Responsável por cobrir mais de 70% da área do planeta, o oceano é essencial para a manutenção da vida na Terra, mas sua saúde está em perigo – e quem faz esse alerta é a Organização das Nações Unidas (ONU), que promove a partir desta segunda-feira (27) a 2ª edição da Conferência do Oceano em Lisboa.
O evento em Portugal vai reunir delegações de diversos países para discutir como combater as ameaças aos mares ao longo da Década do Oceano, que vai de 2021 até 2030.
O objetivo principal da conferência é promover o desenvolvimento de ações concretas, tanto de países como de instituições privadas, para que as metas da Agenda 2030, também conhecidas como Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sejam atingidas. No caso do oceano, o foco é o ODS 14, Vida no Mar, que inclui compromissos como a de reduzir a poluição marinha até 2025.
Os principais desafios para o oceano apontados pelos especialistas ouvidos pelo g1 são:
Poluição por plásticos, Desenvolvimento da economia do mar, Acidificação do oceano, Elevação dos níveis do mar e Pesca predatória
Os pesquisadores destacaram a importância da conservação oceânica para a sobrevivência humana. Só a pesca marinha, uma das atividades que ocorre no mar, gera 57 milhões de empregos em todo o mundo e fornece a principal fonte de proteína para mais de 50% da população de países em desenvolvimento, segundo dados da ONU.
Mas, além de fornecer alimento e trabalho, o oceano também tem um papel fundamental na regulação climática do planeta: é ele que garante que a temperatura da Terra fique em níveis adequados para a sobrevivência de diversas espécies, inclusive o homem.
E é por conta da ação humana que os mares têm sofrido diversos desafios, que passam pelo aumento da poluição, causada principalmente por plásticos, e também pela elevação da acidez da água, provocada pela alta nas emissões de carbono na atmosfera.
Para o professor Alexandre Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), um dos focos da conferência deve ser comunicar os desafios do oceano para o grande público.
“É a promoção de cultura oceânica, que é fazer com que o oceano chegue na cabeça, no coração e na alma das pessoas. Mais de 70 milhões de brasileiros nunca viram o mar, por exemplo. Então a gente tem um desafio enorme que é levar a importância do mar até essas pessoas também”, explicou Turra, que também é coordenador da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano.
Entenda abaixo os principais desafios para o oceano e por que eles são importantes:
Poluição por plásticos
Há diversos tipos de poluentes que afetam os mares: vazamentos de óleo, resíduos de agrotóxicos, esgoto não tratado e lixo são alguns deles. Mas, para os pesquisadores ouvidos pelo g1, o poluente que mais preocupa atualmente é o plástico, por conta do volume e também da permanência deste material no meio ambiente.
“O plástico tem essa grande desvantagem de permanecer por muito tempo no ambiente. Já o esgoto, que também é um problema, quando você para de poluir, o ambiente se recupera rápido. Com o plástico, é diferente”, explicou o professor Alexandre Turra, do Instituto Oceanográfico da USP.
De acordo com uma estimativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, cerca de 11 milhões de toneladas de plástico são jogados no oceano todos os anos, o que gera um prejuízo global de US$ 13 bilhões por ano com custos de limpeza e perdas financeiras na pesca e outras indústrias.
Segundo a ONU, 89% do lixo plástico encontrado no fundo do mar vem de itens de uso único, como sacolas de plástico e embalagens. Mais de 800 espécies marinhas e costeiras são afetadas por esses plásticos, seja pelo risco de emaranhamento no lixo, seja por mudanças no seu habitat.
Além disso, este tipo de dejeto também pode ter um tamanho muito reduzido, como é o caso do micro plástico, composto por partículas de menos de 5 milímetros de diâmetro. Nesses casos, o maior risco para as espécies é a ingestão desse material, inclusive por humanos.
Uma das metas globais da Agenda 2030, assinada pelo Brasil, é “prevenir e reduzir significativamente a poluição marinha de todos os tipos” até o ano de 2025. No entanto, um relatório do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, publicado no ano passado, mostrou que o Brasil não avançou em nenhuma das metas estabelecidas no acordo assinado com a ONU.
