Cientistas alertam para a possibilidade de o Ártico registrar, já em 2027, o primeiro verão sem gelo marinho, um marco alarmante para o clima global. A previsão é resultado de um estudo internacional, que utilizou modelos computacionais para estimar a data do primeiro “dia sem gelo” no Ártico para a estação quente, que acontece entre julho e setembro no Hemisfério Norte. Este evento, no médio e longo prazo, pode alterar profundamente o ecossistema da região e afetar padrões climáticos em todo o planeta.
O estudo, liderado pelas climatologistas Alexandra Jahn, da Universidade do Colorado Boulder, nos EUA, e Céline Heuzé, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, prevê que a diminuição da camada de gelo no Ártico poderá ocorrer mais rapidamente do que o esperado, com o primeiro dia sem gelo podendo surgir em apenas três anos. A aceleração do degelo é impulsionada pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa, que já causam uma perda de gelo superior a 12% por década na região.
Setembro é geralmente o mês em que se registra o mínimo de gelo no Ártico, ou seja, quando a extensão do gelo marinho atinge o seu nível mais baixo. Durante este mês, a maior parte do gelo derrete devido ao aumento das temperaturas e à exposição prolongada ao sol. Nos anos recentes, com a alta do termômetro, a extensão do gelo marinho no Ártico tem batido mínimas recordes.
Em 2024, a extensão mínima do gelo marinho foi de 4,28 milhões de quilômetros quadrados, cerca de 1,94 milhão de quilômetros quadrados a menos do que a média entre 1981 e 2010, que era de 6,22 milhões de quilômetros quadrados. Essa diferença é maior do que o estado do Alasca ou 70% da área da Patagônia.
Projeções climáticas sugerem que, até 2050, a área de gelo marinho do Ártico poderá diminuir a tal ponto que, em setembro, o gelo ocupe uma área inferior a 1 milhão de km². O que a pesquisa na Nature mostra é que antes de registrar um mês inteiro sem gelo, a região deverá sofrer com dias inéditos sem gelo. O “primeiro dia sem gelo” no Ártico, define a pesquisa, seria justamente o momento em que a região registra cobertura gelada de 1 milhão de km² de gelo ou inferior.
A falta de gelo marinho tem sérias consequências, como o aumento da absorção de calor pelo oceano, intensificando o aquecimento global. Além disso, a mudança no Ártico pode alterar correntes oceânicas e padrões de vento, gerando mais eventos climáticos extremos em todo o mundo. Com o Ártico cada vez mais vulnerável, os cientistas alertam que é fundamental agir rapidamente para mitigar os impactos do aquecimento global e evitar uma aceleração catastrófica das mudanças climáticas. Caso haja uma redução significativa nas emissões, o processo de degelo pode ser retardado, segundo o estudo.
Embora o primeiro dia sem gelo tenha um grande significado simbólico, segundo as pesquisadoras, isso não significa que, após esse dia, o Oceano Ártico se tornará sem gelo todos os anos. “Mesmo condições consistentemente sem gelo na média mensal de setembro não implicam em condições sem gelo durante o ano todo, já que o gelo marinho continua a retornar durante o outono e inverno árticos, que são escuros e, portanto, frios, nas simulações dos modelo”, ponderam no estudo publicado na revista Nature Communications. Isso não reduz, contudo, o senso de urgência que a pesquisa traz.
Quando o “ar-condicionado” climático ferve
O Ártico tem aquecido de quatro ou seis vezes mais rápido que o restante do Planeta. Esse fenômeno acelerado chamado de “amplificação do ártico” tem repercussões globais. Além de causar o derretimento do gelo, já citado e do permafrost (que libera grandes quantidades de metano, um potente gás de efeito estufa), ele pode afetar padrões climáticos em outras regiões, como o aumento da frequência de eventos climáticos extremos, como enchentes e secas, alterações nas correntes oceânicas (como a Corrente do Golfo), alta do mar e mudanças nos padrões de precipitação em várias partes do mundo.
Esse aquecimento acelerado tem várias causas interligadas.
Efeito de retroalimentação: Como o Ártico possui grandes extensões de gelo marinho e neve, a região reflete uma quantidade significativa da luz solar, característica que os cientistas chamam de alto albedo. No entanto, à medida que o gelo derrete devido ao aquecimento, ele é substituído por águas ou terras mais escuras, que absorvem mais calor, em vez de refletir. Isso cria um ciclo de retroalimentação positivo, onde o aquecimento leva ao derretimento do gelo, o que, por sua vez, aumenta a absorção de calor e acelera o aquecimento. É uma matemática de assustar.
Mudanças nos padrões climáticos e atmosféricos: O derretimento do gelo altera os padrões de circulação atmosférica e oceânica, o que pode resultar em invernos mais quentes e verões mais intensos no Ártico. Essas mudanças também afetam o clima em outras partes do mundo, como o aumento de eventos climáticos extremos.
Aquecimento das águas oceânicas: O aumento das temperaturas também está afetando as correntes oceânicas, o que pode contribuir para o derretimento do gelo marinho e a elevação das temperaturas no Ártico.
Mais riscos à frente
O Ártico é considerado uma das últimas fronteiras para a exploração de recursos fósseis, como petróleo e gás, grandes vilões do aquecimento global. Estima-se que a região contenha cerca de 13% das reservas de petróleo não descobertas e 30% das reservas de gás natural do mundo, segundo a Administração de Informação sobre Energia dos EUA (EIA).
O aquecimento global está derretendo as camadas de gelo marinho, tornando mais acessíveis áreas antes inacessíveis para a exploração. Com o gelo recuando, novas rotas de navegação e plataformas de perfuração se tornam viáveis, aumentando as oportunidades para a exploração comercial, o que também se torna um dos maiores fatores de pressão local, exacerbando os desafios ambientais e climáticos da região e seus impactos no mundo.
Fonte: Um Só Planeta