Eles agitam o rabo, latem, lambem, acariciam, miam, pulam, numa linguagem agradecida que não deixa dúvidas: adotá-los foi um ato de resgate que lhes mudou o futuro. Carinhos e recompensas de ambos os lados, contudo, têm um preço: o exercício da responsabilidade na adoção. Tema da entrevista concedida ao editor Ivo Santos Cardoso pelo biólogo paulista Renato Bacci Neto, no intervalo de sua agitada vida diária em defesa desses companheiros domésticos abandonados à própria sorte.
Vida Integral: Há quanto tempo você faz esse trabalho em busca de adotantes responsáveis?
Renato: Faz cerca de um ano e meio que entrei de cabeça no projeto e me dedico a ele 24 horas por dia.
Vida Integral: Por que escolheu essa atividade paralela?
Renato: Claro que, além de gostar muito de animais e achar que todos temos uma parcela de culpa pelo sofrimento deles, conheci o trabalho que já era feito por mero acaso – porém, sem acaso nenhum – logo que identifiquei a necessidade de ajudar mais efetivamente não só os bichos mas as pessoas; percebi que tinha um dom para fazer isso, portanto uma obrigação social e civil além de moral, pois, sabendo que tenho este dom, não posso negar e deixar de ajudar.
Vida Integral: Tem algo a ver com sua profissão?
Renato: Tudo tem a ver, mas filosoficamente, pois qualquer que seja o trabalho que eu exerça, na área que for, a causa animal e ambiental irá sobressair.
Sou desenhista desde que nasci, tatuador profissional desde os treze anos, fiz Medicina Veterinária com vinte, Biologia aos 24, antes de doar adotei. Enfim, minha vida sempre girou em torno dos animais ou de fazer algo melhor pelo próximo.
Vida Integral: Quem e quantos participam dessa atividade em favor dos bichos?
Renato: Comigo, no meu Projeto diretamente, são cinco ou seis pessoas por fim de semana, mas voluntários no centro de adoção são cerca de trinta, no projeto todo mais de cem. e parceiros cadastrados são quase cinco mil. Sem contar todas as pessoas que conhecemos que também fazem o mesmo trabalho que nós, e muitas que nem conhecemos.
Vida Integral: Como é mantido o trabalho?
Renato: À base de doações, mas, como somos voluntários organizados, não temos conta ou apoio significativo, apenas contamos com doações de rações, medicamentos, produtos de limpeza, coleiras e temos uma caixinha de contribuições nos centros de adoção.
Fazemos alguma captação indo atrás de parceiros, mas são muito poucos os que doam algo efetivo, então, acaba sendo mantido por suor mesmo, principalmente do biólogo que criou todo o projeto, Lito Fernandez, que tem emprego convencional que lhe permite nos ajudar muito.
Vida Integral: Além deste casarão na Av. Paulista, em que outros lugares esse trabalho é feito em São Paulo?
Renato: Nós realizamos eventos onde formos convidados e houver condições, mas o trabalho é feito em todos os lugares, por nós ou outros grupos, cada rua, praça, esquina ou cantinho tem sempre uma alma bondosa disposta a dar um pouco de comida e água para um animal.
Vida Integral: Tem informação sobre a população de cães e gatos abandonados na cidade?
Renato: Impossível prever, mas, cadastrados para adoção, castrados, vacinados e vermifugados se não me engano passa de um milhão, então, imagine os que ainda estão nas ruas.
Vida Integral: Quais os riscos principais desse abandono?
Renato: Não só a procriação desenfreada destes animais, o que cria uma bola de neve, mas transmissão de zoonoses, acidentes de trânsito, ataques por medo, ou incentivo, ataques aos animais, sujeiras nas ruas, lixos rasgados trazendo moscas, mais doenças, mais ratos, enfim…
Vida Integral: O que se exige do adotante?
Renato: Contribuição de R$ 50,00, uma foto com o animal e compromisso de comprometimento total com o adotado assinado com base em leis. Exigimos local seguro, guarda responsável, alimentação adequada, amor e muito mimo.
Vida Integral: O que se espera dele com a adoção?
Renato: Que aprenda com este bicho a observar o mundo, receber o que lhe é dado com alegria e gratidão, e devolver a este bicho, tudo isso com muito amor, muito carinho e que dê uma vida, pelo tempo que o animal viva, cheia de alegrias e paz, sem mais passar necessidades ou maus-tratos ou novos abandonos. Esperamos do adotante comprometimento com o animal, acima de tudo.
