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Ana Maria Braga e sua pseudo preocupação com os animais

5 de setembro de 2016
Paula Brügger
5 min. de leitura
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Divulgação
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O que deseja a apresentadora Ana Maria Braga, ao posar ao lado de um casal de coalas recém chegado da Austrália?
Se fosse mostrar respeito pelos animais não promoveria, cotidianamente, uma culinária repleta de animais assassinados unicamente para satisfazer o paladar humano.
Levando em conta o fato de que é justamente a pecuária o setor produtivo que mais impacta a biodiversidade (1), cabe a pergunta:
O que quer a bióloga Ana Maria Braga, ao posar junto a um casal de coalas recém chegado da Austrália?
De uns três dias para cá, tenho me deparado com dezenas de notícias apocalípticas acerca dessa sexta era de extinção em massa da biodiversidade, que marca o nosso tempo (2), além de uma enxurrada de petições precisamente em favor daqueles bichos que não são “fofinhos” como os coalas: bois, porcos, ovelhas e outros animais “de granja”, cuja existência na Terra é um verdadeiro inferno (3).
Os coalas em questão – Princesa Julie e Rei Billy – “vieram do zoológico Darling Downs, de Queensland, na Austrália, e passam por aclimatação no Aquário de São Paulo, no Ipiranga” (4). Já nasceram em cativeiro, como seus pais e avós, e são um produto típico de uma relação sociedade-natureza doentia que deseja preservar  “genes valiosos” ex-situ, ou seja, fora de seus ambientes naturais, seja sob a forma de seres vivos aprisionados em cativeiros, seja em bancos genéticos.
Como “Princesa e Rei”, esses coalas são hoje são recebidos com honrarias dignas dos detentores de um sangue azul. Os zoológicos, porém, figuram entre os piores destinos que podem ter os animais.  Inúmeras são as fontes de fatos aterradores que lhes acontecem nesses “jardins”.
Ano passado tive a satisfação de participar de uma banca de mestrado de um belíssimo trabalho intitulado “Rastros: a constituição do zoológico de São Paulo na imprensa paulistana” (5). A pesquisa, de fôlego, que abordou sobretudo os debates travados na imprensa paulistana entre 1858 e 1968, mostra, entre muitas outras questões, as variações em torno da sensibilidade das pessoas quanto ao confinamento de animais em zoológicos, bem como os dispositivos de velamento e esquecimento que operam na constituição do confinamento em zoos.
Quanto a esse último ponto, a autora cita o caso de uma girafa chamada Chuka, cuja chegada no zoológico de São Paulo foi muito alardeada pela imprensa em 1961. O animal, que teria sido célebre por cerca de dois anos, desapareceu dos registros da imprensa e, em 1968, quando de sua morte, seu nome sequer foi mencionado: a imprensa viria a se referir, tão somente, à perda da única girafa existente no zoológico de São Paulo em meio a uma nota sobre o fechamento do zoo em dia de eleições (6).
Muitas atrocidades que são cometidas contra os animais em zoos encontram-se fartamente documentadas na imprensa. Mas isso já acontece há décadas, mostra o estudo citado. Embora atualmente as matérias nesse sentido possam até ser mais numerosas e detalhadas, prevalece na imprensa esse formato esquizofrênico de ora relatar crueldades, desmandos, etc, ora produzir manchetes como a do caso aqui analisado, como se o confinamento não fosse, precisamente, a causa de tantas mazelas.
Aquários e zoos investem pesadamente na promoção de visitas a suas instalações, como se ali reinasse um paraíso educacional, ou como se tais locais tivessem um papel importante na conservação da biodiversidade no planeta.
