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ESPÉCIE AMEAÇADA ESPÉCIE AMEAÇADA ESPÉCIE AMEAÇADA

Ações conservacionistas estão salvando linces-ibéricos da extinção

Essa espécie é uma de várias destacadas em um estudo que mostra como a conservação direcionada pode salvar espécies,Essa espécie é uma de várias destacadas em um estudo que mostra como a conservação direcionada pode salvar espécies,Essa espécie é uma de várias destacadas em um estudo que mostra como a conservação direcionada pode salvar espécies

29 de março de 2021
Johan Augustin (Mongabay) | Tradução de Tainá FonsecaJohan Augustin (Mongabay) | Tradução de Tainá FonsecaJohan Augustin (Mongabay) | Tradução de Tainá Fonseca
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Em 2002, o lince-ibérico estava extinto de seu habitat em Portugal e eram menos de 100 na Espanha, no caminho para se tornar a primeira espécie de felinos a ser extinta desde o dente-de-sabre há 12.000 anos atrás.

Mas várias medidas de conservação visando todas as ameaças à espécie têm visto ele saltar para trás da beira do precipício, com uma população selvagem atual por volta de 1.000.

A reintrodução de Linces criados em cativeiro foi complementada pela readaptação do lince a ambientes selvagens, junto com o aumento de espécies predadoras e a criação de corredores ecológicos e túneis em estradas para diminuir as mortes por acidentes.

Essa espécie é uma de várias destacadas em um estudo que mostra como a conservação direcionada pode salvar espécies da extinção, embora ainda existam ameaças, incluindo mudanças climáticas.

Imagem de lince-hibérico
Pixabay

São 12h num dia de verão, o termômetro marca 40° Celsius, e o guia de natureza Nuno Roxo nos leva por uma caminhada no Parque Natural do Vale do Guadiana em Portugal. A grama alta e as ervas, golpeadas pela luz do sol, não veem nenhuma chuva há vários meses. Nós continuamos por uma trilha estreita, usada pelos animais selvagens como javalis e veados. Os coelhos saltam para os arbustos.

O cenário parece promissor para a volta do maior predador da região, cuja presa favorita são os coelhos: Lince-ibérico. Nuno diz que em seus vários anos de guia, ele viu um vislumbre enganoso do gato apenas uma vez, passando rapidamente. A melhor de vê-los, ele diz, é por algum curral de ovelhas, onde os Linces preparam uma emboscada – mas não para as ovelhas.

“O lince pega as raposas que aparecem para matar as ovelhas, então os donos de terra apreciam ter linces em suas propriedades,” diz Nuno. 

Não foi sempre assim. Meio século atrás, a Península Ibérica, composta por Portugal e Espanha, era casa de milhares de linces-ibéricos (Lynx pardinus). A espécie tem cerca da metade do número do lince-euroasiático (Lynx lynx) mais comum achado em climas mais frios no norte, mas dividem a mesma má reputação por caçarem gado. Isso os fez o alvo favorito dos produtores, que os veem como uma presa, assim como os caçadores que os vendiam sua pele e carne, ou faziam deles um troféu.

Demorou até o começo dos anos 1970 antes dos linces-ibéricos serem legalmente protegidos. Mas o declínio continuou, impulsionado pela fragmentação do seu habitat, mortes na estrada e a falta de presas, particularmente o coelho-europeu (Oryctolagus cuniculus), que compõe cerca de 75% da dieta do lince-ibérico. No começo do milênio, a população de linces tinha alcançado uma baixa dramática: em 2002, apenas 94 o lince-ibérico ainda percorria pela Espanha, e em Portugal a espécie havia sido declarada localmente extinta. A espécie foi declarada o gato mais ameaçado do mundo, perto do leopardo-de-amur (Panthera pardus orientalis), e estava a caminho de se tornar a primeira espécie de gatos a ser extinta desde o dente-de-sabre 12.000 anos atrás

Desde essa queda, no entanto, o gato se recuperou. Na Espanha, o governo, cientistas e organizações ambientais trabalharam em reintroduzir os linces com animais reproduzidos em cativeiro. Eles também trabalharam com colegas de Portugal, e em 2016, o primeiro lince criado em cativeiro foi libertado na região sudeste de Portugal, na região de Alentejo, próxima à fronteira com a Espanha. Até a data, 47 linces foram libertados em Portugal.

