O que influencia suas decisões sobre carreira, família, saúde e vida social? Geralmente justificamos essas escolhas falando sobre nossas aspirações profissionais e pessoais, realidades financeiras, e necessidades familiares. No entanto, para um número crescente de pessoas, um novo elemento é central nesse cenário: o animal doméstico. E pesquisas mostram que seu impacto vai além do companheirismo.
Como psicoterapeuta e pesquisadora que explora a influência dos animais na vida das pessoas há mais de uma década, parte do meu trabalho é entender as necessidades dos tutores e como melhor apoiá-los. Esse tipo de estudo tem ganhado mais atenção nas últimas décadas.
Várias pesquisas mostram que acompanhar a evolução do papel dos animais na sociedade moderna é essencial não apenas para ajustar os serviços às necessidades das pessoas, mas também para entender melhor como eles podem moldar as identidades, valores e prioridades das pessoas.
Vai mudar de emprego ou viajar? Fale com seu animal doméstico primeiro
Uma pesquisa com 1.800 tutores revelou o quão profunda é essa conexão: 30% daqueles que trabalham online disseram que estariam mais inclinados a voltar ao escritório se pudessem trazer seus animais para o escritório. Quase um terço valoriza o tempo de folga especificamente para cuidar de seus animais, e um quarto gostaria de ver vantagens relacionadas a animais domésticos incluídas nos seus benefícios como funcionários.
Outra pesquisa envolveu 5.000 tutores americanos e revelou que especialmente entre casais sem filhos os animais influenciam decisões desde viagens até compromissos sociais ou trabalho. Muitos preferem cancelar eventos sociais ou faltar ao trabalho para cuidar de seus cães e gatos. Outros apontam que gastam mais com seus animais domésticos do que com eles mesmos.
Entre os millenials, essa tendência comportamental é ainda mais evidente e 60% deles considerariam mudar de emprego se em suas posições atuais encontrassem barreiras para cuidar de seus cães e gatos. Alguns foram mais longe e já mudaram de emprego por causa das necessidades relacionadas aos seus animais domésticos.
Além disso, durante o dia de trabalho, tutores pensam em seus animais domésticos cerca de uma vez por hora. Quase 50% dos tutores descrevem sintomas relacionados à ansiedade de separação quando não estão com seus cães ou gatos, e mais da metade teme que o animal possa estar sofrendo com sua ausência.
Para além do ambiente de trabalho, os animais também estão influenciando as escolhas de viagem, com uma maior demanda por certificados de viagem para cães e gatos nos EUA e outros países.
Outra pesquisa aponta que alguns preferem não viajar com a mesma frequência após adotarem um animal pois não querem deixá-lo sozinho.
O que essa mudança traz de bom e o que pode complicar
Financeiramente, os animais domésticos estão se tornando membros de alta prioridade da família. Uma pesquisa da LifeHealth mostrou que muitos americanos gastam mais com cuidados com seus animais do que com eles. Da forma semelhante, um estudo do Reino Unido descobriu que 71% dos proprietários gastam mais com seus animais do que com eles mesmos.
Esse vínculo emocional cada vez mais profundo tem levado à importantes mudanças culturais. Alguns estudos sugerem uma tendência crescente de “humanização” dos animais domésticos, com cães e gatos sendo tratados como crianças em festas de aniversário e outras formas de cuidado. Embora não seja universal, essa mudança reflete mudanças mais amplas no estilo de vida e até mesmo ligações com o declínio das taxas de natalidade.
É importante destacar que embora perceber o animal como membro da família tenha um impacto positivo na saúde mental, ignorar as reais necessidades dos animais e humanizá-los pode ter consequências negativas para o bem-estar dos animais domésticos e seus tutores, incluindo ansiedade e dependência emocional.
O impacto real por trás dessas decisões “simples”
Essas transformações na forma como as pessoas vivem e cuidam de seus animais dizem muito sobre o que é importante para elas, mostrando como elas se veem, o que valorizam e o que estão dispostas a priorizar. O que muitas vezes é descartado como um “detalhe fofo” é, na verdade, uma janela para a estrutura emocional e o pertencimento social.
Nessas pesquisas, muitos tutores apontam o poder terapêutico e o impacto emocional dos seus cães e gatos. Cerca de 95% dos tutores avaliam que ter um animal domésticos teve um impacto positivo em sua saúde mental e 56% deles dizem que ele literalmente salvou suas vidas.
Quando os profissionais de saúde ou serviços sociais levam em consideração esse aspecto da vida das pessoas, eles estão mais bem equipados para entender o que realmente está acontecendo na mente delas quando fazem escolhas específicas relacionadas a áreas importantes de suas vidas. Não se trata apenas de animais como meros detalhes. Na verdade, trata-se de conexão, identidade e decisões diárias.
Entender como os animais domésticos têm influenciado as principais decisões da vida pode oferecer informações úteis para profissionais de saúde e serviços sociais. No entanto, os profissionais de saúde raramente incluem perguntas sobre animais domésticos nas avaliações clínicas. Uma mudança em perspectiva pode ajudar profissionais da saúde a entender melhor se e como a relação entre as pessoas e seus animais de companhia impactam o bem-estar emocional e as decisões diárias.
Levar os animais a sério é entender o mundo como ele é hoje
Embora antes a trajetória de vida padrão envolvia primeiramente casamento, filhos e uma carreira estável, hoje em dia muitos idealizam futuros em que seus animais domésticos são figuras centrais. Algumas pessoas estão dispostas a ganhar menos, mudar de emprego ou alterar as opções de moradia para priorizar as necessidades de seus animais. Essas não são apenas preferências isoladas. Elas refletem mudanças mais amplas que refletem uma transformação em como as pessoas se definem.
O que esses estudos deixam claro é que precisamos parar de tratar os relacionamentos com cães e gatos como simples notas de rodapé e começar a reconhecê-los como fatores essenciais na formação de identidade e tomada de decisões, especialmente para as gerações mais jovens. Levar esses dados a sério significa construir estruturas mais inclusivas e responsivas de forma que reflitam como as pessoas vivem e com o que (ou com quem) elas se importam.
Em sua essência, essa perspectiva abre as portas para um cuidado mais empático, onde as pessoas se sentem reconhecidas, apoiadas e emocionalmente valorizadas.
Fonte: SuperInteressante