Ave selvagem de médio porte, protegida por se encontrar globalmente ameaçada, o sisão esteve na origem de uma longa disputa judicial entre o Estado português e um agricultor alentejano. Tudo porque um bando de centenas de sisões instalou-se num terreno onde foram plantados 22 hectares de melão. E o homem não conseguiu autorização para os abater, exigindo ser indenizado pelos prejuízos sofridos.
O processo arrastou-se 17 anos pelos tribunais portugueses, chegando agora ao fim com um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que estabelece não haver lugar ao pagamento de qualquer indenização, contrariamente ao que havia sido decidido pelo Tribunal Administrativo de Lisboa, segundo o qual o agricultor teria de ser compensado em 31.361 euros, acrescidos de juros.
O caso remonta a julho de 1992 quando o agricultor, residente em Salvada, no conselho de Beja, em Portugal, requereu ao então presidente do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza (SNPRCN) a emissão de uma credencial para proceder ao “espantamento” de cerca de mil sisões que lhe haviam “invadido” a propriedade. A licença foi passada, podendo as aves ser espantadas com recurso a “tiros de espingarda caçadeira, uso de bombas, ou por outros meios que se revelem adequados”, mas sem causar a morte ou ferimentos nos animais, que já se encontravam protegidos pela legislação nacional e comunitária na época.
Em agosto desse ano, o agricultor volta a escrever ao SNPRCN alegando ter tentado tudo para afastar os sisões, sem sucesso. Pretendia uma autorização especial para abate das aves, que lhe foi recusada, visto tratar-se de uma “espécie vulnerável de fauna dependente do território nacional”, só podendo ser abatida “em condições perfeitamente excepcionais”, que não estariam reunidas “no presente caso”.
Os serviços da Agricultura e do Ambiente ainda se prontificaram a prestar o “apoio possível” no espantamento das aves, mas os sisões não saíram do local e acabaram por destruir quase por completo a cultura de melão – de uma produção estimada em 296 mil quilos, foram apenas colhidos cerca de quatro mil quilos. Um prejuízo da ordem dos 31 mil euros, do qual o agricultor procurou ser ressarcido por parte do Estado, argumentando que o sisão ainda se encontrava incluído na lista de “fauna cinegética e de caça”.
O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 9 de Dezembro, deu razão à argumentação do Estado, segundo o qual as diretrizes comunitárias de protecção das aves selvagens, adaptadas para a legislação nacional, resultaram numa “revogação tácita” da Lei da Caça, retirando o sisão da lista de espécies cinegéticas e incluindo-o na de aves sujeitas a medidas de proteção e conservação.
Ainda de acordo com as alegações do Estado, o “acampamento” de sisões é considerado um “risco normal” para quem cultiva a terra.
Fonte: Diário de Notícias