Leia abaixo na íntegra:
A PEC 50/16, APROVADA NO DIA 31 DE MAIO DE 2017, altera o ARTIGO 225 da Constituição Federal, acrescentando o parágrafo 7º, que determina o seguinte:
“Art. 225(…) § 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as manifestações culturais previstas no §1º do art. 215 e registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, desde que regulamentadas em lei especifica que assegura o bem estar dos animais envolvidos”.
Juntamente com a PEC 50, temos a lei 13.364/16, que determina em seus preceitos que vaquejadas e rodeios são manifestações culturais. Com isso, o legislador encaixa as vaquejadas no paragrafo 7º, acrescentado pela PEC 50/16. Foi tudo planejado para blindar a atividade criminosa e atropelar a decisão do STF, que declarou a inconstitucionalidade dessa prática.
Pois, bem, vejamos então porque essas duas normas não conseguirão proteger as vaquejadas da decisão do Supremo:
1. Primeiramente, a PEC 50 fala em “manifestações culturais registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro”.
Quem faz esse registro é o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico Cultural, órgão público ligado ao Ministério da Cultura e o único no Brasil competente para registrar atividades como patrimônio cultural imaterial brasileiro. Visitamos pessoalmente o Iphan, em um trabalho realizado juntamente com a ONG Veddas em novembro do ano passado e tivemos a resposta do diretor deste órgão público de que eles jamais foram procurados para que registrassem vaquejadas como patrimônio cultural. Além disso, deixou claro que o IPHAN não compactua com a ideia de que práticas que envolvem maus tratos a animais sejam parte do patrimônio cultural, de modo que não possibilitariam o registro ainda que fossem procurados.
2. Segundo, a lei 13.364 é inconstitucional, pois determina as vaquejadas e rodeios como patrimônio cultural, sendo que não houve a chancela do órgão responsável. Ora, leis não tem o condão de decidir o que é ou não patrimônio cultural, pois, para isso, é preciso um estudo de anos e a aprovação do IPHAN. Nada disso existiu, ou seja, a lei mais uma vez passou por cima do poder público para proteger à força uma prática que envolve crime ambiental grave, com danos irreversíveis ao meio ambiente. Informamos ainda, que elaboramos uma Representação através da ONG Veddas para que o Ministério Público Federal tome das medidas pertinentes no sentido de propor ADI contra a referida Lei. Estamos acompanhando o trâmite.
3. Terceiro e mais importante: como bem observado pela Dra. Fernanda, o §7º é claro ao expressar: ” desde que regulamentado em lei que assegure o bem estar dos animais”. Vejam, segundo os ministros do Supremo, os maus tratos são intrínsecos à prática de vaquejadas, sem isso não há “diversão”, afinal, a atividade consiste em derrubar um animal de aproximadamente 300 kg, puxando-o pela cauda. Ou seja, é impossível que os animais envolvidos não sejam maltratados. Considerando ainda o stress psicológico a que são submetidos antes, durante e depois do evento, que resulta em sofrimento extremo e desnecessário. Além de vários vídeos que provam os maus-tratos, ainda temos inúmeros laudos de médicos veterinários. Ademais, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) se posicionou oficialmente contra as vaquejadas por considerar que há maus-tratos. Ou seja, o parágrafo aqui estudado NÃO PROTEGE A VAQUEJADA, POIS ELE SÓ PROTEGE PRÁTICAS QUE NÃO ENVOLVAM MAUS- TRATOS. A VAQUEJADA ESTA TERMINANTEMENTE FORA DESSE ROL. Importante lembrarmos que a mudança na Constituição não torna a crueldade aos animais benigna. O parágrafo que foi acrescentado diz: “desde que não atente contra o bem-estar animal”. Como dito, os maus-tratos são intrínsecos à prática de vaquejada, e maus-tratos continua sendo crime ambiental. Isso não mudou. As denúncias devem continuar. As provas de crueldade precisam ser levadas ao judiciário e o MP tem obrigação de prosseguir com sua atuação.
Não obstante isso, ainda há que se observar no recorte acima, que a norma fala “desde que regulamentado em lei “. Ora, qualquer lei que tente regulamentar vaquejadas pelo país será inconstitucional, pois já está decidido em ADI que a prática da vaquejada afronta os preceitos constitucionais, ou seja, impossível legalizar a prática, tanto que a Procuradoria Geral da República já esta pedindo a inconstitucionalidade de várias leis novas que estão tentando regulamentar vaquejadas nos Estados. Assim, o que diz o § 7º se torna absolutamente inviável, pois se a condição para a proteção das vaquejadas é existir lei que regulamente a vaquejada e assegure o bem estar dos animais, já vimos que não há a menor possibilidade de prosperar.
Resumindo então as orientações:
1. VAQUEJADAS NÃO SÃO PATRIMÔNIO CULTURAL E JAMAIS SERÃO ASSIM CONSIDERADAS.
2. LEI NÃO PODE DETERMINAR O QUE É OU NÃO PATRIMÔNIO CULTURAL SEM A AUTORIZAÇÃO DO IPHAN, PORTANTO, A LEI 13.364/16 É INVÁLIDA.
3. NÃO HÁ POSSIBILIDADE DE ASSEGURAR O BEM ESTAR DOS ANIMAIS NAS VAQUEJADAS, POIS SEM MAUS TRATOS A PRÁTICA NÃO ACONTECE. A CRUELDADE É INTRÍNSECA À ATIVIDADE.
4. LEIS ESTADUAIS OU MUNICIPAIS NÃO PODEM REGULAMENTAR PRÁTICA CONSIDERADA INCONSTITUCIONAL POR DECISÃO EM ADI.
5. AS VAQUEJADAS, PORTANTO, NÃO SE ENCAIXAM NO § 7º, DE FORMA QUE NÃO RECEBERÃO A PROTEÇÃO OBJETIVADA PELO LEGISLADOR.
6. OS ATIVISTAS PODEM CONTINUAR DENUNCIANDO OS MAUS TRATOS ATRAVÉS DE BOLETINS DE OCORRÊNCIA, DENÚNCIAS, MANDADOS DE SEGURANÇA, AÇÕES CIVIS PÚBLICAS E TODOS OS INSTRUMENTOS JURÍDICOS QUE O ORDENAMENTO JURÍDICO COLOCA À DISPOSIÇÃO DOS CIDADÃOS.
Nos colocamos à disposição de todos para dúvidas e orientações.
Atenciosamente,
Fernanda Tripode e Letícia Filpi – advogadas ativistas pelos direitos animais.