Nas praias do Rio de Janeiro, a um mergulho de distância, é possível encontrar a esperança. Ela vem em tons de rosa, vermelho, laranja, branco, marrom e amarelo, faz rituais amorosos e toma a forma de cavalos-marinhos. Esses peixes ameaçados de extinção, após quase desaparecerem, voltaram a ser encontrados com maior frequência no litoral carioca e em outros locais do estado.
Cientistas do Projeto Cavalos-Marinhos do Rio de Janeiro, que há 20 anos estudam esses peixes, destacam que há muito mais riqueza nas águas urbanas do que a maioria das pessoas imagina. Existem animais que por seus hábitos, raridade ou sensibilidade são considerados bioindicadores de qualidade ambiental. O cavalo-marinho é um indicador de que o ecossistema preserva sua estrutura básica. E, no Rio, ele mostra ainda mais do que isso.
— O cavalo-marinho é um indicador de esperança, demonstra que a salvação é possível — afirma a coordenadora do projeto, a bióloga Natalie Freret-Meurer.
A equipe dela descobriu que há populações de cavalos-marinhos mesmo nas extremamente poluídas baías de Guanabara e de Sepetiba. Na praia de Urca nem é preciso mergulhar, eles nadam de seu jeito suave, quase parado, onde a água não chega aos joelhos. O projeto monitora ainda os cavalos-marinhos da Ilha Grande, de Arraial do Cabo e de Búzios, e investiga sua presença junto aos costões cariocas, como o do Arpoador e o do Leblon.
Os cavalos-marinhos quase foram extintos do Rio devido à poluição e, sobretudo, ao aquarismo. Foram capturados ao esgotamento para virar peixinhos de aquário. Mas, desde 2014, com a Portaria 445 do Ibama, que proibiu captura, transporte, armazenamento, guarda e manejo, a população de cavalos-marinhos tem dado sinais de recuperação, diz Freret-Meurer. Apenas a criação para pesquisa ou com autorização do Ibama é permitida.
Na Baía de Guanabara, em 2015, a média era de dois cavalos-marinhos a cada 400 metros quadrados. Em 2018, chegou a oito peixes por 400 metros quadrados. Mas, em 2021, já eram 13 os cavalinhos na mesma área. No entanto, educar a população é preciso para que os cavalos-marinhos continuem a colorir as águas do Rio em paz, adverte a bióloga.
— Emociona mergulhar ao lado desses animais tão pacíficos. Mas, para que essa alegria seja de todos, algumas pessoas não podem capturá-los para confiná-los em aquários. São animais selvagens, pertencem ao mar — frisa a cientista.
O projeto foi criado em 2002 por pesquisadores da Universidade Santa Úrsula e conta com o apoio de outras instituições, como o Instituto Mar Urbano, e a participação de pescadores.
O cavalo-marinho parece um experimento da natureza. A cabeça lembra a do cavalo. A cauda preênsil usada para se agarrar a algas e corais remete à do macaco. Mas, para a microfauna da qual se alimenta, o cavalinho é um predador de topo da cadeia. Em escala reduzida, ele desempenha o papel do tubarão em ecossistemas de estuários e costões que habita, diz Freret-Meurer.
Ele é carnívoro, mas não tem dentes. Seu bico funciona como aspirador, que suga microanimais marinhos, como larvas de peixes e crustáceos diminutos, que vivem entre as algas e nos corais. Pequeno (os do Rio medem entre 12cm e 21 cm), ele presta um grande serviço ambiental ao impedir que a microfauna devore as algas e o fitoplâncton dos quais depende o equilíbrio dos mares.
Festa no fundo do mar
Para quem não é larva nem minicamarão, o cavalo-marinho é só paixão. Machos e fêmeas fazem uma dança do amor de até três dias, um ritual no qual trocam de cor e nadam em sincronia.
— O namoro deles é a coisa mais linda. Mudam de cor, machos e fêmeas ficam brancos na lateral para demonstrar o interesse mútuo. E dançam juntos, em sincronia de movimentos e ritmo — derrete-se Freret-Meurer.
A sedução é intensa, porém breve. Casal formado, a fêmea não perde tempo e introduz seus óvulos na bolsa de gestação — uma espécie de útero — do macho. Feito isso, o casal se separa. A fêmea quase sempre está faminta e vai comer alguma coisa, explica a bióloga Amanda Vaccani, integrante do projeto.
Já o macho passa 15 dias grávido. Ao cabo dos quais entra em trabalho de parto, tem contrações e, por fim, dá à luz algo entre 600 e 700 filhotes, que nascem com alguns poucos milímetros. Um macho do laboratório da Universidade Santa Úrsula já pôs no mundo mais de 1.800 filhotes.
No laboratório, a equipe do projeto estuda o comportamento e formas de evitar a extinção dos cavalos-marinhos. No mundo, há 46 espécies desses peixes, das quais três existem no Brasil.
No litoral do estado do Rio vivem duas delas: a mais comum, Hippocampus reidi, e a bem mais rara Hippocampus patagonicus. Esta última foi encontrada apenas duas vezes. Na primeira, na entrada da Baía de Guanabara, a 30 metros de profundidade. Mas foi descoberta também num lugar que desafia todas as probabilidades: a Baía de Sepetiba e a apenas 1,5 metro de profundidade.
— Se houver alguma estrutura no tipo de ecossistema que habitam, eles sobrevivem. No entanto, eventos mais extremos, como vazamentos de óleo, fazem com que desapareçam — observa Freret-Meurer.
Mistérios e desafios
Surpresa maior do que a de Sepetiba foi descobrir cavalos-marinhos na Lagoa de Araruama. Segundo os biólogos do projeto, essa é a primeira ocorrência desses peixes que não se parecem com peixes num ambiente de água hipersalina. A Lagoa de Araruama é uma vez e meia mais salgada do que o mar. Nela, os cavalinhos são achados em águas rasas e até mesmo em poças na areia molhada.
A população existente na Lagoa de Araruama é muito diferente de tudo o que se sabe sobre cavalos-marinhos no mundo, ressalta a coordenadora do projeto.
Os cavalos marinhos do Rio desafiam paradigmas, pois apresentam padrões de cores, tamanho e hábitos diferentes. Os cientistas especulam que podem ter se adaptado a diferentes condições para sobreviver no limite.
— Os cavalos-marinhos do Rio são um desafio, vivem perigosamente e precisam de proteção — enfatiza Vaccani.
Fonte: O Globo