Animais domésticos já são parte fundamental da família e da economia brasileira
Pesquisa da USP evidencia aumento relevante nas despesas com animais nas últimas décadas, surgimento de novos serviços especializados e tendência de crescimento no mercado externo
9 de outubro de 2025
Gabriela Nangino
8 min. de leitura
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Foto: @freepic-diller – Freepik
Segundo levantamento realizado pelo Instituto Quaest em 2024, o Brasil é o terceiro país mais populoso em número de animais domésticos. Enquanto a quantidade de filhos por residência está em queda – em 2003, o tamanho médio das famílias era de 3,62 pessoas e, em 2022, chegou a 2,8 pessoas — o número de cães e gatos está em crescimento, e alcançou razão de 2,3 animais por domicílio no mesmo período. Pesquisas recentes ressaltam que a presença de animais na casa pode ter benefícios psicossociais, contribuindo para a saúde mental e para o desenvolvimento afetivo dos seus tutores.
Além das mudanças no núcleo familiar, os animais domésticos também se tornam parte essencial da economia brasileira. Entre 2002 e 2018, o número de famílias que declararam despesas com animais quase triplicou (de 11,72% para 30,27%). Recentemente, ambientes pet friendly se alastraram pelo País: cães e gatos são bem-vindos em shoppings, cafés, sorveterias e bares, que oferecem até mesmo produtos específicos para eles.
Em sua tese de doutorado, Clécia Satel, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP sob orientação do professor Rodolfo Hoffmann, analisou mudanças na renda, nos hábitos das famílias e no consumo de produtos para animais no Brasil. “Antigamente, os gastos eram praticamente com ração e medicamentos, e agora temos variedades de serviços e itens, desde roupas até petiscos que alimentam grandes indústrias”, comenta.
A partir de dados das Pesquisas de Orçamento Familiares (POF) de 2002-2003, 2008-2009 e 2017-2018, a cientista buscou entender como os novos arranjos familiares e o poder aquisitivo das famílias influenciaram nessas despesas. Segundo ela, a mudança na relação estabelecida com os animais domésticos e no investimento financeiro dos tutores não ocorreu apenas entre os mais ricos, mas também na classe média.
O desempenho econômico do setor para animais, que está em plena expansão no País, também demanda atenção. “Entender como e porque as famílias gastam com animais domésticos ajuda a orientar políticas públicas, negócios e até estratégias de exportação”, afirma a cientista.
Foto: Reprodução do artigo
Metodologia de pesquisa
Para realizar essa análise, a pesquisadora organizou as despesas com animais domésticos em quatro grandes grupos: despesas com saúde, com destaque no subgrupo plano de saúde; higiene; ração, com destaque no subgrupo petiscos; e outras despesas, com destaque para compra de animal, adestramento, certificado de raça e hospedagem. As variáveis adotadas foram escolaridade do tutor, renda familiar per capita e arranjo familiar.
Ao longo do tempo, houve um aumento de arranjos familiares com até três pessoas e redução dos outros tipos. O arranjo “casal com dois filhos ou mais” teve um decréscimo de 10% entre 2002-2003 e 2017-2018. Simultaneamente, a estrutura familiar “casal” cresceu 114,2% , e teve a maior despesa mensal com animais em 2018.
A despesa total média com animais, considerando diferentes arranjos familiares, apresentou um aumento total de 145%, indo de R$ 8,32 em 2002-2003 a R$ 20,42 em 2017-2018. A maior parte desses valores foi destinada à alimentação e aos cuidados com a saúde dos animais, seguida de higiene. “Na última POF [2017-2018], já houve um gasto substancial com plano de saúde, que na de 2008-2009 não aparecia”, pontua Clécia.
É importante ressaltar que esse cálculo considera as famílias que não possuem nenhum animal doméstico. “Para um animal frequentar uma creche, o gasto mínimo do tutor é R$ 800 reais por mês”, diz Clécia, indicando que o gasto pode ser muito maior.
Famílias com menos integrantes e maior renda tendem a possuir mais animais, gastar mais com alimentação e cuidados especializados, enquanto famílias com bebês pequenos ou idosos tendem a gastar menos. O nível de escolaridade também teve grande impacto: quando o chefe da família tinha título de mestre, o valor gasto com os animais atingiu R$ 88,41 em 2018.
