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Agências do Brasil sabotam a proteção ambiental na Amazônia

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11 de março de 2021
Sue Branford e Thais Borges (Mongabay) | Traduzido por Milena Rodrigues, Oliver Furquim e MichelleSue Branford e Thais Borges (Mongabay) | Traduzido por Milena Rodrigues, Oliver Furquim e MichelleSue Branford e Thais Borges (Mongabay) | Traduzido por Milena Rodrigues, Oliver Furquim e Michelle
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Um novo relatório documenta rígidos cortes orçamentários para o monitoramento ambiental brasileiro e combate a incêndios. As reduções, de 9,8% em 2020 e 27,4% em 2021, segundo analistas, foram infligidas pelo governo Bolsonaro em “uma política clara para arruinar as políticas ambientais nacionais”.

Durante o governo Bolsonaro, as agências ambientais do Brasil foram submetidas a quase 600 mudanças administrativas e regras, invocadas por ordem executiva presidencial e resultando em desregulamentação ambiental massiva.

Ainda sob o mandato do governo Bolsonaro, o desmatamento disparou, com um aumento de 34% nos últimos dois anos. Além disso, a capacidade de punir criminosos ambientais caiu drasticamente devido à escassez de fundos. As multas impostas por desmatamento ilegal, ao invés de aumentarem durante a onda de crimes ambientais na Amazônia caíram 42%, de 2019 a 2020.

Diante da destruição de agências e proteções ambientais pelo governo Bolsonaro, dois líderes indígenas – o chefe Kayapó Raoni Metuktire e o chefe Paiter Surui Almir Narayamoga Surui – pediram ao Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia para investigar o presidente Bolsonaro por “crimes contra a humanidade.”

Foto: Chico Batata / Greenpeace

“O governo Bolsonaro tem uma política clara para desmantelar todas as políticas ambientais nacionais. Estão deslegitimando os órgãos ambientais federais e seus funcionários, demitindo pessoal competente, nomeando pessoas mal preparadas para chefiar ministérios e ‘flexibilizando’ os regulamentos que constituem uma parte importante das políticas ambientais em todos os países. “Ele está destruindo tudo isso”, disse Suely Araújo ao Mongabay. Suely é especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, uma rede de ONGs brasileiras que trabalham contra as mudanças climáticas.

A maneira como ocorre o desmantelamento dos órgãos e políticas ambientais do país na prática foi descrito em detalhes em um novo relatório, publicado em 22 de janeiro pelo Observatório do Clima. Ele mapeia como o governo Bolsonaro sistematicamente cortou o orçamento para monitoramento ambiental e combate a incêndios – reduzido em 9,8% em 2020, depois em outros 27,4% em 2021. De acordo com o relatório, os cortes são tão amplos que tornam impossível para as agências ambientais do país cumprirem seu trabalho com eficácia.

Os críticos apontam que, se o governo estivesse realmente comprometido com a proteção ambiental, esses cortes não fariam o menor sentido. Outra prova: mesmo com o aumento do desmatamento no Brasil, sob liderança do governo Bolsonaro (mais precisamente 34% nos últimos dois anos), a capacidade das agências federais para punir os criminosos diminuiu drasticamente devido à escassez de financiamento. O número de multas impostas por desmatamento ilegal e danos à vegetação, que deveria aumentar devido a essa prática criminosa, caiu drasticamente em 42%, de agosto de 2019 a julho de 2020, de acordo com dados fornecidos pelo órgão ambiental do governo, o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Longe de tentar conter o desmatamento, o Observatório do Clima acredita que o objetivo do governo seja facilitá-lo. “O governo está optando por não ter políticas ambientais, por paralisá-las”, disse Araújo. “Os recursos destinados ao Ministério do Meio Ambiente e seus órgãos já são tão pequenos, que reduzi-los não faria muita diferença para a economia do país. Ou seja, quando você corta recursos que já são insuficientes, o objetivo é destruir os órgãos que os recebem.  É sabotagem.  Devemos nos lembrar de que além da baixa inaceitável da distribuição orçamentária de 2021, o governo ainda recusou o dinheiro do Fundo Amazônico, fornecido internacionalmente, desde janeiro de 2019.

A intenção do governo de desmantelar as proteções ambientais não é percebida apenas nos cortes drásticos de orçamento, conforme aponta o relatório.  O governo não só impulsionou a desregulamentação, mas também rápidas mudanças nas regras, de uma forma “infra-legal”, ou seja, movendo-se por fora dos processos legais. Quase 600 mudanças regulatórias importantes foram implementadas com nada mais do que uma canetada do presidente.

Essas alterações principais incluem: a flexibilização dos controles sobre as exportações suspeitas de madeira amazônica; as tentativas de permitir a exploração de petróleo em áreas preservadas, como a do Arquipélago de Abrolhos, a região marinha mais diversa do oceano Atlântico Sul; o amontoamento de militares em órgãos ambientais; e a proposta de fusão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICM-Bio) que administra as áreas protegidas do Brasil com o IBAMA.