O documento avalia que, desde a assinatura do acordo, o Brasil retrocedeu na meta de reduzir a poluição dos mares, por conta do baixo índice de tratamento de esgoto e do aumento no despejo de resíduos sólidos no mar.
Desenvolvimento da economia do mar
Um dos caminhos para evitar a degradação dos mares, segundo os especialistas entrevistados pelo g1, é entender como é possível aproveitar economicamente os seus recursos sem prejudicar o meio ambiente.
O movimento, conhecido como “blue economy” em inglês, visa promover a exploração sustentável do oceano paralelamente à conscientização do público. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta que este mercado vai movimentar US$ 3 trilhões até 2030.
Da exploração de petróleo em alto-mar aos transportes marítimos, passando pelo turismo e pela pesca, uma série de atividades econômicas dependem do oceano. No Brasil, a ideia é criar um indicador para medir como esses setores contribuem para o Produto Interno Bruto (PIB) e desenvolver políticas públicas específicas para a chamada economia do mar. Um grupo técnico comandado pelo Ministério da Economia pretende definir, ainda em 2022, uma metodologia para essa métrica do “PIB do Mar”.
O professor Thauan Santos, do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval da Marinha do Brasil, explicou que a busca de soluções para desenvolver a economia do mar deve ser um dos principais interesses das delegações de diferentes países na Conferência do Oceano 2022.
“A ideia deve ser entender como o oceano pode ser um vetor para a recuperação econômica, após a crise provocada pela Covid-19, sem que isso prejudique o meio ambiente. Vai ser importante para colocar em contato países com experiências diferentes e trazer cases de sucesso, pouco conhecidos, e compartilhar com a sociedade brasileira como isso ocorre”, destacou Santos.
Acidificação do oceano
Os mares absorvem quase 1/4 do gás carbônico emitido pelo homem, o que ajuda a minimizar os impactos das emissões na atmosfera e a retardar os efeitos das mudanças climáticas. No entanto, essa absorção também afeta o mar: a água tem o seu pH reduzido, ou seja, se torna mais ácida, quanto mais dióxido de carbono (CO2) se dissolve nela.
Este processo, chamado de acidificação do oceano, pode causar a extinção de uma série de espécies, por conta da mudança em seu habitat. Além disso, à medida que o pH do oceano diminui, sua capacidade de absorver CO2 da atmosfera também se reduz.
Em um estudo publicado em maio, cientistas da Agência Internacional de Energia Atômica alertaram para o aumento da acidificação do oceano. Eles destacaram que os impactos deste fenômeno foram mal calculados nos últimos anos, e concluíram que 95% da água do mar aberto tornou-se mais ácida desde o final da década de 1980.
Também em maio deste ano, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, fez um discurso no qual chamou atenção para a catástrofe do clima e destacou que os oceanos chegaram, em 2021, ao maior nível de acidez já registrado na história.
Especialistas avaliam que o problema da acidificação deve ser um dos focos da conferência da ONU sobre oceano porque ele retrata os efeitos das mudanças climáticas nos mares, além de se relacionar com outros problemas ambientais.
“A acidificação é um grande problema, e está ligada às mudanças climáticas, ela é causada pelas mudanças climáticas. Então, quando falamos sobre a crise do clima, ela é um guarda-chuva para falar especificamente desse problema no oceano”, explicou Gemma Parkes, coordenadora de comunicação da Friends of the Ocean, iniciativa do Fórum Econômico Mundial para a conservação dos mares.
Elevação dos níveis do mar
No ano passado, o aumento do nível do mar também bateu recorde e chegou a uma elevação média de 4,5 milímetros por ano, a partir de 2013. Para os cientistas, este é um dos principais indicadores dos efeitos das mudanças climáticas no oceano, ao lado dos níveis de acidificação e da temperatura média do mar, que também atingiram recordes em 2021.
O cenário é preocupante porque, atualmente, a velocidade da subida dos oceanos é o dobro da que era registrada no século 20, e a parcela da população mundial que vive em áreas próximas do mar nunca foi tão grande.
