A contaminação por agrotóxicos está nas águas do Pantanal. Atinge os rios e o subsolo e chega até os tanques de piscicultura e poços artesianos de áreas do bioma que é símbolo da exuberância. Com o ciclo de evaporação, volta em forma de chuva venenosa.
Comunidades quilombolas e assentamentos espremidos entre as grandes propriedades agrícolas de monocultura têm de comprar água para fugir da contaminação. A falta de água potável desestrutura os plantios agroecológicos, as hortas para subsistência, modifica hábitos e meios de obtenção de renda, rareia os alimentos e afeta a saúde dos moradores da região.
É o cenário que emerge do “Relatório Técnico – Agrotóxicos no Pantanal”, lançado na última terça (6).
O estudo é a segunda etapa de uma análise sobre os impactos dos agrotóxicos e violação de direitos humanos em comunidades rurais no Pantanal de Mato Grosso. Foi realizado pela ONG Fase, em parceria com o Instituto de Saúde Coletiva (ISC) e o Núcleo de Estudos Ambientais, Saúde e Trabalho (Neast), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). A primeira edição foi lançada em 2020, para alertar sobre os problemas sofridos pelas comunidades e pleitear instrumentos de denúncias eficazes para quem tem os direitos violados.
Para este novo levantamento, foram feitas, em maio de 2021, coletas de águas da chuva, rios, córregos, cachoeiras, poços artesianos, caixas d’água de escolas rurais, e tanques de piscicultura em quatro comunidades nos municípios de Poconé, Cáceres e Mirassol D’Oeste, em Mato Grosso, e enviadas ao Laboratório da Universidade Federal de Santa Maria, considerado referência na análise de resíduos de agrotóxicos.
Foram detectados dez tipos de agrotóxicos com alta frequência de detecção (em mais de um tipo de amostra), de três famílias de drogas: herbicidas – Atrazina, Picloram, 2,4-D, Clomazone, Tiobencarbe, Clorimurom etílico; inseticidas – Imidacloprido e Fipronil; e fungicidas – Tebuconazol e Carbendazim. Os de maior frequência foram Clomazone, Imidacloprido e Atrazina e os de maior concentração nas águas foram 2,4 D, Picloram e Atrazina. O estudo aponta que cinco dos princípios ativos detectados são proibidos em países da U nião Europeia, Suíça, Austrália e Canadá, por riscos à saúde humana e ao meio ambiente: Atrazina, 2,4 D, Fipronil, Carbendazim e Imidacloprido.
Dos 10 agrotóxicos identificados nas amostras, oito não fazem parte de uma resolução de 2008 do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) que aponta os limites de quantificação praticáveis (LQP) de águas subterrâneas e quatro não estão listados na portaria de 2021 de padrão de potabilidade para agrotóxicos e metabólitos que representam risco à saúde.
“A exposição aos agrotóxicos agrícolas, em graus diferenciados de toxicidade, se dá de modo ocupacional e ambiental, por meio de pulverizações aéreas, mecanizadas e costais e está presente em todos os elos da cadeia produtiva do agronegócio, deixando resíduos nas águas, nos solos e no processo agroindustrial de alimentos”, aponta o relatório.
A expansão da soja vem causando “degradação ambiental, perda da biodiversidade, escassez de água e a contaminação por agrotóxicos, o que aumenta as violações de direitos junto às comunidades tradicionais pantaneira, quilombolas e indígenas, centenárias nesse território”, afirma o texto.
Segundo o estudo, a contaminação em larga escala veio depois dos desmatamentos e das queimadas, com a chamada “deriva” das pulverizações aéreas e terrestres.
“Os povos originários, comunidades tradicionais, camponeses e agricultores familiares são as populações mais expostas ao uso intensivo de agrotóxicos e aquelas cujos direitos fundamentais são os mais violados. Uma exposição forçada a agrotóxicos pode impactar direitos individuais, coletivos e difusos e afetar uma gama de direitos humanos econômicos, ambientais, sociais e culturais”, diz o relatório.
O estudo sustenta que os agrotóxicos fazem o papel de uma “arma química” de expulsão das comunidades tradicionais. O quadro de ataque aos direitos humanos é agravado, de acordo com o texto, pela dificuldade da realização de denúncias e da responsabilização dos criminosos.
O relatório afirma que as violações só cessarão quando houver efetiva responsabilização de todos os envolvidos na cadeia, da empresa fabricante ao agente pulverizador, e reivindica atendimento eficaz dos órgãos de fiscalização e controle da saúde, do meio ambiente e da agricultura, com canais de denúncia competentes, ágeis e de fácil acesso pelas comunidades.
“Os tribunais brasileiros devem avançar no reconhecimento de teses jurídicas como a responsabilidade objetiva e solidária entre aqueles responsáveis pelos danos (coletivos, individuais e difusos)”, aponta.
“O Pantanal, a maior planície alagada do planeta, existe justamente pelas forças de suas águas, os povos pantaneiros vivem de acordo com a dinâmica dos rios. São estes povos que habitam territórios tradicionais, quilombolas e aldeias indígenas e que vivem e estabeleceram uma relação de convivência e respeito com o bioma, ao longo de séculos desenvolvendo práticas de manejo ecológico do bioma”, defende.
O interesse na devastação do Pantanal parece cada vez mais forte. Em julho, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso aprovou um projeto de lei que permite atividades agropecuárias extensivas em APPs (Áreas de Preservação Permanente), utilização de até 40% das propriedades em área alagável para pastos e o uso de agrotóxicos e agroquímicos na região.
O PL 561/2022 autoriza manejo de vegetação nativa, uso do fogo, introdução de pastagem com espécies exóticas e construção de empreendimentos de turismo, infraestrutura e abastecimento, sem a emissão dos laudos de Impacto Ambiental.
Organizações ambientais reunidas no Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento se manifestaram contra o PL, afirmando que o texto desrespeita o Código Florestal brasileiro e trará “prejuízos à qualidade da água, às espécies animais e vegetais, ao equilíbrio ecológico e aos povos tradicionais e indígena da maior planície alagável do mundo”. O PL foi sancionado pelo governador do Mato Grosso no dia 4 de agosto.
Fonte: Ecoa