Vida Integral: O que pode ocorrer com o adotante que maltratar o animal adotado?
Renato: Perde a guarda imediatamente e é acionado judicialmente com base nas infrações cometidas, além de ter seu caso registrado como crime contra o meio ambiente. O cidadão, no mínimo, será obrigado a prestar serviços à comunidade na área em que ocorreu o problema, ou seja, em um centro de adoção ou na zoonose.
Vida Integral: O adotante pode encomendar um animal que lhe seja conveniente?
Renato: De certa forma sim. Muitas vezes as pessoas não têm animais, pois criam a imagem de um bicho que vai acabar com sua vida, seu dinheiro e seu tempo. Aí, pessoas mais conscientes analisam sua própria vida e disponibilidade e procuram o animal que melhor se encaixará neste perfil: temperamento, porte, pelagem, idade… Assim que aparece um animal com estas características, entramos em contato e fazemos a apresentação, se for adequado para o adotante e for o melhor pro animal, quanto mais querido seja, melhor.
Vida Integral: Considerando que vocês não recebem animais, qual a procedência deles?
Renato: Em sua maioria são casos com que me deparo pessoalmente, como todos vocês, vendo um cãozinho na esquina rasgando um saco de lixo, ou um cachorrão sendo apedrejado por crianças, um gato largado por sua família num parque, animais que estão no Centro de Controle de Zoonoses, enfim, casos particulares que aparecem cada dia e acabo ajudando em função do espaço e lotação que já tenho em casa.
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Serviço
Feiras de Adoção
Av. Paulista, 1919, São Paulo
Sábados domingos e feriados das 11h às 19h.
Fones: 2917-0257; 9381-4701.
www.naturezaemforma.com
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Casos para rir e emocionar…
Aqui, algumas histórias narradas por Renato. “Tenho várias e sou um contador, mas vou contar apenas as felizes”, afirma o biólogo.
– Tiramos um fox paulistinha desnutrido e sem boa parte da boca de uma situação complicada. Imagine o lábio todo do cão e mais um pouco de um lado da face e até a língua ficavam expostos. Muitas cirurgias depois, o moço ficou com uma ponta do canino de fora e fazendo cara de malando, um sorrisinho no canto da boca, quase imperceptível. O nome dele é Boquinha, voltou a comer e hoje é um obeso e sua dona nos preocupa pois acaba confessando que o cão come um ou dois pedaços de pizza às vezes…
– Lembro bem do Pit. Me ligaram, um dia de chuva, informando que tinha um cão na rua machucado. Não atendo denúncias, mas, era na minha rua, fiquei curioso e culpado, acabei saindo.
Depois de muito procurar e todo molhado, vejo na decida, na sarjeta, empurrado aos poucos com a enxurrada, uma bolinha preta…
Um minipincher velhinho de uns dez anos, cheio de sangue, que me mordeu todo mas não me machucou pois havia perdido os dentes, talvez num atropelamento. Disseram que fora jogado de um carro. Todo quebradinho, orelha rasgada…
Levei para casa – veterinário, casa de novo – um mês depois o maloqueirinho do meu velhinho, sem dentes, boca torta, pata quebrada e orelha faltando um pedaço, ficando ceguinho, arrumou um lar em cima de uma pizzaria na Mooca, recebeu o nome de Ziggy, ganhou uma bolsa em que sua dona o leva para cima e para baixo para não cansar o velhinho.
Ziggy chora às lágrimas cada vez que me vê, depois de fazer xixi na minha perna, claro, e raspar as patas como um tourinho; às vezes cai, mas continua ali, firme e forte. Além é claro, de ter ganho um irmão inseparável, o Boquinha… Dois velhinhos gordinhos de boca torta.
– O nosso gatão que posou para fotos num anúncio de promoção de um portal faturou cem quilos de ração que doou para o projeto e de quebra ganhou dois irmãos e um apartamento de dois andares nos jardins, ou uma cadelona que peguei esta semana com uns quarenta cães em volta dela mordendo e tentando cruzar à força, que assim que entrou em casa se jogou no chão geladinho, toda ferida, tomou um balde d’água, suspirou e me deu uma bela lambida de agradecimento, dormiu dois dias seguidos e comeu por mais dois seguidos e agora esta aqui com a cabeça no meu colo olhando para a tela do computador e para mim ao mesmo tempo que assiste TV.
Por ter sido resgatada no cio e todos a chamarem de “no cio” recebeu carinhosamente de mim o nome de Lucy Leu e aguarda um lar pois já está castrada, vacinada e vermifugada.
Fonte: Vida Integral