ao trabalho escravo na China, dos conflitos no Oriente Médio às FARC na Colômbia, o cidadão médio apenas vai vendo tudo plano, tudo obrigatório e sem muito o que fazer. E nessa hora o sistema já oferece o passatempo para relaxar a cabeça, seja uma cervejinha ou um novo modelo de celular. Não há ponto sem nó.
E a verdade sobre a realidade dos animais não-humanos fica à mercê do ‘bom senso’ de toda essa gente.

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