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Analogias

24 de dezembro de 2014
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Perpetuidade deveria ser uma palavra proibida. Sem pretender aqui subverter as normas da etimologia ou da semântica, a ideia contida naquele vocábulo – a bem da verdade – soa como coisa impossível de acontecer. Porque nada é permanente. Nada e ninguém. Embora pensemos, embora queiramos, não o somos. Nem a imagem sorridente na moldura do quadro, protegida pelo vidro, sobrevive à voragem do pó. Sim, de vez em quando é preciso passar um paninho para ver quem está ali.
Minha irmã mais nova (ó saudade dilacerante),que não levava máquina fotográfica nas viagens, dizia ser preferível guardar as paisagens do mundo na memória humana a ter de recorrer à memória digital. De fato, o efêmero parece sempre rondar o que se acredita duradouro. Lembra daquela bonita foto que tiramos juntos, com a turma toda reunida (sem dedo em V e nem cabelo ao vento)? Perdeu-se.
Curioso é que as únicas fotografias que verdadeiramente resistem ao tempo são as produzidas por máquinas analógicas, até hoje preservadas nos álbuns de família. Tenho algumas dos anos 70, da infância em companhia dos pais, avó, irmãos, cães, gatinhos, e outros tantos mascotes que nos acompanharam pela vida, além de muitas outras dos anos 80 (casamento, batismos, criançada, aniversários, festinhas de escola, fins de semana na praia, rostos felizes e sorridentes, coisa e tal).
Ao rever essas cenas, sobretudo as protagonizadas há quarenta anos, sinto-me tocado pelas mãos do tempo. Já não sei se o que vejo é a realidade ou apenas uma representação dela. Parece que foi ontem, mas ainda me lembro de tudo. O olhar tristonho de um cãozinho eu carrego sempre comigo, retrato em preto e branco, como se o passado me apontasse para uma estrada que no futuro eu iria trilhar. Teria tido essa fotografia alguma influência na minha visão de mundo? Olha, não entendo nada de analogias. Só mesmo de analógicas…
O mais paradoxal disso tudo é que a tecnologia de hoje, de tão avançada, torna-se frágil. Porque o excesso faz tudo diluir. O microcosmo dos arquivos digitais pode se perder num piscar de olhos. O próprio computador que tudo armazena dura até o momento de não apanhar um vírus fatal. Quando isto acontece é um salve-se quem puder e – quase sempre – um adeus às pastas eletrônicas que guardam sei lá o que de nós mesmos.
Modéstia à parte, os melhores clics que tirei vieram da clássica Olimpus do meu pai. Na década de 90 consegui fotografias que até hoje duvido. Depois, com o advento da era digital, perdi a mão por completo, sem saber exatamente porque. Se bem que um dia, numa viagem às montanhas brancas de Pamukale, a máquina analógica caiu num lago e nunca mais foi a mesma. Metáfora de mim? Prefiro, sinceramente, não acreditar nisso.
Resumo da ópera: é o tempo-rei a ditar suas leis irrevogáveis. Nada resiste a ele, herói e vilão de todas as vidas. Por isso é que, pensando bem, não ter máquina fotográfica e nem tirar fotos de coisa alguma talvez seja melhor, dá-nos a ilusão de que anda somos os mesmos e vivemos livres da lente absoluta (e tantas vezes cruel) que tudo enxerga mas nem tudo vê.
Deixando de lado as analogias, é melhor eu ir logo concluindo esta crônica do entardecer. Sem imagens festivas nem vitrines virtuais, aqueles que me quiserem encontrar sabem onde fazê-lo. Ou no velho e bom e-mail ou no meu lugar existencial de 45m2. O resto, como diria um célebre escritor gaúcho, o resto é silêncio…

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