EnglishEspañolPortuguês

ADAPTAÇÃO

Águas-vivas auxiliam a compensar a escassez de alimentos nas 'noites polares' do Ártico

19 de fevereiro de 2024
Filipe Pimentel Rações
3 min. de leitura
A-
A+
Foto: Bjørn Christian Tørrissen | Wikimedia Commons

Nas regiões polares, um fenômeno conhecido como ‘noite polar’, em que o Sol não se eleva acima da linha do horizonte por mais de 24 horas e deixa a terra mergulhada em penumbra, é uma parte importante do ciclo de vida nessas zonas remotas do planeta.

No Ártico, a ‘noite polar’ estende-se de novembro a fevereiro do ano seguinte, e os cientistas afirmam que, em média, a temperatura da água que banha o arquipélago norueguês de Svalbard, mesmo durante essa noite prolongada, tem aumentado dois graus Celsius a cada 10 anos, em média. Além das diferenças abióticas registradas, também são observadas mudanças na composição da vida, com animais de águas mais quentes migrando cada vez mais para o Norte.

As águas-vivas são um dos grupos de animais atlânticos que têm sido encontrados com mais frequência nas águas já não tão geladas do Ártico. Charlotte Havermans, da Universidade de Bremen e do Instituto Alfred Wegener, explica que algumas espécies desses animais de corpo gelatinoso estão se deslocando em direção aos polos e começando a fixar-se no Ártico.

Havermans e uma equipe de pesquisadores da Alemanha, Espanha e França estiveram em Kongsfjorden, no arquipélago de Svalbard, durante a ‘noite polar’ de 2022, e a cientista confessa que ficaram surpreendidos com a quantidade de águas-vivas que encontraram, “consistindo em muitas espécies e estágios de vida diferentes”.

Dada a quantidade de águas-vivas presentes em águas onde não é habitual encontrá-las, Havermans recorda que “pareciam ser o zooplâncton dominante durante o inverno”.

Dado que durante a escuridão da ‘noite polar’ a disponibilidade de algumas fontes de alimento pode ser menor, os cientistas quiseram perceber se as águas-vivas seriam uma alternativa, permitindo que outros organismos ingiram calorias mesmo nesses meses mais difíceis em Kongsfjorden.

Através de redes e armadilhas, a equipe recolheu anfípodes, pequenos crustáceos que estão na base de várias cadeias tróficas do Ártico, e perceberam, usando técnicas de análise genética, que os estômagos estavam cheios de vestígios de águas-vivas.

“Encontramos um grande número de águas-vivas nos estômagos dos anfípodes”, revela Havermans, desde as espécies maiores avistadas nos fiordes até os mais pequenos hidrozoários. Por isso, num artigo recentemente publicado na revista ‘Frontiers in Marine Science’, argumentam que as águas-vivas são mesmo um elemento importante das teias alimentares do Ártico durante as ‘noites polares’.

Os pesquisadores afirmam que esta é a primeira vez que foi confirmado que os anfípodes se alimentam de águas-vivas, ou de restos desses animais mortos, algo que só tinha sido registrado em laboratório.

Contudo, algumas questões continuam ainda sem resposta. Entre elas, se os anfípodes se alimentam regularmente de águas-vivas ou se isso só acontece durante os meses mais frios e mais escuros do ano, como uma alternativa de último recurso devido à falta de outros alimentos.

Seja como for, Havermans declara que “a próspera e diversificada comunidade de medusas que ocorre em Kongsfjorden no inverno é claramente usada como uma fonte de alimento”, e foi até descoberto que as espécies de anfípodes do gênero Gammarus se alimentam de águas-vivas, algo que era, até então, desconhecido da ciência.

Uma vez que tudo indica que o aquecimento global continuará a levar cada vez mais medusas para as regiões polares, saber o papel que desempenham nas teias tróficas das regiões mais remotas do planeta é fundamental.

“Com este estudo, revelamos ligações cruciais na teia trófica do Ártico até agora desconhecidas. Isto é fundamental, porque precisamos de compreender como as águas-vivas encaixam nas teias alimentares e se disseminam num Ártico em rápida transformação”, assinala a investigadora.

Fonte: Greensavers

    Você viu?

    Ir para o topo