Estima-se que agora a população de Linces na península esteja em torno de 1.000, sendo que 154 estão no Parque Natural do Vale do Guadiana, em Portugal. A volta notável fez o status de conservação da espécie aumentar na Lista Vermelha da IUCN de em perigo crítico (CR) para em perigo (EN).

Bateria de soluções de conservação

Não há nenhuma solução milagrosa que pode ser creditada com a salvação dos linces-ibéricos da extinção. Ao invés disso, a solução foi uma combinação de métodos de conservação testados e abordagens inovadoras, realizadas através de jurisdições e ajudadas pela crescente consciência do povo sobre a importância da conservação da biodiversidade.

Dentre as maiores ameaças para a espécie está a perda e fragmentação de seu habitat. Entre 1960 e 1990, estima-se que 80% dos linces sucumbiram à degradação e perda de habitat. Estradas tiveram um papel fundamental nesse problema, obstruindo a mudança genética entre indivíduos de diferentes espécies e resultando em mortes por colisões de automóveis. Na Espanha, construir corredores ecológicos por baixo de estradas muito movimentadas ajudou a acabar com o problema, e Portugal planeja imitar essa solução. Criar corredores ecológicos entre dois países é também combater o estrangulamento genético, devolvendo aos animais  um intervalo natural que ultrapassa o conceito de fronteiras nacionais.

“Nós estamos tentando aumentar o território”, diz João Alves, principal conselheiro do Instituto de Conservação da Natureza e de Florestas do governo, ou ICNF no acrônimo português

Ele conta ao Mongabay que está satisfeito com os resultados e espera que os corredores façam a população de Linces crescer mais, embora ainda haja um caminho para garantir segurança aos animais. Cada lince precisa de um território de no mínimo 10 quilômetros quadrados, mas a área total de território disponível para os linces em Portugal cobre 500 metros quadrados, o que significa que ainda há mais terra a ser garantida.

“Os linces precisam de um habitat para viver”, diz Olga Martins, diretora regional do escritório da ICNF da cidade de Mértola em Alentejo.

Uma grande proporção de territórios com potencial para abrigar linces são propriedades privadas, onde os donos de terra veem mais vantagem em cultivar azeitonas e uvas para produção de vinhos, tornando as terras em monocultura – terra infértil da perspectiva conservacional. Para prevenir essa perda de habitat viável, a ICNF está encorajando os donos de terra a retornar a um sistema de agrossilvicultura mais tradicional chamado montados: uma terra caracterizada por árvores de baixa densidade combinada com atividades agrícolas ou agropecuárias.

Outra solução é a readaptação a ambientes selvagens. Em Portugal, organizações ambientalistas como Rewilding Europe estão comprando terras de agricultores e outros donos de terra com o propósito de restaurar a biodiversidade. Uma parte fundamental de fazer funcionar tal solução, especialmente para espécies predadoras como linces e lobos, é engajar a população na causa. Isso parece estar funcionando no Alentejo, dizem os conservacionistas. Donos de terras e caçadores, previamente hostis à presença dos linces em suas terras, mudaram de ideia. Pecuaristas, em particular, descobriram que os linces não atacam animais domésticos, apesar de sua velha reputação nesse ponto.

Restauração dos coelhos

O desaparecimento do coelho-europeu de grande parte de seu alcance histórico, por conta de epidemias de mixomatose e a doença hemorrágica do coelho, foi outro dos fatores que levaram ao declínio do lince-ibérico. Mixomatose, uma doença viral da América do Sul, foi intencionalmente introduzida na França nos anos 1950 para controlar a população de coelhos selvagens, que eram considerados pragas pelos agropecuários. O vírus então se espalhou a sudoeste pela Península Ibérica, dizimando as populações de coelho de lá, e com eles, os linces.

