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INCERTO

Alteração em plano de proteção gera dúvidas sobre futuro de ave em risco de extinção

Especialistas avaliam que as medidas poderão encolher os recursos para proteger e reintroduzir o pato-mergulhão

6 de fevereiro de 2025
Aldem Bourscheit
5 min. de leitura
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Adulto e filhotes de Mergus octosetaceus em águas cristalinas na Chapada dos Veadeiros (GO). Foto: André Dib/Instituto Pato-mergulhão

Cientistas alertam que mudanças impostas a um plano de proteção disparado há quase duas décadas podem reduzir os recursos para proteger e reintroduzir na natureza uma ave que hoje estaria restrita a poucos trechos de rios no Brasil.

O elegante e ágil pato-mergulhão é uma das aves mais ameaçadas do mundo. Já teria sido extinto em mais de 90% de onde viveu no passado, incluindo regiões de Mata Atlântica na Argentina, Paraguai e na Bacia do Rio Tibagi, no estado do Paraná.

As hoje estimadas menos de 200 aves livres na natureza habitariam apenas cursos d’água no Cerrado brasileiro, nas bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Tocantins e Paraná.

O governo federal reconhece, ainda, duas populações em cativeiro – 52 animais no Zooparque de Itatiba, em São Paulo, e outros 10 indivíduos no Zoológico de Praga, capital da República Checa, na União Europeia.

A espécie (Mergus octosetaceus) precisa de ambientes com águas cristalinas, puras e bem iluminadas de rios encachoeirados para pescar e reproduzir, por isso seu desaparecimento anda junto com a degradação e a poluição ambientais.

Diante das crescentes ameaças, uma série de medidas foi disparada em 2006 para tentar tirar a ave da berlinda, o Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação do Pato-mergulhão. Ele busca e monitora populações livres e em criadouros, bem como articula instituições conservacionistas.

Pois, justamente mudanças no planejado há quase duas décadas se tornaram alvo de duras críticas de pesquisadores dedicados a proteger a ave. Segundo eles, isso pode retirar dinheiro e desmobilizar a salvação da muito ameaçada ave.

Estrada bifurca

Sugerida desde 2017, a integração do PAN Pato-mergulhão ao Plano de Ação de Aves do Cerrado e Pantanal foi informada pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) em setembro passado. O órgão confirmou a fusão a ((o))eco.

A autarquia acompanha e dá aval a esses planejamentos, executados quase que totalmente com recursos angariados pelas organizações ligadas à cada espécie ou grupo de espécies. Mais de 70 estão listados.

“Para surpresa de organizações e pesquisadores, agora além de lutar contra a extinção da ave, precisamos lutar contra a extinção do seu plano de proteção”, diz Paulo Zuquim Antas, doutor em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB).

Afinal, a falta de um plano dedicado poderia encolher a captação de dinheiro para proteção. “A chancela [do ICMBio] sempre foi muito importante para isso”, assegura Gislaine Disconzi, diretora-geral do Instituto Pato-mergulhão, na Chapada dos Veadeiros (GO).

Isso complicaria igualmente a busca pela ave onde ainda ocorreria, como no Parque Estadual da Serra do Mar (SP), onde um registro precisa de confirmação científica, ou sua reintrodução em áreas que poderiam abrigá-la, como no Parque Nacional do Iguaçu (PR), ambos na Mata Atlântica, não no Cerrado ou no Pantanal.

“A fusão dos PANs fragiliza sobremaneira a captação dos recursos financeiros. Fontes de recursos irão indicar uma incoerência geográfica em qualquer proposta nessa direção”, avalia Zuquim Antas.

Além disso, as mudanças pouco beneficiariam o emplumado, já que suas “necessidades ecológicas” são bem diferentes das demais aves em outros biomas. “O pato não é um animal comum”, ressalta Disconzi, mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Já Zuquim Antas afirma que “colocaram uma espécie criticamente ameaçada num balaio de outras coisas”. “Falta visão estratégica, operacional e política para conservar uma espécie tão emblemática”, diz o coordenador de projetos de Conservação na Fundação Pró-Natureza (Funatura).

A ONG recentemente renovou o apoio do Fundo Mohamed bin Zayed para Espécies Ameaçadas, dos Emirados Árabes Unidos, para proteger o pato-mergulhão no Rio Novo, junto com Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins) e Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

Prejuízos menores

Críticas à fusão dos PANs seguiram em carta à presidência do ICMBio em 18 de outubro passado, firmada por integrantes do PAN Pato-mergulhão, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Sociedade Brasileira de Ornitologia. A autarquia nada respondeu, dizem as entidades.

“As áreas técnicas competentes não tiveram acesso à carta mencionada à época, impossibilitando um posicionamento sobre o assunto”, conta a autarquia federal.

Quanto à conservação do mergulhão, o ICMBio afirma que suas particularidades terão planejamento próprio e reuniões periódicas junto ao PAN Aves do Cerrado e Pantanal, bem como um analista ambiental dedicado no Cemave (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres).

“As questões relativas ao pato-mergulhão poderão ser debatidas em seu grupo específico de pesquisadores e instituições parceiras, sendo o resultado absorvido pelo PAN Aves do Cerrado e Pantanal e, se necessário, pelo PAN Aves da Mata Atlântica, tendo em vista sua ocorrência histórica neste bioma”, detalha.

Conforme o ICMBio, a fusão de PANs é uma “diretriz institucional” que permite tratar ameaças comuns de diferentes espécies, otimizar processos administrativos, recursos humanos e financeiros.

“A inclusão desta espécie no [PAN] das Aves do Cerrado e Pantanal incluiu todas as ações sugeridas na oficina de elaboração do terceiro ciclo do PAN Pato-mergulhão, realizada em 2024, de modo que o planejamento participativo foi respeitado e nenhuma ação foi deixada para trás”, afirma.

Contudo, Gislaine Disconzi (Projeto Pato-mergulhão) avalia que as medidas propostas pela autarquia federal são vagas e que a proteção da ameaçada ave será prejudicada pela disputa com outras espécies no país.

“Não conseguimos enxergar como tudo funcionará. Sentimos que o pato-mergulhão perdeu prioridade”, diz a pesquisadora.

O ICMBio não soube informar quantos recursos foram até hoje aplicados no plano de proteção do pato-mergulhão. Suas respostas foram obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Fonte: O Eco

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