Um estudo apoiado pela FAPESP e publicado na revista Integrative Organismal Biology mostra que, pelo menos para os anfíbios da Mata Atlântica, isso não é necessariamente verdadeiro.
O trabalho, assinado por pesquisadores brasileiros que atuam em instituições do Brasil, Estados Unidos e Emirados Árabes, aponta que algumas populações vivendo em montanhas, onde a amplitude térmica é grande, não possuem necessariamente maior amplitude de tolerância a mudanças de temperatura do que populações em áreas de menor altitude.
“Essa relação entre maior amplitude térmica e maior amplitude de tolerância às mudanças só ocorreu em duas das cinco espécies que analisamos no estudo”, explica Rafael Bovo, primeiro autor do trabalho, realizado como parte de seu estágio de pós-doutorado no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) com bolsa da FAPESP.
Uma vez que uma mesma espécie pode estar presente tanto alguns poucos metros acima do nível do mar quanto no alto de montanhas, uma parte importante do trabalho dos pesquisadores foi justamente garantir amostras de populações de uma mesma espécie distribuídas em diferentes altitudes.
Os testes fisiológicos feitos nos anfíbios indicaram que as espécies não necessariamente têm um valor fixo de tolerância térmica. Portanto, diferentes populações podem apresentar maior ou menor tolerância às mudanças no clima.
Segundo as análises, maior tolerância ao frio em populações vivendo em maiores altitudes, onde o clima é mais frio, não necessariamente levou ao aumento da amplitude (janela) térmica. Essa janela é determinada por mais de um fator, como exposição prévia (aclimatação) ou adaptação à temperatura.
“Se analisarmos apenas a tolerância térmica, não é seguro afirmar que todos os anfíbios tropicais estão ameaçados pelas mudanças climáticas globais. Mostramos, na verdade, que algumas populações têm maior potencial para suportar alterações, às vezes até comparáveis com espécies de regiões temperadas que, normalmente, possuem maior amplitude de tolerância térmica do que espécies tropicais”, conta Bovo, atualmente pesquisador associado à Universidade da Califórnia em Riverside, nos Estados Unidos.
Da mesma forma, o estudo mostra que certas populações em uma área de baixa altitude, como a da pererequinha-do-brejo (Dendropsophus minutus), estão vivendo próximas do limite de sua tolerância térmica. Por isso, podem não suportar um aumento maior de temperatura. Parte dos resultados foi obtida durante o doutorado de Bovo no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro, também com bolsa da FAPESP.
Uma explicação para que anfíbios vivendo em maiores amplitudes térmicas não tenham adquirido maior janela de tolerância é o fato de muitos passarem a maior parte do dia abrigados, saindo para caçar e se reproduzir apenas à noite. Com isso, se poupam das maiores temperaturas do dia e evitam grandes mudanças nas tolerâncias ao calor.
Por outro lado, anfíbios ativos à noite ficam expostos a temperaturas mais frias, especialmente no alto das montanhas, levando a maiores tolerâncias ao frio. Em consequência, apenas a mudança na tolerância ao frio não foi suficiente para alterar significativamente a janela de tolerância de algumas espécies. Isso evidencia o quão complexas são as possibilidades de ajuste ou adaptação ao frio e ao calor.
Os resultados são fruto de experimentos com populações de cinco espécies distribuídas ao longo de gradientes de altitude, que foram do nível do mar até 1.600 metros acima dele, na Mata Atlântica.
Os 225 anfíbios foram coletados em diferentes pontos da Serra do Mar e da Serra da Mantiqueira, nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Para cada espécie, foram amostradas três a cinco populações, considerando a região geográfica onde foram encontrados os animais.
Para cada população, foram medidos diferentes parâmetros fisiológicos: taxas de desidratação e reidratação, temperaturas críticas mínima e máxima (o mais frio e o mais quente que o indivíduo consegue suportar sem perder funções básicas).
A tolerância térmica ao frio sempre aumentou com a altitude, ao passo que a tolerância ao calor nem sempre mudou, tanto na Serra do Mar quanto na da Mantiqueira. A altitude explicou até 61% da variação da temperatura crítica mínima das espécies (até 4° C menores em altitudes maiores), sugerindo que as baixas temperaturas características das altitudes levam a maior tolerância fisiológica ao frio.
No entanto, a altitude teve menos relação com a variação na temperatura crítica máxima (19% a 36%). Em duas das cinco espécies, o máximo tolerado se reduziu à medida que a altitude aumentou, sendo 0,5° C a 1,8° C menor em populações de terras altas do que nos terrenos mais baixos. A temperatura máxima tolerada foi maior (cerca de 38,5° C) em espécies de corpo maior do que nas pequenas (cerca de 34° C).
“Dado que parâmetros térmicos e do balanço hídrico são fundamentais para a história evolutiva dos anfíbios, também medimos as taxas de desidratação e reidratação e suas relações com as tolerâncias térmicas. O balanço hídrico não apresentou variação consistente com a mudança de altitude e as correlações entre parâmetros hídricos e térmicos foram baixas”, diz Bovo.
Para os pesquisadores, o estudo traz alertas importantes sobre as respostas dos organismos à variação climática. Os autores ressaltam que medir apenas uma população como representante de toda uma espécie pode enviesar previsões de vulnerabilidade às mudanças climáticas.
Os resultados reforçam ainda a enorme falta de dados de espécies tropicais, em comparação com espécies de regiões temperadas. As respostas de espécies tropicais às mudanças climáticas podem ser complexas, como mostra o estudo, dificultando generalizações. A Mata Atlântica, com a maior diversidade de anfíbios do mundo, precisa ser mais bem considerada.
Os dados do trabalho já vêm sendo utilizados em modelos matemáticos de previsões do impacto de mudanças climáticas sobre a biodiversidade. Em um deles, por exemplo, está sendo quantificada a vulnerabilidade dos anfíbios do mundo todo ao aumento do aquecimento e da seca.
“São trabalhos em andamento, em colaboração com uma rede de pesquisadores internacionais”, relata Bovo, que estabeleceu parcerias durante estágio de pesquisa em outra unidade da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. Anteriormente, ele já havia feito um estágio na mesma instituição, como parte do doutorado no IB-Unesp, em Rio Claro, todos com bolsa da FAPESP.