Como parte do programa de reintrodução dos linces, conservacionistas também estão tentando aumentar a população de coelhos. Em Alentejo, esses esforços são vendidos como uma vitória para todos: para os residentes, os coelhos são animais apreciados na caça e parte da culinária tradicional. Vários donos de terra construíram túneis artificiais para os coelhos em solo extremamente compactado e forneceram visitas guiadas aos visitantes interessados em ver linces – mesmo que as chances de encontrar esse gato sejam poucas.

Há atualmente quatro centros de cativeiros destinados à reprodução do lince-ibérico: três na Espanha e um em Portugal. A seleção de animais para reprodução e para a libertação é determinada pelo Comitê de Criação em Cativeiro do Lince Ibérico, ou CCCLI de acordo com seu acrônimo em Espanhol. Ele junta representantes tecnológicos e científicos da Espanha e de Portugal, que decidem quais animais serão libertados e quando, para maximizar a diversidade genética das populações selvagens

“Se tivermos um total de 750 de fêmeas na Península Ibérica, será um número viável,” Alves diz.

Os resultados parecem comprometedores: cinquenta gatos nasceram na primavera de 2020 no Parque Natural do Vale do Guadiana, mais do que os linces de cativeiro libertados em Portugal nos últimos 5 anos.

Indicando a gama de ameaças

Indicar a gama de ameaças aos linces-ibéricos e elaborar soluções para cada uma tem sido a chave em trazer a espécie de volta da beira da extinção, diz Rike Bolam, um cientista conservacionista na Universidade de Newcastle no Reino Unido.

Bolam é o autor principal de um estudo publicado no ano passado que mostrou como ações de conservação previnem a extinção de 7 a 16 mamíferos e 21 de 32 espécies de aves desde 1993. Dentre esses está o lince-ibérico. 1993 foi escolhido como a base porque esse foi o ano em que a Convenção de Diversidade Biológica das Nações Unidas entrou em vigor, inaugurando uma onda de programas de conservação baseados em zoológicos, proteções legais formais e esforços de reintrodução.

“O lince-ibérico sofre de uma grande gama de ameaças, e eu acho que foi muito importe que não apenas um ou duas delas foram indicadas, mas uma grande maioria”, Bolam conta ao Mongabay. “A falta de presas têm sido manejada pelo habitat, a falta de tocas está sendo resolvida pelo fornecimento de tocas artificiais.”

Bolam adiciona que acidentes de estrada estão diminuindo como um resultado de medidas de leis de trânsito e a caça também está sumindo graças a crescente consciência do público e o monitoramento de armadilhas ilegais.

Além de indicar as ameaças diretas, houve translocação e reintrodução em outras áreas para aumentar a população”, ela diz.

A última medida será importante para sustentar o lince-ibérico na selva contra outra ameaça crescente: as mudanças climáticas.

Projeções climáticas mostram regiões no sul da Península Ibérica que, atualmente, não são mais adequadas para os linces. O programa de reintrodução, que está expandindo a gama dos linces ao norte, poderia aumentar sua resiliência à mudanças climáticas. 

“Isso pode ajudar a espécie a se espalhar para partes do norte”, Bolam diz. “Principalmente por reintroduzir a espécie em outras áreas, por conta da falta de corredores ecológicos.”

Ela diz que a bateria de medidas de conservação que salvaram os linces-ibéricos podem ser aplicadas para outras espécies em risco de extinção. Muitas espécies enfrentam problemas comuns, ela nota: perda de habitat por conta da agricultura, e ameaças diretas da mineração, caça e pesca.

“Há agora novos modelos que mostram que podemos limitar essas ameaças e ainda alimentar todo mundo”, Bolam diz. “Mas isso vai exigir mudanças no consumo, como acabar com o desperdício de comida e comer menos carne, assim como limitar as mudanças climáticas.”

Referência:
Bolam, F. C., Mair, L., Angelico, M., Brooks, T. M., Burgman, M., Hermes, C., … Butchart, S. H. (2020). Quantas espécies de pássaros e mamíferos têm ações recentes de conservação? Conservation Letters, 14(1). doi:10.1111/conl.12762

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