A instituição “jardim zoológico” vem sendo atacada em todo mundo não sem razão e os discursos que acusam os zoológicos de especismo têm fundamentos de sobra: colocamos a todo instante, e por motivos inclusive torpes, nossas aspirações de gratificação imediata acima das necessidades mais elementares dos animais não humanos. Impedimos que usufruam dos ambientes naturais e oportunidades ecológicas que estiveram presentes durante todo o seu período de evolução e os confinamos em espaços pobres, exíguos e deficientes (7).  Como se isso não bastasse, existe ainda a eliminação dos animais que estão “em excesso”, e/ou que apresentam problemas de consangüinidade. As altas taxas de mortalidade demonstram que os animais nesses lugares amargam todas as sortes de agruras:  sofrem de solidão, fome, sede e até envenenamento. Há também animais que desaparecem sem deixar vestígios (8).
Os coalas que estão no centro deste debate, segundo a matéria antes mencionada, são gêmeos. Ainda assim, “há uma expectativa de que a partir do ano que vem já consigam se reproduzir”. Não tenho conhecimento algum sobre a biologia reprodutiva de coalas, mas caberia a pergunta: não iria tal consangüinidade ser um fator deletério no que tange à saúde da prole desses animais? Terão seus filhotes, um dia, o mesmo destino da girafa Marius, abatida com um tiro em 2014 (veja nota 8)?
Como bióloga, apresentadora e jornalista, Ana Maria Braga poderia liderar um debate  sobre esse tema,  em vez de promover visitas a essas prisões. Essa é a mídia de que precisamos.
 Notas:
(1): ftp://ftp.fao.org/docrep/fao/010/A0701E/A0701E00.pdf; capítulo 5; outro estudo, associado à destruição e degradação de habitats – principal causa de perda de biodiversidade – mostra que a produção/exportação de soja (usada sobretudo na ração animal) foi responsável por 65% do desmatamento no Mato Grosso entre 2000 e 2010. Veja http://iopscience.iop.org/1748-9326/9/7/074001/article
(2) https://www.theguardian.com/environment/radical-conservation/2015/oct/20/the-four-horsemen-of-the-sixth-mass-extinction
(3): Um contexto – apenas um mesmo, nesse universo infinito de exploração e morte – é a abominável exportação de animais vivos. Veja, por exemplo,  www.ciwf.org.uk/StopTheTrucks
(4): Segundo a mesma matéria, “o Aquário de São Paulo precisou cumprir uma série de exigências da legislação brasileira – e, por condição imposta pelo zoológico cedente, também da lei australiana. O recinto tem eucaliptos frescos o tempo todo. E há um controle para que a temperatura nunca exceda os 30°C, para não deixá-los incomodados. A quem for visitá-los, uma observação relevante: é bem possível que eles estejam dormindo. O coala é um animal que tem cerca de 20 horas por dia de sono”. http://vejasp.abril.com.br/blogs/terraco-paulistano/2016/09/ana-maria-braga-grava-com-casal-de-coalas-gemeos-que-chegou-a-sp/
(5): A dissertação “Rastros: a constituição do zoológico de São Paulo na imprensa paulistana”, cuja autora é Luísa Victoria Pessoa de Oliveira, encontra-se disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000961022
(6): Página 01 (Introdução) da dissertação mencionada na nota anterior.
(7): Veja também https://www.anda.jor.br/23/05/2016/algumas-reflexoes-sobre-o-texto-conservacionistas-e-ativistas-dos-direitos-animais-falam-a-mesma-lingua
(8) Entre muitos outros exemplos, veja: https://www.anda.jor.br/09/02/2014/filhote-girafa-morto-zoologico-copenhague; https://www.anda.jor.br/26/03/2014/girafa-marius-zoologico-dinamarques-mata-familia-leoes; https://www.anda.jor.br/03/06/2016/harambe-o-gigante-incompreendido; https://www.anda.jor.br/20/07/2014/elefante-entra-depressao-falece-apos-morte-companheira-zoologico;  http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/12/em-tres-anos-cerca-de-mil-animais-do-zoologico-morrem-em-belo-horizonte.html; http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2016/03/justica-condena-donos-de-zoologico-de-sc-por-maus-tratos-animais.html; http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2015/07/mortes-de-nove-animais-esvaziam-zoologico-em-aracatuba.html.
 

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