De acordo com o relatório, a abordagem de desregulamentação ambiental massiva do governo foi revelada pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em uma reunião ministerial, em 22 de abril de 2020. Essa reunião foi filmada e o governo tentou impedir que o vídeo fosse divulgado, mas o Juiz Celso de Mello, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou a divulgação do vídeo em 22 de maio do mesmo ano.

Usando uma frase na reunião que ficou famosa no país, o ministro Ricardo Salles suplicou que os outros ministros aproveitassem o quase exclusivo foco da grande mídia na pandemia de COVID-19 para “passar a boiada” – frase usada posteriormente pelo Observatório do Clima como título do seu relatório. Salles foi explícito em sua intenção: “Há uma lista enorme de coisas que nós podemos simplificar nas regulações de todos os ministérios. Não precisamos do Congresso”, ele disse.

O Mongabay contatou o Ministério do Meio Ambiente para comentar sobre as alegações feitas no relatório. Quando esse artigo foi publicado, o ministério ainda não havia respondido.

Mas, de acordo com o relatório, as políticas de Bolsonaro enfrentam resistências no Congresso, no Judiciário e na Sociedade Civil. O governo encerrou o ano de 2020 enfrentando quatro ações judiciais de alto impacto que tramitam no STF, tratando do desmantelamento de políticas ambientais. Anteriormente, o Supremo Tribunal Federal já havia imposto derrotas contra o governo de Bolsonaro, ao exigir políticas explícitas de proteção aos povos indígenas e determinando que o governo fornecesse ajuda emergencial no combate aos surtos de Covid-19 nos territórios indígenas.

A destruição das políticas ambientais também tem em vista, claramente, as comunidades tradicionais, incluindo os povos indígenas. Mas existem outras formas pelas quais o governo de Bolsonaro tem atacado, deliberadamente, essa população.

O Observatório do Clima dá vários exemplos: a decisão normativa nº 9, publicada pela agência indígena, FUNAI, fornece permissão aos proprietários de terras privadas, para que estes possam requerer terras em territórios indígenas, desde que essas terras estejam totalmente demarcadas; e o Projeto de Lei 191/2020, que rege atividades econômicas, como mineração, exploração madeireira e a construção de represas hidrelétricas dentro de territórios indígenas. Somado a isso, os ataques de Bolsonaro aos povos indígenas, que encorajam invasões às suas terras, aumentou 135% em 2019, de acordo com o Conselho Indígena da Igreja Católica (CIMI).

Pedidos de investigação à Corte de Crimes Internacionais.

Enfrentando a deturpação das agências federais e de proteção causadas por Bolsonaro, além de suas políticas anti-indígenas, dois caciques indígenas brasileiros – o chefe Raoni Metuktire, lider dos Kayapo e o Chefe Almir Surui, líder do grupo Surui – solicitaram à Corte de Crimes Internacionais (ICC) em Haia a investigação do Presidente Bolsonaro pelos “crimes contra humanidade”. As acusações são de ampla variedade, com Bolsonaro sendo acusado de mortes, exterminações de povos indígenas, migração forçada, escravidão e execução de políticas anti-ambientais.

Um dos caciques, Raoni Metuktire, com idade próxima a 90 anos, disse no último ano: “Eu vi muitos presidentes indo e vindo, mas nenhum falou tão mal de pessoas indígenas, como ele, a ponto de nos destratar, a nós e a floresta. Desde que ele [Bolsonaro] se tornou presidente, ele está sendo o pior para nós.”

Não é a primeira vez que estas acusações contra o Bolsonaro são trazidas ao ICC. Três tentativas de acusações foram feitas a “crimes contra a humanidade” devido à negligência sofrida durante o combate à pandemia da Covid-19. A todo momento, o governo brasileiro se recusa a fazer comentários sobre o assunto. A Mongabay contatou a presidência a respeito das acusações dos líderes indígenas, e não havia recebido resposta até a data de publicação deste artigo.

O advogado parisiense, William Bourdon, está representando os indígenas neste caso. Bourdon disse a Mongabay que a ICC tem uma “jurisdição subsidiária” a processos nacionais e pode se envolver apenas sob última recusa de processo ou em sua impossibilidade de realização. O advogado explicou: “Neste caso, o princípio da subsidiariedade [jurisdição] é atendida porque as autoridades judiciais brasileiras se recusam a processar e … também são incapazes de fazê-lo.” Ele disse que Bolsonaro provavelmente seria acusado de “crimes contra a humanidade perpetuados no contexto mais amplo do crime ambiental”. Em outras palavras, ele adicionou que, se o caso prosseguir, Bolsonaro será acusado de “ecocídio”.

Nos meses seguintes, o promotor chefe, Fatou Bensouda, precisará determinar se existem provas suficientes para uma investigação a Bolsonaro ou não. Não há um prazo para a decisão, mas Bourdon disse a Mongabay que este é um caso urgente. “Bolsonaro quer destruir estas comunidades indígenas.  Nós temos o dever coletivo de protegê-las.”

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