As Unidades Federativas com maiores rendas são também as que mais gastam com os animais domésticos, com destaque para as regiões Sul, Centro-Oeste e o Estado de São Paulo.
Percentual de famílias que têm despesas com animais, em cada estado do Brasil. “Além de ter maior renda per capita, essas regiões também têm número menor de pessoas por domicílio do que o Norte e o Nordeste”, aponta a pesquisadora. Foto: retirada do artigo
A metodologia de razões de concentração permite identificar quais despesas são mais comuns em diferentes estratos sociais. “Quanto mais próximo de um, mais ela é concentrada nas pessoas com maior poder de aquisição, e quanto mais próximo de zero ou negativo, mais ela é concentrada nos mais pobres”, explica.
Em 2017-2018, essa diferença foi expressiva, principalmente nas despesas consideradas não essenciais: a razão de concentração para hospedagem foi 0,982; para adestramento, 0,935; para plano de saúde, 0,896; para certificado de raça 0,887 e para petiscos, 0,711. “Quando nós observamos essas despesas, elas também têm uma elasticidade maior – ou seja, quando a pessoa muda a sua renda, ela consegue comprar mais desse produto”, afirma. Despesas básicas, como ração para aves, concentram-se em famílias de menor renda.
Ela acrescenta que essas mudanças se acentuaram ainda mais desde 2018 até os dias de hoje, e a próxima POF, que será lançada em 2026, deve trazer insights valiosos para entender essa evolução. “Durante a pandemia, aumentou muito o número de pessoas com animais domésticos, então a divulgação desses dados vai revelar uma diferença muito grande”, comenta.
Uma mudança cultural
A partir dos dados obtidos, Clécia infere que, principalmente nas regiões mais ricas, está ocorrendo um fenômeno conhecido como pet parenting. Isso significa que os animais são considerados verdadeiros membros da família, e tratados de forma similar a filhos humanos: tutores oferecem alto nível de cuidado, atenção e investimento de tempo e recursos, enxergando seus animais domésticos como seres com sentimentos e necessidades próprias.
Em entrevistas com famílias, a maioria afirmou que estabelece um vínculo emocional profundo com seus animais domésticos, e que a presença do animal promove melhorias no bem-estar cotidiano da casa. “Muitos casais estão optando por não ter filhos ou deixando para o futuro, e encontram num animal doméstico uma companhia que não exige tamanho compromisso”, comenta a pesquisadora.
Dados já evidenciam que ter um animal pode melhorar o condicionamento do tutor, pois estimula a prática de atividades físicas, e tem impactos positivos na saúde mental, até mesmo auxiliando pacientes com depressão. Entretanto, havia uma escassez de evidências econômicas.
A perspectiva é que o nicho de mercado de serviços não essenciais (como plano de saúde e hospedagem) se torne cada vez mais lucrativo. “Muitos colocam o seu animal doméstico numa creche mensalmente – vão trabalhar, deixam ele na creche e pegam no final do dia, semelhante a uma criança – e as despesas vão mudando”, afirma.
Segundo Clécia, mudanças históricas podem ser pontuadas a partir dessa análise. Para as famílias de classes mais baixas, o gasto com animais pode comprometer uma parte substancial da renda, o que leva muitas pessoas a alimentarem seus animais com sobras de comida. Antes do ano 2000 essa prática era observada em todas as classes sociais.
Porém, a partir da virada do milênio, a alimentação diferenciada tornou-se um produto de luxo – e o mercado de rações especiais e produtos frescos ganhou força entre os mais ricos. No ramo de higiene e estética, também surgiram serviços inéditos, como massagem muscular, banhos de creme, tonalizantes, alongamento de unhas e vestimentas para cães.
“Empresas estão começando a oferecer aos funcionários o direito de acrescentar o animal no seu plano de saúde, então essa mudança cultural é muito forte”, comenta Clécia. “O tutor está disposto a investir em uma hospedagem mais aconchegante para o seu animal. Empresas aéreas, por exemplo, já lutam para embarcar o animal na cabine.”
Transformações econômicas são um reflexo direto do papel que os animais exercem nos núcleos familiares e do local que eles ocupam na sociedade. Atualmente, há um projeto em tramitação no Senado para definir um Dia dos Pais e Mães de Animais. A data escolhida é o dia 4 de outubro – dia de São Francisco de Assis, santo protetor dos animais.
A tese Household expenses with pets in Brazil: evolution and determinants está disponível on-line e pode ser lida aqui.