Em todo o planeta, cerca de 680 milhões de pessoas vivem em zonas costeiras de baixa altitude, ou seja, áreas que estão ameaçadas pela elevação do nível do mar, segundo dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). O grupo estima que esse número deve aumentar para 1 bilhão de pessoas até 2050.
Há um grupo que está em maior risco: 65 milhões de pessoas vivem em Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, conhecidos como SIDS, na sigla em inglês. Esses países, que incluem lugares como República Dominicana e Maldivas, estão entre os mais vulneráveis às mudanças climáticas, e cerca de um quarto da população deles vive cinco metros ou menos acima do nível do mar.
Mas não são apenas os moradores dessas pequenas ilhas que devem ser afetados pelo aumento do nível do mar, segundo o professor Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da USP. O especialista destacou que os efeitos dessa subida do oceano devem ser mais sentidos pelas populações mais vulneráveis, inclusive no Brasil.
“É importante a gente pensar que existe um conceito chamado de racismo oceânico, que vem do racismo ambiental, e que indica que quem vai sofrer mais com a subida dos oceanos são as pessoas mais vulneráveis, que moram em áreas de ocupação, que vivem em regiões que vão desaparecer. Essa desigualdade já existe, mas as mudanças climáticas tendem a agravar essa assimetria, e isso tem a ver com a gente aqui no Brasil também, não são apenas as ilhas que podem sumir no Pacífico”, explicou.
Pesca predatória
A pesca predatória, também conhecida como “overfishing”, em inglês, ocorre quando a remoção de uma espécie de peixe é feita em uma ritmo maior do que a taxa de reprodução da espécie para repor sua população.
Os efeitos desta sobre pesca no meio ambiente podem levar décadas para serem revertidos. A longo prazo, a pesca predatória diminui as espécies de peixes em níveis biologicamente sustentáveis. Segundo a ONU, a análise mais recente sobre este tema mostrou que o estoque de peixes em patamares sustentáveis diminuiu de 90% do total, em 1974, para apenas 67% em 2015. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), mais de um terço dos cardumes presentes no oceano está sendo pescado em excesso atualmente.
Para especialistas da área, a pesca excessiva deve ser um tópico de destaque na conferência da ONU porque diversos países devem ser pressionados a reduzir os subsídios governamentais para essas práticas, como explicou Gemma Parkes, coordenadora de comunicação da Friends of the Ocean, iniciativa do Fórum Econômico Mundial para a conservação dos mares.
“Em termos de desafios, um dos maiores nesta conferência deve ser a pesca, e um tópico-chave deve ser o fim dos subsídios prejudiciais à pesca. Esses subsídios são feitos de dinheiro público, mais de US$ 22 bilhões todos os anos, montante que é usado para financiar grandes corporações de pesca que põem em perigo não só espécies de peixes, mas também comunidades pesqueiras de todo o planeta”, afirmou Parkes.
Para evitar que o problema se agrave, entre as metas globais da Agenda 2030 da ONU, assinada pelo Brasil, havia a promessa de acabar com “a sobre pesca, ilegal, não reportada e não regulamentada” e com “as práticas de pesca destrutivas” até o ano de 2020.
No entanto, o país não conseguiu cumprir esse objetivo: ainda há registros de pesca predatória em áreas de conservação ambiental, por conta da falta de infraestrutura de fiscalização, e também em períodos de defeso, épocas do ano em que a remoção de determinadas espécies é proibida para propiciar a reprodução dos peixes. Com isso, mais da metade das espécies comerciais mais importantes do país tiveram suas populações reduzidas nos últimos anos.
Segundo um relatório do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, a meta de acabar com a pesca predatória no Brasil “segue em retrocesso devido à falta de uma política nacional de combate à sobre pesca”. “O país não quantifica efetivamente os estoques e esforço de pesca”, detalhou o relatório.
Esta reportagem foi produzida no âmbito da 2022 UN Ocean Conference Fellowship, organizada pela Earth Journalism Network da Internews com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian (Reino Unido).
Fonte: G1