Apresentada na COP30 da Conferência do Clima, uma prévia do relatório “Floresta em Pó” jogou uma luz inédita sobre as fortes ligações entre o tráfico de drogas, o crime organizado e a devastação socioambiental na floresta amazônica sul-americana.
O estudo identificou 550 laboratórios de refino no Brasil entre 2019 e julho deste ano – 33 vezes mais que os 17 informados por órgãos de segurança. Contudo, foram estimadas até 5 mil dessas estruturas operando no país, já que as apreensões representam de 10% a 20% do mercado global de drogas.
Conforme os autores do trabalho, isso indica que a cadeia da cocaína está se transformando e que o Brasil passou a ter um papel mais central, especialmente no refino final e na exportação. Europa, África e Reino Unido são os maiores destinos da cocaína que passa ou é produzida no país.
Essa ilegalidade disseminada está conectada e retroalimenta outros crimes, como o garimpo de ouro, a extração ilegal de madeira e a abertura de vias clandestinas adentrando a floresta. Mas conforme o estudo, a bandidagem também ameaça povos e culturas que ajudam a manter a Amazônia.
“Não existe floresta em pé sem povos e comunidades tradicionais”, ressaltou Dandara Rudsan, advogada e pesquisadora da Coalizão Internacional pela Reforma da Política de Drogas.
Diante disso, a entidade e outras ligadas à construção do relatório – como a Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas – querem posicionar essa discussão como um elemento central da agenda socioambiental brasileira.
“A coca é sagrada para povos indígenas, mas a proibição do cultivo e uso a tornou um produto que move uma economia destrutiva de comunidades”, disse Rudsan. “No Brasil, a cocaína só é ilegal dependendo da cor da sua pele, do bairro onde você mora e do seu poder aquisitivo”.
A coca (Erythroxylum coca e espécies relacionadas) é uma planta originária da região dos Andes sul-americanos, com um cultivo milenar registrado e concentrado sobretudo no Peru, na Bolívia e na Colômbia.
Muito além do garimpo
E não é preciso se afastar muito da sede da COP30, a capital paraense, para conferir essa dura realidade.
No arquipélago do Marajó, com mais de 2.500 ilhas e 500 mil habitantes distribuídos em 17 municípios onde predomina um baixo IDH, chefões do tráfico saem quase sempre ilesos das ações policiais, disse Ediane Lima, gestora de projetos do Observatório do Marajó.
“Só o que vemos é prisão de usuários, presídios superlotados e assassinatos de jovens negros, periféricos e ribeirinhos”, relatou.
Mas as rotas fluviais e os portos também servem a grandes corredores de exportação da cocaína. Isso amplia o poder de grupos como o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho, presentes já em 61% dos municípios na Amazônia brasileira – ou 473 dos 775 na região –, aponta o estudo.
Essa mega estrutura criminosa é mantida com aliciamento de jovens indígenas e narco territórios dominados pelas facções. Em certas áreas, sobretudo na Colômbia e no Peru, a coca pode ser cultivada em áreas desmatadas ou sob o dossel das árvores para driblar o olhar dos satélites.
Conforme Rudsan, povos tradicionais e indígenas perderam o acesso a áreas de floresta porque foram ocupadas por pessoas ligadas à produção e ao refino da droga. Quilombolas relataram ter sido expulsos de terras onde mantinham práticas tradicionais, como coletar sementes.
Para começar a mudar esse cenário, o relatório propõe incluir políticas de drogas nas de clima e conservação, combater duramente as redes criminosas, reconhecer os direitos territoriais de povos indígenas, e regularizar a cadeia da cocaína com foco em comunidades tradicionais e agricultura familiar.
“Sem enfrentar essa proibição, vamos continuar sendo presos, encarcerados e chacinados nas periferias”, afirma Rudsan. Ela lembra que esse veto está consolidado na Lei 11.343/2006, que sustenta uma política de guerra às drogas responsável pelo encarceramento seletivo, sobretudo de jovens negros e pobres, e por impactos profundos sobre os territórios e a floresta.
Frente a essa realidade, a ativista avaliou que outra grande medida rumo a uma solução é o engajamento da sociedade brasileira numa agenda antiproibicionista. “Precisamos enfrentar esse sistema de danos ecológicos e sociais e articular a defesa da vida, dos direitos humanos e da Amazônia”, acrescentou.
Outra medida é a geração cidadã de dados, quando comunidades que vivem nos territórios florestais mapeiam o desmatamento, a degradação e outros crimes socioambientais. Depois, esses dados podem ser usados em políticas públicas e privadas.
No Marajó, por exemplo, foi criado um caderno de propostas de lideranças locais que vão de melhorar a educação e a saúde a fortalecer a cultura e a proteção territorial. “As soluções para a Amazônia estão na ponta, nas comunidades tradicionais”, ressaltou Lima.
Fonte: O Eco