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ESTUDO

Animais amazônicos podem usar adaptações genéticas contra mudanças climáticas

Uma hipótese é que as respostas da espécie de lagarto estudada às alterações ambientais possam ser repetidas em outras espécies de animais

31 de maio de 2024
Redação D24am.
5 min. de leitura
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Foto: Cláudio Dias Timm | Wikimedia Commons

Um recente estudo, publicado no jornal “Diversity and Distributions”, revelou que animais da Amazônia podem possuir condições genéticas adaptáveis às mudanças climáticas.

O estudo foi conduzido por uma equipe internacional liderada por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) em colaboração com pesquisadores da Universidade de Gotemburgo (Suécia), Kew Botanical Gardens (Reino Unido) e Universidade de Brasília (UnB/Brasil). O artigo também aponta estratégias para a manutenção desses processos biológicos fundamentais no bioma.

Buscando entender como os animais amazônicos podem se adaptar às mudanças climáticas, o grupo de pesquisadores utilizou o calango da mata rabo-de-chicote (Kentropyx calcarata), utilizando dados genéticos amostrados em populações naturais para inferir adaptação climática, dados climáticos atuais e projeções para 2040, 2070 e 2100 com base nos cenários do Coupled Model Intercomparison Project. Além disso, foram utilizados dados de desmatamento para prever onde esses grupos poderão viver no futuro.

No total foram analisadas e coletadas  amostras de 112 lagartos de várias regiões geográficas. A partir disso a equipe, utilizando análises de associação genoma-ambiente, identificou as regiões do genoma (loci ou SNPs, do inglês single nucleotide polymorphism) que indicam variação genética adaptativa ao clima, identificando diferentes grupos genéticos adaptados a climas específicos, como áreas secas e mais sazonais no sudoeste da Amazônia e ao longo da região de transição entre a Amazônia e o Cerrado e áreas úmidas e menos sazonais da Amazônia central.

Foram usados modelos de como serão as temperaturas nessas áreas até 2100. A equipe avaliou a distribuição geográfica e potencial de resgate evolutivo entre populações da espécie em dois cenários, o moderado, com mudanças climáticas moderadas em relação ao clima que temos hoje, e o extremo, para onde estamos caminhando, com mais emissão de carbono e climas mais extremos em relação ao clima atual. As comparações apontam que, no cenário extremo, existe uma grande perda da distribuição potencial indicando alto risco de extinção local da espécie. Por outro lado, o que se mostra é que se a humanidade controlar as emissões de carbono, há uma previsão melhor quanto à distribuição potencial e o resgate evolutivo da espécie.

Paralelo a isso, os cientistas analisaram um conjunto de dados sobre a cobertura vegetal e o impacto humano, em cenários moderados e extremos. Nos cenários moderados, em que a floresta permanece do jeito que está, a espécie tem um bom potencial para se adaptar às mudanças climáticas até 2070. Mas se a floresta chegar a cenários extremos, de desmatamento e mudanças climáticas severas, essa variação genética pode não ser suficiente para evitar a extinção de populações locais, reduzindo também o potencial de adaptação da espécie como um todo.

Resgate evolutivo

O resgate evolutivo é a possibilidade das  adaptações evolutivas já existentes se espalharem ao longo da distribuição da espécie, prevenindo a extinção local frente às potenciais mudanças ambientais. Parte da espécie está distribuída em regiões mais secas da Amazônia e outras em partes mais úmidas. Como o clima tende a mudar, tendendo a ser mais seco e quente, o resgate evolutivo acontecerá quando indivíduos dessas populações adaptadas a regiões mais quentes conseguirem se manter e no futuro acessar através da dispersão na paisagem  aquelas populações que perderam as áreas geográficas adequadas à distribuição.

Josué Azevedo, pós-doutorando do Inpa e primeiro autor do artigo, diz que se esses indivíduos das áreas mais secas migrarem para os lugares em que os indivíduos de áreas úmidas foram extintos, evitarão que a espécie desapareça daquela região. “Nossos resultados mostram que, em cenários de mudanças climáticas moderadas mantendo a cobertura florestal, esta espécie tem um alto potencial de se valer de suas pré-adaptações e sobreviver até 2070 por meio do processo biológico natural de resgate evolutivo”, explica.

O estudo sugere que outros animais podem ter adaptações similares. Uma hipótese avaliada pelo grupo de pesquisa é que a resposta do lagarto às alterações ambientais possa ser repetida em outras espécies.

Uma chamada à ação para proteção

O estudo mostra que  as populações na região de transição entre a Amazônia e o Cerrado, que estão sob forte impacto humano e desmatamento, são fontes importantes de variação genética que ajudam na adaptação da espécie. Os pesquisadores afirmam que a persistência e dispersão de indivíduos com variantes genéticas adaptativas pode ser um mecanismo essencial para a manutenção da biodiversidade, potencialmente prevenindo processos demográficos que poderiam levar à extinção local.

Fernanda Werneck, pesquisadora do Inpa e líder  do estudo, diz que as descobertas mostram que diferentes populações da fauna possuem vulnerabilidades e potenciais adaptativos distintos às mudanças climáticas e que essa variação precisa ser considerada para se construir estratégias de conservação da biodiversidade mais efetivas frente às mudanças ambientais em curso. Além disso,  isso poderia não apenas salvar a espécie focal do estudo, mas também preservar a rica biodiversidade da região que depende da floresta para sobreviver.

“Apesar de parecerem pessimistas em um primeiro momento, nossos resultados reforçam janelas de oportunidade de ação e a urgência de políticas eficazes de conservação que integrem a proteção da floresta Amazônica e ações para mitigar os impactos das mudanças climáticas através de processos biológicos que evoluíram ao longo da história de formação das espécies e populações naturais”, frisa Werneck.

Colaboração

O estudo, uma colaboração entre pesquisadores do Inpa, Universidade de Gotemburgo (Suécia), Kew Botanical Gardens e Universidade de Brasília. Foi financiado por Agências Nacionais: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e Instituições Privadas Nacionais: Instituto Serrapilheira. Agências Internacionais: Swedish Research Council, Royal Botanic Gardens, Kew,  NAS/USAID PEER Program, L’Oréal-UNESCO-ABC For Women In Science.

Fonte: D24am.

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