A Amazônia registrou 33.116 focos de queimadas em agosto, o maior número para o mês desde 2010, quando 45.018 focos foram registrados. Os dados oficiais foram divulgados na manhã desta quinta-feira (1º) pelo Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Este é o quarto ano consecutivo da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL) que o número fica acima da marca de 28 mil.
O índice também está acima da média histórica para o mês, que está em 26 mil (o cálculo do Inpe não considera os valores do ano corrente).
O número é tão alto que, segundo o programa de monitoramento ambiental Copernicus, da União Europeia, afetou “seriamente” a qualidade do ar na América do Sul.
Na imagem abaixo feita por um satélite do projeto, é possível ver os altos níveis de monóxido de carbono (CO, gás que é liberado por queimadas) para a região entre 20 e 24 de agosto.
Para Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, o resultado de todos os índices é desastroso: “Muita degradação ambiental, morte da fauna silvestre, doenças respiratórias na população nas diferentes faixas etárias”.
“Os incêndios florestais na Amazônia estão batendo recordes neste ano em uma combinação de seca, explosão do desmatamento, impulsionada por um governo federal ecocida que vê a política ambiental como mero entrave a ser afastado, e uso inadequado do fogo associado ao próprio desmatamento”, avalia Araújo, que também foi ex-presidente do Ibama.
Em relação aos focos de incêndio acumulados desde o começo do ano até agosto, a Amazônia soma 46.022 registros. No ano passado, o mesmo período teve 39.424 focos de incêndio.
A temporada de incêndios geralmente ocorre na Amazônia entre junho e outubro, mas fazendeiros, garimpeiros e grileiros derrubam a floresta e se preparam para queimá-la durante todo o ano.
Este ano, a Amazônia Legal (região que corresponde a 59% do território brasileiro e que engloba a área de 9 estados – Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e uma parte do Maranhão) teve o maior desmatamento em 15 anos, segundo dados do Imazon.
Para o Greenpeace Brasil, os números não são uma surpresa. “O que temíamos e alertamos aconteceu!”, declara o coordenador da campanha de Amazônia da ONG, André Freitas.
“Após quase quatro anos de uma clara e objetiva política antiambiental por parte do governo federal, vemos que na iminência de encerramento desse mandato – que está sendo um dos períodos mais sombrios para o meio ambiente – grileiros e todos aqueles que tem operado na ilegalidade, viram um cenário perfeito para avançarem sobre a floresta”.
Consequência do desmatamento
Em junho, um documento obtido pelo g1 apontou que o Ministério do Meio Ambiente do governo Bolsonaro colocou em risco a continuidade do Fundo Amazônia, criado há cerca de 14 anos para financiar ações de redução de emissões geradas pela degradação florestal e pelo desmatamento.
Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, explica que o fogo é a finalização do desmatamento, e uma coisa é consequência da outra.
“Primeiro as arvores são derrubadas com correntão, ou de outra forma, e depois se ateia fogo na área, ou seja, os dados anteriores de desmatamento agora refletem na dimensão das queimadas”, explica ela.
No começo de agosto, dados do sistema Deter do Inpe, que produz sinais diários de alteração na cobertura florestal para áreas maiores que 3 hectares (0,03 km²), apontaram também que o acumulado de alertas de desmatamento em 2022 na Amazônia Legal foi de 8.590 km², o terceiro ano consecutivo da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL) que os alertam ficaram acima da marca de 8 mil.
“Esse aumento de incêndios, neste ano, principalmente na Amazônia, é reflexo da falta de aplicação das leis ambientais no Brasil. Nos últimos anos, assistimos sistematicamente as leis ambientais e os processos de fiscalização sendo desrespeitados”, acrescenta a especialista.
Cidades recordistas
Os 10 municípios com o maior registro de focos de incêndio no Brasil no acumulado de 2022, até agosto, são Altamira (Pará), São Félix do Xingu (Pará), Apuí (Amazonas), Novo Progresso (Pará), Porto Velho (Rondônia), Lábrea (Amazonas), Colniza (Mato Grosso), Novo Aripuanã (Amazonas), Itaituba (Pará) e Manicoré (Amazonas).
“O descontrole das queimadas observado nos últimos quatro anos está estreitamente associado a um aumento do desmatamento e da degradação florestal nesse período”, explica Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil.
“A Amazônia é uma floresta tropical úmida e, ao contrário do que ocorre em outros biomas, o fogo não faz parte de seu ciclo natural. Os incêndios não surgem de forma espontânea no bioma e sua ocorrência está sempre associada a ações humanas – em especial ao desmatamento e à degradação florestal”, acrescenta a especialista.
Sobrevoo do Greenpeace
O uso do fogo no bioma está proibido desde 23 de junho, quando o governo federal publicou um decreto suspendendo a prática por 120 dias no território nacional. Por isso, de acordo com o Greenpeace, os números “alarmantes” de queimadas registradas na Amazônia mostram que “não existe uma política séria de combate ao desmatamento e queima da floresta”.
A ONG, que fez um sobrevoo de monitoramento de queimadas e desmatamento na região da Amacro (siglas de Amazonas, Acre e Rondônia) e flagrou o maior desmatamento da Amazônia no último ano: cerca de 8.000 hectares, equivalente a 11.000 campos de futebol queimando (veja a imagem acima) destaca que, do total de focos de calor do ano registrados até 31 de agosto – 46.022, houve um aumento de 16,7% em relação ao ano passado, maior número acumulado para o período desde 2019.
Desse total, 43% ocorreram apenas em dez municípios da Amazônia, sendo cinco deles localizados na região da Amacro, “considerada a nova fronteira de expansão da economia da destruição na Amazônia e que vem acelerando as taxas de desmatamento e queimadas”.
“Outro fator relevante é o avanço das queimadas em terras públicas. Do total de focos de calor, 13,8% ocorreram em Unidades de Conservação (UCs), e 5,9%, em Terras Indígenas (TI). Outro dado que preocupa é que mais de 10.600 queimadas, cerca de ¼ do total, ocorreram em florestas públicas não destinadas. Mais um indício do avanço da grilagem”, destaca o Greenpeace.
O g1 entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente para que a pasta comentasse os números. Veja a nota abaixo, na íntegra:
A Operação Guardiões do Bioma, coordenada pelo Ministério da Justiça, com apoio do Ministério do Meio Ambiente, mostra redução de 24% das áreas queimadas em sua primeira fase – entre julho de 2021 e janeiro de 2022.
Foram 3.853 ações preventivas, 1.607 multas aplicadas e 137 maquinários apreendidos, além de 1.580 animais resgatados nos 11 estados onde ocorreu a operação. A segunda fase da Operação foi lançada em junho e conta com investimento de R$ 60 milhões. A iniciativa tem inédita integração entre os ministérios, além de Ibama, ICMBio, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Força Nacional, Censipam e Funai.
Fonte: G1